Decorrerá amanhã, no salão nobre da Assembleia da República, uma homenagem a Catarina Beatriz Ângelo. Uma senhora a quem nós, outras senhoras, muito devemos.
E graças a uma outra grande senhora - a minha amiga Joana Vasconcelos- e ao seu post no saudoso ETGM que transcrevo, aqui fica o porquê desta homenagem:
Ana de Castro Osório e Carolina Beatriz Ângelo, 28 de Maio de 1911 (foto de Joshua Benoliel)
Foi a 28 de Maio de 1911. Faz hoje 100 anos.
Carolina Beatriz Ângelo (1877−1911) dirigiu-se à Assembleia Eleitoral de Arroios, instalada no Clube Estefânia, em Lisboa, para votar nas eleições para a Assembleia Constituinte.
Semanas antes, requerera na Comissão de Recenseamento do Bairro onde residia a sua inclusão nos cadernos eleitorais, alegando preencher todas as condições especificadas no artigo 5.º do Decreto com força de Lei de 14 de Março de 1911*: tinha mais de 21 anos, sabia ler e escrever e era “chefe de família”pois, viúva há mais de um ano, provia ao seu sustento e ao da sua filha de oito anos com o seu trabalho como médica (fora a primeira mulher cirurgiã a exercer em Portugal). Perante a recusa de tal pretensão pelo Ministro do Interior, António José de Almeida, recorreu do correspondente despacho para o tribunal. Por sentença proferida a 28 de Abril, o juiz da 1ª Vara Cível de Lisboa, João Baptista de Castro, pai de Ana de Castro Osório (activista dos direitos das mulheres e presidente da Liga das Sufragistas Portuguesas), deu provimento ao pedido da médica e mandou incluí-la nos cadernos eleitorais, considerando que excluir a mulher “de ser eleitora e ter intervenção nos assuntos políticos (…) só por ser mulher (…) é simplesmente absurdo e iníquo e em oposição com as próprias ideias da democracia e justiça proclamadas pelo partido republicano, porquanto desde que a reclamante tem todos os predicados para ser eleitora não pode arbitrariamente ser excluída do recenseamento eleitoral, porque onde a lei não distingue não pode o julgador distinguir”.
Apoiada na autoridade desta decisão, Carolina votou nesse dia. Foi a primeira mulher a fazê-lo em Portugal – e durante largos anos a única.
O episódio teve enorme repercussão mediática e foi entusiasticamente celebrado como uma vitória nos muitos movimentos que em Portugal e por toda a Europa lutavam pelo sufrágio feminino. Mas causou também consternação e, sobretudo, embaraço às autoridades republicanas, muito pouco favoráveis ao voto das mulheres.
Porque a verdade é que muito embora a letra do artigo 5.º do referido Decreto com força de Lei de 14 de Março de 1911, ao conferir o direito de voto a “todos os portugueses”, aparentemente não diferenciasse homens e mulheres, a intenção do legislador fora — era sabido – bem outra: conceder tal direito apenas aos primeiros. Carolina Beatriz Ângelo, que desde os tempos de estudante militava nas organizações feministas republicanas, tendo-se dedicado muito especialmente à causa do sufrágio feminino, viu nesta incongruência da lei uma oportunidade que tratou de aproveitar.
Para evitar a repetição e, quem sabe, a multiplicação de tão lamentável episódio, o novo Código Eleitoral, aprovado pela Lei de 3 de Julho de 1913, especificava com total clareza que seriam eleitores “todos os cidadãos portugueses do sexo masculino”** — explicitamente negando o voto à mulher. Ainda que fosse letrada e/ou chefe de família.
Carolina Beatriz Ângelo não viveria, contudo, para presenciar este retrocesso na causa em que tanto se empenhara: morreu, poucos meses depois, de ataque cardíaco, a 3 de Outubro de 1911. Tinha 33 anos e a sensação de “ter vivido muito em pouco tempo”***.
* Artigo 5.º do Decreto com força de Lei de 14 de Março de 1911, estabelecendo as regras a observar na eleição dos deputados à Assembleia Constituinte: “São eleitores todos os portugueses maiores de vinte e um annos á data de 1 de maio do anno corrente, residentes em território nacional, comprehendidos em qualquer das seguintes categorias: 1.º os que souberem ler e escrever; 2.º os que forem chefes de família, entendendo-se como tal aqueles que há mais de um anno, á data do primeiro dia do recenseamento, viverem em commum com qualquer ascendente, descendente, tio, irmão ou sobrinho, ou com a sua mulher, e proverem aos encargos da família.”
** Artigo 1.º da Lei n.º 3, de 3 de Julho de 1913, estabelecendo um novo Código Eleitoral: “São eleitores de cargos legislativos e administrativos todos os cidadãos portugueses do sexo masculino, maiores de 21 anos ou que completem essa idade até o termo das operações de recenseamento, que estejam no pleno gôzo dos seus direitos civis e políticos, saibam ler e escrever português e residam no território da República Portuguesa.”
*** Carta a Ana de Castro Osório, Julho de 1911.
Agora que as minhas férias estão a acabar, suspeito que estou em numerosa companhia quando o digo com um acanhado suspiro de alívio. Que milhões de cidadãos se estendam na areia debaixo de um sol inclemente, a frigir durante horas para terem sensações de queimadura apesar de borrados com unguentos pegajosos, desafia o entendimento; e que para isso façam longas viagens de automóvel no meio de um movimento infernal, parando em áreas de serviço onde ele é reles e os preços anormais; ou, pior, que se sujeitem a ser tratados como gado em aeroportos para chegar a um destino onde se come lixo exótico nos intervalos do estorricanço - só se explica como um ecuménico delírio colectivo.
Há, é claro, outras férias: ir ver monumentos célebres, países distantes, museus famosos. A prova de que tais destinos não se recomendam é que estão inçados de turistas. E eles tiram, furiosamente, fotografias. E como todo o lugar que vale a pena está abundante e superiormente documentado, o papel das fotografias é o de um certificado: estive lá, vi isto e aquilo, ai que bom que foi. Toma lá visitante, que nas noites de Inverno vou-te atazanar a paciência com o álbum e, pior, o filme das últimas férias em Bali.
Mesmo o cidadão pacato que tome as suas disposições para se pôr ao abrigo das contrariedades, fugindo do circuito normal, indo para sítios onde os turistas não enxameiam, tomando precauções quanto às instalações e passadio no destino, descobre que outros tiveram a mesma ideia; e o restaurante justamente conhecido pela sua qualidade tem, mesmo que a mantenha, o que não é certo, mesas esgotadas a horas decentes; além do que a minoria dos maduros a querer férias civilizadas é demasiado numerosa, por causa da concentração nos três meses de Verão.
Os trabalhadores conquistaram o direito a férias. Óptimo. Falta ainda que conquistem o direito a ter férias quando os outros trabalham. Como isso se fará, ignoro; que já não faço pouco em saber o que não convém.
Blogs
Adeptos da Concorrência Imperfeita
Com jornalismo assim, quem precisa de censura?
DêDêTê (Desconfia dele também...)
Momentos económicos... e não só
O MacGuffin (aka Contra a Corrente)
Os Três Dês do Acordo Ortográfico
Leituras
Ambrose Evans-Pritchard (The Telegraph)
Rodrigo Gurgel (até 4 Fev. 2015)
Jornais