Já sabemos que a luta é a Fenprof que a determina, não os cretinos da direita.
Mas os cretinos da direita têm limitações, cognitivas, ainda mais graves.
Quando colocados perante a evidência de em 2015 terem emigrado menos 18,5% portugueses e de terem imigrado mais 53,2%, entre estrangeiros que entraram e portugueses que regressaram, do que em 2014, em que por sua vez já tinham emigrado menos e imigrado mais do que em 2013, são capazes de distorcer as conclusões que é lícito tirar do facto para admitir que era a economia a retomar gradualmente a sua capacidade de reter mais portugueses e acolher mais estrangeiros. A esboçar o crescimento.
Nada de mais errado, e o jornal Público, como lhe é clássico, foi consultar "investigadores" em ciências sociais capazes de desfazer essas perniciosas impressões antes de elas contaminarem e enganarem a opinião pública com a impressão viral que a crise já estava a ser resolvida ainda durante a legislatura anterior.
O que aconteceu então?
O antropólogo Jorge Malheiros, visita frequente do esquerda.net, onde já tinha prognosticado no início de 2014 que a inversão do surto de emigração que então se verificava só seria possível com a criação de emprego estável, explicou agora que a emigração não se reduziu em 2014, e de novo em 2015, pela melhoria da economia do país, mas por um certo capital de esperança criado em 2016 pela reposição dos salários na função pública, que como toda a gente sabe era a maior vítima da sangria da emigração, em 2017 pelo aumento do salário mínimo para 557 euros, e em ambos os anos pelo aumento dos impostos indirectos. Só de antecipar estas medidas, os portugueses começaram em 2014 e 2015 a refrear a sua vontade de emigrar. Em que manicómio investiga este "investigador"? No Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa. Pago por todos nós.
O governo vai aumentar em 10 euros as pensões até 628 euros por mês.
Excluindo as pensões mínimas, de 275 euros em diante, que foram aumentadas pelo governo anterior.
Cuja atribuição, por sua vez, vai ser condicionada a prova de recursos.
Só em Agosto, imediatamente antes das eleições autárquicas, por dificuldades do sistema informático. O que significa que o aumento de 10 euros recebido durante os últimos 5 meses corresponde a um aumento de 4,17 euros por mês recebido desde Janeiro.
E deduzido da actualização das pensões para compensar a inflação.
Não da inflação de 1,5% prevista no OE 2017 para efeitos de chegar a uma previsão do PIB que suporte as reivindicações da propaganda socialista de redução da dívida e da carga fiscal, mas da inflação de 2016 que será menos de metade dessa previsão.
Pela extinção da CES, as pensões mais altas terão um aumento de 8,1% [100%/(100%-7,5%)] na parte que excede os 4.611,22 euros por mês e de 25% [100%/(100%-20%)] na parte que excede os 7.126,74 euros.
Que são aqueles para quem o governo, de facto, governa.
Nada de novo na luta de classes.
Há mitos tão incrustados nas convicções de muitas pessoas que é praticamente impossível erradicá-los, por mais que se desmontem com base em análises objectivas dos factos reais.
Um deles é que a desigualdade em Portugal aumentou entre 2011 e 2014, durante a execução do plano de resgate da troika. Outros, que no restaurante da Assembleia da República se come caviar beluga acompanhado de champanhe francês ao preço da carcaça com manteiga, ou que a fortuna da família do José Sócrates investida em portos seguros ascendia a 385 milhões de euros, e não escudos. Outro ainda, que os mais ricos, ao fugir aos impostos sempre que podem, conseguem não pagar impostos.
Sendo seguro que os mais ricos têm acesso mais facilitado que os mais pobres a formas de mobilidade do dinheiro que permitem abrigá-lo da voracidade do fisco, como por exemplo, receber a título de rendimentos de propriedade intelectual 7.500 euros por mês de honorários por participar num programa televisivo semanal de comentário político, de modo a, não só poder acumulá-los com o salário completo de presidente da câmara com dedicação exclusiva de cerca de 4.500, como poder isentar do IRS metade de uma parte desses rendimentos. E ainda lhes sobrar lata para recitarem tiradas das que se aprendem aos 14 anos para interiorizar a superioridade moral do comunismo, como "de cada um segundo a sua capacidade a cada um segundo a sua necessidade". Fugirem dos impostos? Birds do it, bees do it, even educated fleas do it, e os ricos também o fazem. Mas daí a não pagarem impostos é salto de uma grande audácia.
Mas,
diz a Catarina, diz a Mariana, as porta-vozes do nacional socialismo, dizem os pastores de opiniões da "Quadratura do Círculo", diz o Galamba, diz o Pedro Nuno Santos, os jovens turcos que o Costa larga às canelas dos neoliberais e do banqueiro alemão, diz o Costa, diz toda a gente que se inspira ou se conforma com o que eles dizem para decidir aquilo que pensa e que diz.
E como é que eles sabem disso?
Porque o disse o antigo director-geral dos impostos José Azevedo Pereira, nomeado para o cargo pelo governo do primeiro-ministro José Sócrates em 2007, e substituído depois de sete anos a gerir discretamente a máquina dos impostos pelo governo do primeiro-ministro Pedro Passos Coelho em 2014, numa entrevista à SIC Notícias em 2015 cheia de insinuações à falta de interesse pela perseguição à evasão fiscal dos seus sucessores e do governo que o libertou das funções.
A partir das afirmações dele na entrevista, uma colunista do Jornal de Negócios fez umas contas de aritmética básica com o discreto título "As 1000 famílias que mandam nisto tudo (e não pagam impostos)", sintetizando que as tais mil famílias pagam apenas 0,5% do total de IRS colectado em vez dos 25% que ele disse que são um benchmark internacional, sem revelar a fonte de informação do benchmark, nem explicar os motivos pelos quais seria de esperar que fosse aplicável a Portugal, e a afirmação ascendeu à condição de axioma, que não necessita de prova para ser provado, e é livremente citada por todos os que pretendem fazer uso dela para as finalidades que só eles saberão, seja para justificar o incremento da tributação de património, a liberalização do acesso do fisco às contas bancárias dos contribuintes, ou mesmo, qual par de cálices de bagaço emborcados de um trago, para ajudar a perder a vergonha de ir buscar a quem acumula dinheiro. É preciso vigiar essa malta! É pois um axioma.
Mas será verdade?
O quadrozito apresentado acima, retirado do resumo de divulgação do Orçamento de Estado de 2015 publicado pela Direcção Geral do Orçamento, e referente à colecta do IRS em 2012, mostra que as 2.343 famílias mais ricas, as que tiveram rendimentos anuais superiores a 250 mil euros, pagaram 8,4% do total do IRS liquidado, ou 713 milhões de euros. Se, como disse na entrevista o director-geral dos impostos em funções nesse ano, as mil famílias mais ricas apenas pagaram 0,5% do IRS, ou 42,3 milhões de euros, numa média de 42,3 mil euros por família, sobraram para as 1.343 abaixo os restantes 671 milhões de euros cobrados neste grupo de contribuintes, representando uma média de, para arredondar, 500 mil euros por família.
Ora sendo as taxas liberatórias, que descriminam favoravelmente rendimentos como os de capital comparativamente com os de trabalho, de 28%, e 35% quando esses rendimentos estão associados a paraísos fiscais, nenhuma destas 2.343 famílias que declaram mais de 250 mil euros pode pagar menos de 70 mil euros de IRS (mas se o rendimento sujeito à taxa liberatória for de um milhão de euros, o IRS já será de 280 mil), deduzidos dos abatimentos e das despesas de saúde e educação, vá lá, que, por mais que os contribuintes se esforcem, nunca permitem chegar a 42,3 mil euros. A nenhum deles, quanto mais à média dos mil que declaram mais. E atendendo que as restantes 1.343 famílias são as que ganham menos de entre as 2.343 que ganham mais do que 250 mil euros, ou seja, são as que ganham 250.000, 250.001, 250.010, e por aí fora, até ao limite máximo que as colocaria entre as mil mais ricas, parece que deve haver famílias deste grupo que pagam de IRS o dobro do que ganham. Ou isso, ou as mil famílias que ganham mais do que estas afinal pagam mais do que os míseros 0,5% que o director-geral disse que pagavam, e estes restantes 1.343 pagam em média muito menos que os 500 mil euros?
O director-geral ter-se-á entusiasmado por, depois de sete anos em que exerceu as funções de modo tão discreto, o que é uma virtude, e não um vício, num director-geral da administração pública, sublinhe-se, lhe terem posto uma câmara de televisão e um microfone à frente, e ter-se-á deixado levar por esse entusiasmo para fazer revelações bombásticas? ou terá querido entalar o sucessor e o governo que o substituiu insinuando, com a ajuda de números espectaculares e redondos que ficam no ouvido, que se desinteressaram do combate à evasão fiscal, quem sabe se para beneficiarem os seus melhores amigos ricos? Não se sabe.
O que se sabe é que
E em que é que esta constatação pode influir no debate público sobre estes temas? Em nada. O axioma, ou lugar comum, vai continuar a ser usado indisputado, até porque quem o procurar disputar em público se arrisca a levar com o ónus de duvidar dele por estar do lado dos ricos e da sua ganância de fugirem às obrigações fiscais, e ninguém com mais exposição pública e mediática que meros participantes em blogues simpáticos e analíticos como este vai arriscar o pescoço revelando publicamente as suas dúvidas e apresentando as contas que sustentam as dúvidas e mostram que a asserção é um disparate demagogo e populista.
Podem-se, pois, exibir os ricos no pelourinho e perder a vergonha de se lhes ir ao bolso, porque não pagam impostos. Ao fim e ao cabo, o caminho para o socialismo está inscrito em pedra na nossa Constituição. De cada um segundo a sua capacidade a cada um segundo a sua necessidade.
Blogs
Adeptos da Concorrência Imperfeita
Com jornalismo assim, quem precisa de censura?
DêDêTê (Desconfia dele também...)
Momentos económicos... e não só
O MacGuffin (aka Contra a Corrente)
Os Três Dês do Acordo Ortográfico
Leituras
Ambrose Evans-Pritchard (The Telegraph)
Rodrigo Gurgel (até 4 Fev. 2015)
Jornais