Há muitos anos, frequentei um curso na Católica, em Lisboa, para “executivos”. Abominei: os testes dirigiam-se à memória (lembro-me de ser preciso empinar o “diamante de Porter”, salvo erro, mais uma data de coisas que não ganhavam em conhecer-se de cor); os professores eram da variedade doutoral, isto é, da que vomita uma receita e uma maneira de ver, aceitando mal diálogos com os alunos, que são tratados como uma massa bruta na qual é necessário gravar algumas crenças tomadas como definitivas; e a suposta disponibilidade, via internet, do corpo docente, existia muito na propaganda comercial do curso mas pouco na realidade. Numa palavra, professores de ciências sociais que tomavam por exactas, um equívoco que existe até mesmo em áreas supostamente apenas aritméticas, como análise financeira.
Numa cadeira, salvo erro de marketing, recomendava-se como leitura obrigatória o “Choque do Futuro”, de Alvin Toffler, um aldrabão que explorava a mania americana de o prever, identificando algumas tendências do presente que projectava com habilidade e falta de senso e de humildade. Este pastelão o professor tomava como ouro de lei. Hoje, se ainda for vivo e der aulas, deve recomendar o último guru que, com roupagem pseudocientífica, faz o papel dos áugures romanos. O facto de os áugures modernos se enganarem tanto como os antigos decerto não o impressionava, o que é a definição mesma de burrice – bater com a mesma cabeça sempre na mesma parede.
Aquilo era intenso, aos sábados, e a meio da manhã havia uma pausa para café. Várias mesas estavam cobertas de bolos – éclairs, tíbias, palmiers e o restante sortido das pastelarias rascas – mas de sandes honestas de fiambre ou queijo, nada.
O corpo discente era no geral de meia idade e tinha muitos licenciados de várias áreas que pouco ou nada tinham a ver com gestão. Como achasse absurda aquela dieta para quem já tinha barriguinha (não eu, por acaso, que tinha um corpo escultural) fui reclamar junto do director do curso, que abriu os olhos de espanto, não tanto pela reclamação em si mas pelo arrojo de um “aluno” se permitir, com liberdade, dizer claramente ao que vinha. Na Católica, a julgar pela minha experiência, imaginavam que o respeitinho é tão necessário como a esferográfica.
Lembrei-me desta história a propósito deste estudo da DECO – parece que as coisas não mudaram muito, excepto por agora haver maquinetas. Infelizmente, os diligentes empregados do catering foram substituídos (o que provavelmente tinha de acontecer, senão os preços ficavam incomportáveis), mas o cardápio não.
Um problema, na medida (e só nessa, a meu ver) em que haja alunos que queiram outra coisa que não seja lixo adocicado. Eu não queria, presumia que os meus colegas também não queriam, e reagi.
A DECO não acha isto bem, e pelo contrário entende (ou melhor, entende uma senhora nutricionista que tem os tiques dirigistas, autoritários e fascisto-higiénicos da espécie) que
“… seria importante regulamentar a oferta alimentar destas máquinas nas instituições de ensino, à semelhança do que já existe para as máquinas do género colocadas nas instituições do Serviço Nacional de Saúde. Era importante que a oferta alimentar fosse regulada com enquadramento legislativo porque ainda não há orientações nem nenhum documento de carácter legislativo publicado para as máquinas de venda das instituições do ensino superior”.
É fatal: Não há problema, real ou imaginário, em que a DECO não ache que precisamos de mais leis, mais orientações, mais regulamentos e, já se vê, mais coimas e mais fiscais. Como se o país não estivesse já soterrado em legislação que quem pode não cumpre, e como se houvesse algum défice de inúteis e improdutivos na função pública cuja missão é fiscalizar o próximo.
Senhora dra. Rita Luís, tenho o maior respeito pelas suas opiniões (na realidade não tenho, mas convém-me dizer que sim for the sake of the argument) mas as universidades são frequentadas por adultos e estes não precisam que lhes imponham na prática a dieta xis ou ípsilon. Mais: têm o direito de escolha. Faça V. Exª propaganda das suas certezas junto deles e dos fornecedores, convença-os e deixe o Diário da República e as polícias em paz.
Todos os maluquinhos, antigamente no café e hoje nas redes sociais, começam com frequência as frases com a expressão “se eu mandasse…” e a seguir vem a solução milagrosa para salvar o país dos seus males, ou as pessoas delas próprias.
É uma infeliz medida do nosso tempo que os maluquinhos tenham chegado ao poder.
A Deco, uma prestigiada organização de consumidores que tem como escopo reclamar mais leis, regulamentos e fiscais para resolver problemas que existem e outros que inventa, dá-nos esta notícia sobre um moço sonhador que imaginava ser proprietário de um automóvel, baseado no facto pueril de o ter pago e de circular legalmente com ele.
O jovem imprudente resolveu vender o veículo mas, mesmo que mortos de curiosidade, ficamos na ignorância do motivo: Perdeu o emprego? Decidiu passar à condição ecológica de pedestre? Teve um desgosto de amor e não suporta mais a recordação da ninfa (ele vive perto do rio Cávado) com a qual trocou gratificantes impressões no banco de trás, em noites de lua nova? Precisa de ir a Lisboa, e quer-se arruinar com um carro novo, para não infringir as proibições do edil (em tempo parcial) Costa?
Não sabemos. Do que somos inteirados é que o imprudente colou um papel no vidro de trás com o seu número de telemóvel, a cilindrada e a potência do carro.
Tivesse ele colado uma caricatura de Aníbal com os dizeres "Cavaco é burro" ou um autocolante com a foice e o martelo orlados com o bordão célebre "Abaixo o Fascismo e quem o apoiar" e a Polícia encará-lo-ia com bonomia - liberdade de expressão e essas coisas que até os senhores guardas entendem.
Não contente com indiscretamente anunciar o seu número de telemóvel e os dados do veículo, este ser antissocial "estacionou o carro em frente a casa, num lugar de estacionamento".
Isto foi a gota de água. Tivesse ele estacionado numa rotunda ou descampado livre, ainda vá que não vá, é permitido. Agora, num lugar de estacionamento? "Coima de € 30 a € 150, no mínimo".
Vai a Deco reclamar a revogação do artigo iníquo e abusivo do Código da Estrada que estabelece a proibição? Vai aconselhar o associado a reclamar, recorrer, reagir, protestar? Vai investigar se quem assinou o diploma tinha ligações a concessionários ou stands de automóveis usados?
Não, que ideia. "Se vai vender um carro, o primeiro passo será fazer uma pesquisa nos classificados, concessionários e agências para saber o preço de mercado. Pode colocar o carro à venda em anúncios em jornais ou sites específicos" - é o que se lhe oferece dizer.
Diz que é uma associação de defesa dos consumidores. Consumidores de quê? De asneiras?
Há aí uma gente em cujas casas a higiene é duvidosa; e, consequentemente, não cheiram a água de rosas.
Aqui intervém a pujança do mercado, que disponibiliza ambientadores, aromatizadores, e mesmo paus de incenso, estes últimos para os que, além de porcos, são fortemente espirituais, e por isso pretendem, através da fumarada, vislumbrar os segredos do Além e dar um alento ao karma esmorecido.
Assunto deles.
Logo a Deco, um organismo muito atento aos direitos dos consumidores, nos intervalos de nos consumir nas caixas de e-mail, fez um estudo e concluiu que os incensos e óleos contêm substâncias daninhas que prejudicam isto e aquilo.
Assunto da Deco, dos sócios da Deco e dos leitores da Deco. Assunto também dos consumidores que, inteirados destes efeitos malignos, podem abster-se, doravante, de imaginar que o porco cor-de-rosa é um animal doméstico.
A coisa devia morrer aqui. Mas não: a Deco está a "desenvolver esforços junto da Comissão Europeia para criar um regulamento europeu e um sistema de fiscalização para estes produtos”.
Ora, leis e regulamentos há de mais, não de menos; e nenhum fiscal produziu jamais coisa alguma, senão perdas de tempo e autos de notícia, mesmo que muitos não possam ser dispensados, a benefício de sociedades civilizadas.
Atrás dos regulamentos vêm as infracções aos regulamentos, a corrupção, as coimas, os tribunais e a hidra da despesa.
Assunto nosso. Pelo que me diz respeito, estaria disposto a desenvolver esforços para a Deco ir, por exemplo, queimar paus de incenso. Longe.
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