Até a CIA desclassifica os seus documentos ao fim de algumas décadas, e os documentos da CIA referem-se a façanhas como assassinar políticos e pessoas normais, promover golpes de estado para derrubar governos democraticamente eleitos, inventar ficções para pretextar a proclamação de guerras que fazem milhares de vítimas, financiar grupos terroristas para fustigarem os inimigos estratégicos dos EUA, até para protegerem a discrição dos engates dos presidentes, uma galeria de horrores, coisas cada qual mais indigna que a outra cometidas em nome, nem sempre com sustentação real, do interesse nacional. Ao fim de algumas décadas, não tão poucas que ponham em causa a eficácia das operações desclassificadas, não tantas que os participantes não corram o risco de virem a ser sujeitos ao vexame público por ainda estarem vivos, estão cá fora. Coisas de democracias maduras, em que se conciliam a necessidade de eficácia da acção do Estado que, por vezes, depende do segredo, com a de transparência do Estado perante os cidadãos, para saberem como são governados pelos seus representamtes, que necessita de publicidade.
Não em Portugal.
Em Portugal, a publicação de um livro de memórias por um ex-presidente em que revela conversas privadas com um ex-primeiro-ministro, como se as conversas entre orgãos de soberania fossem um assunto privado e, portanto, isento de escrutínio público, e o jeito que não dá a isenção do escrutínio público? é um escândalo, uma delação intriguista, e é preciso perceber o significado de delação para quem ainda viveu, nem que tenha sido a infância e a juventude, num regime político que recorria à delação para manter um monopólio da representação que, como os monopólios económicos, promove o bem-estar dos monopolistas à custa do bem-estar do país, ou os interesses privados à custa do interesse público. E o apelo ao segredo é tanto mais intenso quanto os participantes nas conversas têm intervenções que prefeririam manter em segredo a ver reveladas. É até clássica uma definição de ética que consiste mais ou menos em fazer, mesmo em privado, o mesmo que se faria se o que se faz fosse tornado público. Quanto menos éticos, mais os participantes se sentem ofendidos com as revelações de conversas privadas entre orgãos de soberania, públicos, mas que gostariam de ser isentos do escrutínio público, e mais facilmente acusam o divulgador de falha ética.
Como dizem os minhotos, eu eu tenho sido aqui menos minhoto do que sou geneticamente e por coração, o caralhinho que os foda!
Na imagem, o "Onorevole" Maurizio Gasparri do PDL partido de Berlusconi, à entrada do parlamento durante a eleição do novo presidente da república italiana, “saúda” os simpatizantes do Movimento 5 Estrelas.
Pois é, a Itália tem um novo governo que segundo li em certos blogs e jornais portugueses é reconhecido como um “governo de união nacional”. Nada mais erróneo. O novo governo é a solução de recurso do PD e do PDL de Berlusconi para conter com uma almofada de tempo a evolução perigosa do Movimento 5 Estrelas. Como eleições agora representavam para aqueles partidos um risco demasiado grande de vitória de Grillo que ainda é o primeiro partido nas intenções de voto, os dois antagonistas crónicos resolveram criar um “governissimo” como aqui se diz.
As fragilidades são enormes e as dissensões já começaram com alguns ministros a dizerem que a retirada do imposto IMU (correspondente ao português IMI) não era possível na totalidade. Berlusconi diz que ou é cancelado o imposto como prometido por Enrico Letta (o novo primeiro-ministro) ou o PDL não apoia o governo e retira os seus ministros.
É evidente que é um governo de recurso, nascido apenas com o propósito de aguentar a situação e que será incapaz de reformar o que quer que seja. Tudo normal para a Itália portanto.
Prepara-se uma situação que permita o controlo da evolução do contexto político favorável aos partidos dominantes em Itália, excluindo da decisão as forças refomistas internas ao Partido Democrático e do Movimento 5 Estrelas de Beppe Grillo. Eis a resposta que Bersani do Partido Democático e Berlusconi preparam:
O presidente da república italiana não é escolhido por voto directo popular. É indicado pelos partidos e votado pelas câmaras. Não obstante o défice de representação que poderíamos assumir, tem imenso poder no regime: deve assinar cada lei do governo, pode demitir o governo, pode nomear um governo de iniciativa presidencial (como fez com Monti) e tem um poder informal muito determinante na génerica balbúrdia que é a política italiana.
Como aos partidos do arco não interessa eleições antecipadas pois Grillo e Renzi estão no horizonte como potenciais vencedores, aqueles optam por nomear o seu presidente, um "gerador de consensos e garante da estabilidade" que permita no próximo futuro uma solução de estabilidade que interesse às cliques do PD e do partido de Berlusconi. O interesse dos eleitores? Fica para segundo plano. - Uma situação que não pode acabar bem.
A negociação já começou e os nomes começam a rolar: Massimo D'Alema, Romano Prodi, Emma Bonino e outros. Assim que houver desenvolvimentos volto aqui.
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