A direita "dos negócios" deixou cair Ricardo Salgado e o grupo Espírito Santo. A esquerda da "transparência" limpou o BANIF com dinheiros públicos e tratou de o entregar ao Santander.
A direita "trauliteira" quer saber como e quem estoirou a Caixa Geral de Depósitos. A esquerda "unida" levanta obstáculos à comissão de inquérito, em nome da "estabilidade" do sistema financeiro e da "reputação" do banco do Estado. E assim mesmo, às escuras, subiu para 19 o número de administradores, aumentou-lhes os ordenados, e prepara-se para lá meter mais 4 mil milhões dos nossos euros.
A direita "determinista" quer que as crianças pobres tenham escolas com qualidade. A esquerda "das pessoas" quer ter os seus filhos nos colégios privados e atirar com os pobres para a bagunça do sistema público. E argumenta: “a liberdade existe", quem quer melhor "que pague do seu bolso".
A direita "autoritária" quer dar às famílias pobres o direito a escolher o ensino dos filhos, laico ou religioso, público ou privado, comunista, clássico ou experimental. A esquerda da “diversidade” quer as crianças pobres “protegidas” da Igreja e do “lado errado da história”, impondo a FENPROF, o sr. Nogueira, o Plano Nacional de Leitura (uma lista de livros “certos”), e as matérias politicamente correctas escritas com os pés. Explicando que a liberdade de ensino deve ser distribuída com precaução, reservada aos esclarecidos, uma vez que nem todos estão “filosoficamente preparados”.
Curiosamente a Igreja, que devia ter neste assunto uma posição oficial, pede licença para vir aos jornais gemer baixinho a sua perda de influência.
A esquerda chega ao poder aos encontrões e faz o que quer, com uma cartilha infantil. A direita espera quieta pelo resultado. Ou apresenta a sua cordura, a sua “moderação”, sem perceber que escolhe o caminho mais curto para se diminuir; a “moderação” não é um plano nem uma identidade, é uma maneira secundarizada de reconhecer a virtude da esquerda.
A natureza de uns e outros é hoje visível, talvez mais do que alguma vez foi nos últimos 40 anos. Quando a direita apanhar os restos da sua decepção tem de interpretar o país, descrever o arranjo que está a mandar nisto, explicar os riscos, fabricar uma proposta clara e construir uma retórica para se definir. Não existe “centro” (nem “moderação”) quando as pessoas estão aflitas e precisam de escolher a quem entregar os seus sacrifícios.
Ele há por aí, dentro do que se designa por Direita, gente que:
- Tem uma insondável admiração pelos E.U.A., as liberdades americanas, o capitalismo americano e os Pais Fundadores.
- Detesta o cidadão americano médio, que nem sequer sabe usar em simultâneo o garfo e a faca, julga que o centro do Mundo fica no Minnesota, e que a História começou em 1776 e os E.U.A. têm uma missão civilizadora.
- Apoia a "construção europeia", designação consagrada para a gravidez dos futuros Estados Unidos da Europa.
- Abomina a dissolução do que resta da independência nacional num estado federal onde Portugal teria, apesar de muita treta, a liberdade de fazer o que lhe mandam, com a mesma influência que tem o Arkansas na América.
- É a favor da despenalização do consumo, produção e compra e venda de drogas, mesmo duras, em nome do realismo no combate ao crime e da liberdade individual.
- Entende que o combate ao tráfico e consumo de drogas deve prosseguir, por a desistência do Estado ter um efeito dissolvente na sociedade e representar uma inadmissível neutralidade.
- Considera a desigualdade económica entre os cidadãos algo que o Estado deve activamente combater, via redistribuição fiscal.
- Acha que a redistribuição fiscal, se acentuada, tem um efeito de distorção no funcionamento do mercado, e é por isso inerentemente penalizadora do investimento e por consequência do progresso material.
- É a favor, ou contra, o abortamento, as proibições higieno-fascistas, a adopção por casais gays, o laicismo do Estado e ainda quase tudo e o seu contrário.
Bem, tudo tudo não: não há na Direita, pelo menos em teoria e apenas como exemplos que não são exaustivos, adeptos do crescimento do Estado e da despesa pública, da economia vudu e do Estado compreensivo para o criminoso e suspeitoso do homem bem-sucedido; e há uma prevalência de valores conservadores, de pessimismo sobre a inerente bondade da natureza humana, e de crença na realização do bem comum através da mão invisível do mercado.
Uma grande complicação, em suma - nada que quem está de fora verdadeiramente entenda. Ou queira entender.
E porque me lembrei de, ao correr da pena, expectorar estas profundas considerações, alinhadas entre o terceiro café e a hora do almoço, não divulgo.
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