Sexta-feira, 30 de Março de 2018

Meter o nariz onde não se é chamado ou, o dinheiro não é do Estado, é deles.

A genética dotou-nos de uma tendência irresistível para metermos o nariz onde não somos chamados.

Desde tempos imemoriais que opinamos, à saída da igreja ou à mesa do café, sobre as mini-saias da paroquiana recém-separada, seja por maus motivos, a galdéria ao mostrar-se assim quer desencaminhar os maridos das outras, ou por bons, até que as pernas dela não são nada feias e a mini-saia fica-lhe bem, e todos sentimos a legitimidade e mesmo o dever de manifestar uma opinião, de tomar uma posição sobre o comprimento das saias que ela usa, de prescrever o que devia usar.

Com as redes sociais o alcance da nossa intervenção cívica tornou-se planetário, e passámos a discutir a cama, além da mesa, de presidentes e reis e a ditar-lhes as regras de conduta que lhes exigimos, na cama como à mesa.

Vem isto a propósito da comoção nacional que está a causar o caso do GPS, um grupo económico formado por um antigo deputado socialista para construir uma rede de colégios privados que conseguiu celebrar com o Ministério da Educação durante o mandato de um governo social-democrata e centrista vários contratos de associação para disponibilizar turmas à rede pública e, descobriu-se há anos em investigação jornalística e agora chegou finalmente à justiça, usou o dinheiro do Estado para proporcionar aos seus gestores hábitos de consumo somptuoso como carros de luxo, cruzeiros, passagens de ano, refeições e estadias em hotéis, bilhetes para o Mundial de Futebol, telemóveis, vinhos, cortinados e utensílios e mobiliário para casa, e até uma refeição para três pessoas onde foram consumidas trinta e seis garrafas de vinho. Para resumir sem entrar em detalhes.

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Um cabaz deste calibre de apetecíveis regalias proporcionadas pelo dinheiro do Estado, o nosso dinheiro, não poderia escapar à reprovação dos paroquianos à saída da missa, e depois à análise crítica à mesa do café.

Só que as comoções colectivas raramente acertam no alvo.

O dinheiro do Estado pago aos colégios com contratos de associação não é um subsídio, que obriga o subsidiado a cumprir uma série de requisitos legais para ser elegível para o receber. É o pagamento de um serviço, sendo o serviço a disponibilização por um preço fixado por lei de um determinado número de turmas de alunos da rede pública que as frequentam gratuitamente como se fossem escolas da rede pública.

Onde é que nós, enquanto cidadãos, temos uma palavra a dizer sobre este caso?

Temos uma palavra a dizer sobre a legalidade da celebração dos contratos. Temas como se os colégios do grupo reuniam os requisitos legais definidos para celebrar os contratos, ou se foram beneficiados na celebração por alguma discriminação por terem sido preferidos a outros colégios que nas mesmas condições tenham sido preteridos. Questões que certamente a justiça esclarecerá, mas que não têm a ver com a opulência que nos escandaliza.

Temos uma palavra a dizer sobre o cumprimento dos contratos. Temas como se as turmas contratadas abriram e funcionaram mesmo, se a qualidade do ensino prestado foi a exigida contratualmente, se os serviços pagos foram integralmente prestados. Questões que certamente a justiça esclarecerá, mas que não têm a ver com a opulência que nos escandaliza.

Mas não temos nenhuma palavra a dizer sobre o modo opulento como, uma vez prestado o serviço e recebido o pagamento, os gestores do grupo o gastam. O meu oftalmologista tem um Porsche 911 Turbo 4 de matrícula recente. E a senhora que durante mais de trinta anos fez a limpeza da escada aqui no prédio vinha de Audi A3 1.9 Tdi, e a que a veio substituir vem de Smart For Two. E o que é que eu tenho a ver com isso? Não tenho nada! Prestam-me os serviços que lhes encomendo nos termos que acordámos e ao preço que acordámos, eu pago-lhes, e a partir do momento em que lhes pago o dinheiro deixou de ser meu e passou a ser deles e têm toda a legitimidade para o gastarem como entendem. Qualquer interesse adicional meu pelo modo como eles o gastam é calhandrice.

Se os gestores du grupo GPS se apropriaram para benefício pessoal ou de familiares ou amigos de património das empresas que gerem, e neste caso apropriaram-se para além de qualquer dúvida razoável, cometeram actos de gestão danosa que prejudicaram, não a nós que estamos sentados à mesa do café a escandalizarmo-nos com a chico-espertice deles, mas às empresas do grupo e aos seus accionistas, que parecem não ter grandes queixas dos gestores até por serem os mesmos. Os prejuízos que causaram a essas empresas e aos seus accionistas serão certamente esclarecidos pela justiça, mas não são eles que nos indignam.

Se  beneficiaram de regalias atribuídas pelas empresas sem o benefício ter sido tributado nos termos da lei, e neste caso beneficiaram para além de qualquer dúvida razoável, é assunto para ocupar o fisco, mas a que eu pessoalmente não me sinto em condições de superioridade moral para atirar a primeira pedra por, durante muitos anos, além de ter beneficiado da atribuição de carros da empresa para uso pessoal, os ter adquirido no fim do período de atribuição a preços substancialmente inferiores aos preços que eles valiam sem este benefício me ter sido tributado até ao século XXI. Os prejuízos que causaram ao fisco, e portanto a nós, que o fisco não é gente nem tem prejuízos, ao beneficiarem de rendimentos em espécie sem os declarar serão certamente esclarecidos pela justiça, mas também não são eles que nos indignam.

O que nos indigna é a má utilização que fizeram de dinheiro do Estado.

Ora o dinheiro que gastaram não era do Estado, a menos que as duas primeiras questões que levantei sobre a legalidade e o cumprimentos dos contratos tenham respostas negativas, o que não há informação pública que indicie, quanto mais sustente, pelo que a expressão da nossa indignação nos pode aliviar do sentimento de indignação mas não tem justificação. Aquilo com que nos indignamos não é da nossa conta.

 

Resta que temos uma palavra a dizer sobre a ética e o bom senso dos governantes que aceitam lugares em entidades que tutelaram, nomeadamente relativamente às quais participaram na tomada de decisões. A mera aceitação faz deles presumíveis culpados a quem passa a caber o ónus da prova de que as decisões que tomaram foram legais e que a oferta de trabalho posterior resultou numa prestação de trabalho efectivo pago a preços razoáveis no mercado de trabalho e não foi uma recompensa pelas decisões que tinham tomado. Pelo que se têm ética não têm bom senso, e se tem bom senso não têm ética.

Resta outra, que este caso vai ser usado pelos detractores do Estado Social, que coloca à disposição dos cidadãos serviços essenciais independentemente da capacidade económica deles, os que o confundem com Estado Socialista, que produz obrigatoriamente os serviços que coloca à disposição dos cidadãos, independentemente de os produzir com mais eficiência e menos fardo para a economia e os contribuintes, ou com menos eficiência e com custos mais elevados para os contribuintes e menos sustentabilidade económica a prazo do que se fossem prestados por prestadores privados, que o vão usar como uma ilustração pretensamente significativa das burlas dos privados com o dinheiro do Estado que sustenta que o Estado não deve recorrer a prestadores de serviços de privados. Nem é significativa, nem é dinheiro do Estado, nem recomenda, mas é disto que o populismo vigente se vai alimentar nos próximos tempos. E se formos atrás dele somos nós que nos vamos acabar por lixar e, como sempre, só nos aperceberemos disso quando for tarde para o evitar.

Quando a cabeça não tem juízo a perna é que as vai pagar.

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 19:45
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Sábado, 1 de Julho de 2017

Como somos menos pobres chumbamos menos, ou por chumbarmos menos vamos ser mais ricos, tanto faz. O que interessa é sermos felizes.

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Em 16 anos, nunca nenhum jornal foi tão encomiástico com um governo como o Público é com o actual.

Para dizer a verdade, em muitos mais. Se calhar, só recuando ao Diário de Notícias dirigido pelo José Saramago se consegue encontrar um jornal tão militantemente encomiástico de um governo. E, para conseguir o que se conseguiu do Diário de Notícias de 1975, foi preciso recorrer à força bruta, aos despedimentos decididos em plenário, sem processo disciplinar, nem indemnização, nem fundo de desemprego, que a praxis laboral quando o PCP governa é de uma têmpera mais rija do que a dos moles dos capitalistas. E se não resultasse mandavam-se-lhe umas Chaimites para mostrar quem mandava. E o governo da altura até era dirigido por um brilhante primeiro-ministro, o companheiro Vasco da muralha de aço. Agora, basta ao primeiro ministro existir e fazer olhinhos às bloquistas, por quem os jornalistas se perdem de ternura, para ter jornais que o carregam num andor, sem necessidade de violência nem ameaças. Enfim, com só algumas ameaças. Uma época que fez escola.

Esta pérola que o Público, à falta dos saquinhos com brindes dos jornais do tio Balsemão, que também dispensam um amor incondicional ao António Costa, não devemos cometer a injustiça de o esquecer, nos oferece para embelezar o nosso fim-de-semana informa o povo num dos seus típicos quadrinhos com uma notícia principal e uma série de títulos que dirigem os leitores mais lentos de compreensão para a interpretação correcta da notícia, que uma figura vale mais do que mil palavras de ordem, que em Portugal nunca se chumbou tão pouco, não cuidando de explicar se é por aumento da qualidade do ensino ou por redução da exigência, o que não interessa para nada porque o objectivo do ensino no Tempo Novo socialista não é que os meninos fiquem a saber alguma coisa, até já criaram uma Matemática pós-Moderna que substitui com vantagem as Matemáticas Moderna e Clássica por dispensar os parêntesis nas expressões algébricas, nem se distingam uns dos outros pelo mérito que pode desarranjar a estratificação social que levam à partida, mas que sejam devolvidos às famílias felizes e sem retenções ao fim dos seus percursos escolares, e da relação entre chumbos e pobreza, sem explicar qual é a causa e qual a consequência, mas identificando uma vantagem importante em não haver chumbos: os meninos estão menos tempo no sistema de ensino, custam menos, e torna-se mais fácil atingir deficits ambiciosos que deleitam os socialistas e as bloquistas quando são elogiados pelo austero professor Wolfgang Schäuble. Também pouco importa.

No mundo côr-de-rosa "Acção Socialista" do Público, ou os portugueses estão a chumbar menos por serem menos pobres, ou vão enriquecer por terem menos chumbos.

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 10:19
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Domingo, 19 de Fevereiro de 2017

No ensino, quem tem dinheiro toca viola

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Em equipa que ganha, reverte-se.

Agora que atingimos uma boa posição nos rankings dos testes PISA de Ciências, Português e Matemática, urgia alterar os curricula do ensino antes que os filhos da populaça conseguissem chegar a entrar em competição directa com os meninos do Moderno, da Alemã ou da Saint Julian's no acesso às melhores universidades.

Os delegados da Fenprof no governo já estão a tratar do assunto, revertendo a reforma Crato de modo a reduzir as aulas de Português e de Matemática e substitui-las por aulas do ciências sociais onde adquiram as competências realmente importantes para eles, que não são as mesmas que são importantes para os meninos que os governantes metem nas escolas privadas, de forma a repor a hierarquia ameaçada.

No ensino, quem tem dinheiro toca viola.

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 18:36
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Terça-feira, 27 de Dezembro de 2016

...Como se fosse a uma feira de gado

O primeiro ministro António Costa regressou a uma escola pública.

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Não para lá levar ou trazer os meninos, que, os meninos dele, pô-los num colégio privado, era só o que faltava andarem na escola pública misturados com os filhos dos pobres? Nem para reaprender a juntar as sílabas, que burro velho não aprende línguas e o Português dele é um caso perdido. Nem em missão inchussonal que, entre feriados e tolerâncias de ponto, não é tempo delas.

Foi lá por a escola dar um bom cenário para mais uma acção de populismo, desta vez a sua mensagem de Natal. Como se fosse a uma feira de gado.

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Post scriptum.

A reputação que eventualmente restasse à IURD como igreja foi devastada pela divulgação há anos atrás da gravação de uma conversa privada sobre dinheiro entre dirigentes que ignoravam que estavam a ser gravados. Menos entre os fanáticos da seita. A divulgação de conversas privadas entre os delinquentes que nos governam pode assassinar igualmente a reputação da democracia, se os ouvintes partirem do princípio, que é falso, mas a alguns pode parecer plausível, de os outros políticos serem tão ordinários como os membros deste bando. Menos entre os fanáticos do bando. Pelo que a comunicação social se devia abster de as divulgar.

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 13:08
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Quinta-feira, 22 de Dezembro de 2016

O Dono Disto Tudo V2.0

mw-960-a.jpgnotícias que não contêm novidade nenhuma.

É do domínio público que, para o governo e a maioria de esquerda que o sustenta, há cidadãos de primeira, que é indecente serem sujeitos a situações de precariedade laboral ou, noutro domínio, perderem as suas poupanças em investimentos financeiros, e cidadãos de segunda, que merecem é ir para o desemprego ou, noutro domínio, ninguém manda serem gananciosos e fazerem investimentos especulativos com o lucro na mira. Os funcionários públicos são cidadãos de primeira, assim como os investidores no BES, e os trabalhadores do sector privado que vão morrer longe da vista para não atrapalharem os primeiros na sua justa conquista de emprego para a vida, e podem levar com eles os especuladores no BPP.

Também é do domínio público que, nalguns sectores, e a Educação é aquele em que é mais evidente, o governo é tutelado pelos sindicatos sectoriais, o preço político pago pelo António Costa ao Partido Comunista Português para, sem empatia com ele nem com a ala esquerda do Partido Socialista que emergiu com a sua liderança e que dedica toda a empatia ao Bloco de Esquerda, lhe salvar a pele depois da derrota eleitoral que sofreu depois de ter prometido ao partido vitórias ainda mais claras que as do antecessor que ele conspirou para deitar borda fora. E que, neste sector, nem o ministro nem a secretária de estado estão autorizados a dar informações, quanto mais publicar legislação, que contrariem a tutela da Fenprof.

Talvez os governantes tenham sido induzidos em erro pelo anúncio feito pela Fenprof em Maio, depois de ter sido acusada de trair os seus associados professores em colégios privados com contrato de associação que viram o número de turmas drasticamente reduzido e se viram forçados a despedir professores e funcionários, de que lhes prestaria apoio jurídico se fossem despedidos ilegalmente? Como se essa promessa contivesse sinais de empatia com o drama desses professores do sector privado, e não apenas a intenção de os enganar fazendo chicana jurídica com os colégios que se viram forçados a despedi-los com justa causa por extinção de postos de trabalho e, portanto, sem qualquer hipótese de lhes reverter os despedimentos?

A verdade é que tanto o ministro, como a secretária de estado, afirmaram que iriam manter a possibilidade de vinculação aos quadros da função pública dos professores despedidos pelos colégios privados que perderam turmas que mantinham ao abrigo de contratos de associação, em igualdade de circunstâncias, ou de prioridade, com os professores contratados da rede pública, atribuindo aos professores dos colégios privados, cidadãos de segunda, um estatuto de cidadania que não têm, e permitindo-lhes mesmo competir pelos lugares escassos disponíveis com cidadãos de primeira, os professores da rede pública, que também concorrem a eles. Como se a igualdade tivesse de repente chegado à função pública!

Extravasaram as suas competências ao anunciá-lo sem primeiro o validar com a tutela, e levaram um discreto mas eficaz puxão de orelhas, tendo sido obrigados a alterar o diploma no sentido que nega o que tinham anunciado publicamente mas é exigido pela tutela, revogando essa possibilidade. Nos concursos, os professores oriundos dos colégios privados terão uma prioridade inferior à dos professores contratados da rede pública, o que significa que só serão colocados se houver mais vagas do que candidatos contratados da rede pública, que não há, o que significa que se foram despedidos ficarão no desemprego.

Se fossem governantes num país normal, numa democracia do tipo ocidental, a desautorização pela tutela de decisões que já tinham anunciado publicamente seriam motivo suficiente para apresentarem a sua demissão. Como não são, mas apenas ajudantes de sindicalistas, baixam as orelhas, obedecem e ficam.

A notícia não tinha, como se viu, novidade nenhuma.

Mais uma grande vitória do sindicalista Mário Nogueira, que não dá aulas há décadas, sobre professores que as dão.

 

* O cartaz que ilustra esta publicação foi alvo de uma queixa judicial por parte da Fenprof. Comunista censor durante o PREC, comunista censor por toda a vida.

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 12:03
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Domingo, 18 de Dezembro de 2016

A escola pública é boa para os filhos dos outros

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Como bom socialista que é, o primeiro ministro António Costa não aprecia o ranking, alérgico, como toda a família política socialista, à Matemática e, de uma maneira geral, a tudo o que possa quantificar objectivamente qualquer fenómeno e desse modo desafie a visão correcta e desejável que a retórica consegue construir a partir dele.

Até porque o ranking cria uma visão deturpada do sistema educativo, ao colocar malevolamente as escolas privadas, essa peste que desvia alunos e meios da escola pública, e por cuja erradicação o governo tem travado uma cruzada sem tréguas desde que iniciou funções, no topo das classificações. São as escolas cujos alunos conseguem, em média, classificações mais altas que os alunos das outras escolas nos exames que são iguais para todos.

Há factores sociológicos a contribuir para as escolas privadas tenderem a ocupar as posições cimeiras do ranking? Há. A esmagadora maioria dos alunos que as frequentam pagam propinas que só famílias economicamente desafogadas podem suportar, e, tudo o resto semelhante, é mais fácil a alunos provenientes de famílias desafogadas obterem bons resultados escolares do que a alunos que vivem em situações de carência material. De onde o preconceito de os colégios particulares serem a escola dos ricos.

A maioria, mas não todos. Os alunos da rede pública que frequentam escolas privadas com contratos de associação não pagam propinas, na mesma medida em que os alunos da rede pública que frequentam escolas públicas não as pagam. Se se quisesse utilizar o ranking para comparar a qualidade do ensino das escolas públicas e privadas eliminando o bias sociológico de que o ranking em bruto enferma, ou seja, em grupos sociologocamente comparáveis, a frequência de escolas privadas por alunos da rede pública permiti-lo-ia, tanto comparando os resultados de alunos privados e da rede pública nas mesmas escolas privadas, como os dos alunos da rede pública nessas escolas e nas escolas públicas vizinhas. Mas quantificar e comparar para avaliar objectivamente não está no ADN socialista, que privilegia as decisões ideológicas ou as que designa, por não se conseguirem justificar com base em critérios objectivos, por estratégicas.

Esta cruzada bizarra pela liquidação de escolas privadas e pelo despedimento dos seus professores e funcionários, porque uma coisa implica a outra, tem muitos adeptos, que até se dão ao trabalho de organizar e frequentar manifestações em defesa da escola pública, eufemismo para o ataque à escola privada com contrato de associação levado a cabo pelo governo, que juntam milhares de manifestantes, oitenta, segundo os organizadores da Fenprof, quinze, pela contagem da PSP.

Mas as escolas privadas com contrato de associação também têm os seus adeptos, a começar pelos pais dos alunos da rede pública que as frequentam e que, certamente por serem encarregados de educação satisfeitos com as escolas que os filhos frequentam, e conscientes da ameaça directa e imediata sobre eles e os seus filhos a que a continuidade dessa frequência está sujeita pela política do governo, também se manifestam, tendo juntado quarenta mil manifestantes segundo os organizadores da manifestação ridicularizada pelos sindicatos do sector, a esquerda e a comunicação social como a manifestação dos amarelos.

Pelo que o calculismo eleitoral que às vezes dirige a acção política dos governos, mais uns do que outros, e que dirige sempre a do actual governo, tem ganhos, mas também perdas, para computar. E a publicação regular do ranking não o ajuda, por colocar sistematicamente as escolas privadas acima das públicas, sugerindo que o ensino contra quem o governo governa pode ser de melhor qualidade do que aquele a quem o governo pretende oferecer o monopólio do ensino dos alunos da rede pública, os que não têm dinheiro para ter acesso ao privado.

Pelo que esta época do ano em que o ranking é regularmente publicado é sempre fértil em grande agitação mediática por parta da esquerda, que agora ocupa o poder, para o desacreditar.

Mas desta vez, no governo, fez ainda melhor. Andou a inventar um ranking alternativo que garantisse que as posições cimeiras eram ocupadas por escolas públicas. Muita análise de dados e muita folha de cálculo depois, lá saiu o ranking do sucesso que atinge esse objectivo e, adicionalmente, recupera a terminologia de sucesso e modernidade que era abundantemente usada pelo anterior governo socialista para insuflar o ego dos portugueses e, infelizmente, também as dívidas, numa experiência que acabou muito mal. Mas os portugueses têm memória de peixe, e as grandes ilusões do socratismo estão todas em vias de recuperação pelo governo actual sem grandes preocupações com o risco de também se vir a recuperar a desilusão a que elas conduziram impiedosamente. Nada de olhar para os juros para não contaminar a desejável euforia com ansiedade neoliberal.

Mas, mesmo com um ranking alternativo de resultados garantidos para convencer os pais e encarregados de educação que o ensino público é melhor que o privado e o governo está no bom caminho ao extinguir os contratos de associação, o António Costa não é capaz de resistir à oportunidade de dizer umas asneiras em público para desacreditar o ranking clássico e louvar o novo, sustentando que "Não se podem comparar escolas públicas e privadas".

Pedagógico, como sempre, pedindo meças na lógica aristotélica e na estatística aplicada a qualquer Américo Thomaz, explicou que "Se fizer um inquérito de rua, tem mais pessoas saudáveis do que dentro de um hospital, pela simples razão de que, dentro do hospital há mais pessoas doentes", para chegar à conclusão que "o essencial é saber quais são as escolas que permitem a qualquer criança progredir mais relativamente à bagagem que trazia de casa". Traduzido em miúdos, apesar de o ranking clássico dar uma ilusão do contrário, o ranking do sucesso mostra que o ensino público é melhor que o ensino privado.

Isto, para os filhos dos outros. Porque, fino como ele é, aos filhos dele, meteu-os no colégio privado que ocupa a 19ª posição no ranking, muito acima da escola pública mais bem classificada, que ocupa a 43ª posição. O António Costa é socialista mas não é parvo e sabe que a probabilidade de os seus filhos conseguirem vagas nas melhores e mais baratas universidades públicas depende das notas nos exames que determinam o ranking clássico e não dos factores que determinam o ranking do sucesso que ele inventou para enganar os tolos.

A escola pública é boa, mas é para os filhos dos outros.

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 21:11
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Sábado, 14 de Maio de 2016

Dicionário de Marcelo (2)

Apesar de ser uma secção praticamente confidencial deste blogue para o qual que tenho a honra de contribuir, vou continuar a traduzir Marcelo, para os que possam considerar útil a tradução.

Talvez mais por inteligência do que por educação, e certamente que não por mero formalismo institucional, o Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa nunca será ouvido a chamar asno a um político. Isso não significa que ele seja mentiroso, como alguns que gostavam de o ver apontar mais para os asnos, que os há, receiam, mas apenas que há outros instrumentos mais eficazes para erradicar a asneira da vida política portuguesa do que apontá-la e despertar nos asnos um instinto de entrincheiramento que os pode ajudar a prolongar a asneira e a justificar os seus falhanços com base em críticas e condicionamentos por terceiros.

Isto dito, vamos passar à análise propriamente dita. A frase de hoje é "Estado laico tem sido sábio ao não atacar a Igreja".

O que é que isto significa?

Significa o que parece? Facto! 

Significa que não há "menos sábios" no Estado laico, que se proponham atacar a igreja? Não está no texto. 

O que isto significa é mesmo que há "menos sábios", no Estado como na sociedade, a promover causas como o ataque aos colégios com contratos de associação, em que atacar a igreja é, se não o principal objectivo declarado, um dos objectivos bem evidentes. E o presidente, continuando a não apontar para eles, não deixou de dizer, outra vez, e desta vez com menos ambiguidade do que tem sido seu hábito, que sabe bem quem eles são e onde eles estão.

Como seria de esperar de um camaleão supremo, cujo princípio mais ético é conduzir com um olho no boletim de voto e outro no eleitor, e cinquenta mil alunos são, à razão de dois progenitores por aluno, cem mil eleitores, o primeiro ministro correu a acalmar os ânimos que as exaltações anti-clericais dos seus asnos inquietaram. Enquanto aquela gente tiver direito de voto, não se lhe vão tirar os meninos do colégio.

 

PS: Esta semana, o presidente ainda disse outra frase.

"De quando em vez ouve-se uma ou outra voz na sociedade portuguesa, um pouco estranha, quase aberrante, a dizer: não é bom haver trabalho voluntário, deve haver prioridade ao trabalho pago ... a disponibilidade para os outros rejuvenesce e é a única forma de verdadeira realização pessoal".

Esta não tem ambiguidade nenhuma. O presidente anda, ou a perder o treino, ou a paciência.

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 01:13
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Terça-feira, 10 de Maio de 2016

Equívocos

Ele tem as filhas numa escola privada mas, "se houvesse na minha zona de residência uma boa escola primária pública era lá que elas estavam".

 

Diz isto como quem faz uma original declaração de princípio mas coisa diferente não dirão os pais de todos os alunos que optaram pelo privado - só um imbecil é que opta por um bem mais caro quando tem outro igual mas mais barato à disposição.

 

Claro que o público não é na realidade mais barato - apenas quem paga são os pais todos, via impostos, quer tenham quer não tenham filhos em idade escolar, ou mesmo não tendo tido filhos, e não apenas ou sobretudo os pais dos utilizadores. E este é o primeiro equívoco - o de que o ensino em estabelecimentos privados é mais caro: só o é porque quem por ele opta paga duas vezes, como utilizador e como contribuinte. O que se sabe, contas bem feitas (isto é, incluindo todos os custos do Ministério da Educação e não apenas salários ou despesas arbitrariamente seleccionadas) é que o ensino privado é substancialmente mais barato.

 

Que o ensino seja público está muito bem: a educação básica é um bem público porque uma sociedade de cidadãos requer que se saiba ler, escrever, ter rudimentos de inglês, contar e raciocinar, que se conheça o mundo físico que nos rodeia e se tenha algum conhecimento de História e Geografia - tudo coisas que a escolaridade obrigatória, aliás, não garante, mas deveria garantir se a qualidade pedagógica fosse outra.

 

Mas há aqui um segundo equívoco, que é o de que ensino público e propriedade pública do estabelecimento são uma e a mesma coisa. Aos sindicatos, aos políticos, aos professores com vínculo, convém esta confusão, porque o poder dos sindicatos fica estilhaçado se os estabelecimentos tiverem múltiplos patrões e puderem, ao contrário do Estado, falir; aos políticos o poder fica cerceado se não puderem fixar quadros de pessoal, nomear direcções, decidir obras, contratar boys para lugares de direcção de um imenso aparelho burocrático; e aos professores convém uma autoridade distante, não um patrão cheio de idiossincrasias, das quais a mais saliente será normalmente a de querer agradar a quem lhe paga, que são os pais dos alunos.

 

Dois equívocos já são uma boa conta, mas há mais: diz-se, e é em muitos casos verdade, que os pais, na realidade, querem que os filhos passem de ano - a qualidade consiste na passagem em si, não no que os meninos sabem ou deixem de saber. Donde, a garantia da qualidade não é o que motiva o recurso ao ensino privado, que só a independência do estabelecimento público assegura. Mas os estabelecimentos privados figuram bem - melhor, geralmente - do que os públicos nos rankings, donde o argumento não convence.

 

Acrescenta-se que os estabelecimentos privados seleccionam os alunos, descartando os lerdos, ou troublemakers, porque fariam baixar as médias. Casos? Inspecções que detectem, e punam, a segregação? Bem, não há - cada qual diz o que quer.

 

E que os meninos que podem pagar o colégio são oriundos de meios socioeconómicos mais desafogados, pelo que têm acesso a bens culturais em casa que os avantajam. Será. Mas é preciso confiar na ganância do privado: se houvesse muito mais alunos que pudessem pagar podemos estar certo de que seriam acolhidos - nunca se viu um mercado que exista mas não surjam fornecedores para o satisfazer, se o puderem fazer com ganho.

 

Insinua-se ainda que a verdadeira razão pela qual se expandiram os casos de contratos de associação tinha mais a ver com gordas sinecuras para gente do PSD e do PS, proprietários de colégios, e menos com as carências do aparelho escolar aqui ou ali. Não duvido que haverá situações: podemos ter a certeza, quando visitamos uma casa e vemos um rato, que aquela casa não tem um rato mas ratos; e que quando haja dinheiros públicos associados a decisões discricionárias a corrupção aparece - o que vemos é sempre menos do que o que existe. Mas a pedra de toque da corrupção é o Poder combinado com a discricionariedade - o Estado, quase sempre. E não se pode combater a corrupção com mais Estado - ou acaso os milhões absurdos do Parque Escolar são uma história inocente?

 

Resta que a solução para este imbróglio já foi inventada e é o cheque-ensino. Mas não vai ver a luz do dia, entre muitas razões, por duas principais:

 

Uma é o medo. O medo de que as nossas criancinhas não sejam formatadas na laicidade mas numa catequização qualquer: católica antes de mais, de outras denominações também no futuro. É um medo razoável: com graus diferentes de intensidade, todas as igrejas querem, e é natural que queiram, que os comportamentos, e as leis civis e penais, traduzam a sua visão do mundo. Para quem, como eu, entende que a separação entre Igreja e Estado é um avanço civilizacional e que as convicções religiosas são do foro familiar e íntimo, não são matéria que deva ter uma relevância indevida no sistema público de ensino, a entrega acéfala a quem está equipado com os meios e a vontade para regressar a uma escola retrógrada só poderia fazer-se com cuidados acrescidos - que são conhecidos e viáveis. A tolerância é algo que se aprende, pratica e foi imposto, onde foi, às igrejas - não é algo que estas tenham imposto a si próprias, mesmo que tenham evoluído, como evoluíram, muito (nem todas: o Islão, por razões que não cabem aqui, é ainda medieval).

 

A outra é ideológica: a Esquerda, com excepção dos fósseis do PCP e dos seus primos que se imaginam modernos do BE, já aprendeu que a propriedade colectiva dos meios de produção não garante senão a miséria; mas ainda não percebeu que alguns bens que o Iluminismo criou, como a escola pública, ou outros que o Estado Social inventou, como a Saúde, são mais bem assegurados por concessão a privados do que por propriedade pública.

 

Como se vai resolver, então, o diferendo com os colégios a que o governo quer cortar as asas do financiamento?

 

Vai resolver-se da forma que hoje se resolvem em Portugal todos os problemas: com uma avaliação da relação de forças e, se necessário, com uma mistura de promessas e cedências. A Europa, desta vez, não está, como esteve no Orçamento e continua na sua execução, envolvida. Quem está é o PCP, representado pela FENPROF e o seu funcionário destacado para as funções de ministro da Educação; os professores prejudicados e os sócios socialistas de colégios; os pais aflitos; e o impacto que a barulheira possa ter na opinião pública, na medida em que seja possível calcular se se perdem ou ganham votos.

 

Costa fará o cálculo e a escolha. Porque o interesse público hoje é isto: é de interesse público tudo o que contribua para a sobrevivência da untuosa barrica ambiciosa que com a sua clique raptou o Poder; e não é tudo o que o prejudique no seu equilibrismo. A comunicação social e os politólogos chamam a isto, com discernimento, habilidade política.

 

E o jornalista que, contrariado, botou as suas meninas num colégio, como é que fica? Ele próprio diz: "É por ideologia que defendo a escola pública. Na verdade, eu é que não tenho verdadeira liberdade de escolha. Se tivesse, escolhia a escola pública. É por isso que o que faz falta é aumentar o investimento, para que toda a escola pública seja boa".

 

Ao fim de três bancarrotas; dos incontáveis milhões que nos entraram pela porta desde 1986, para nos modernizarmos; apesar de uma dívida que nunca, em momento algum da nossa história, foi tão alta, e não cessa de crescer; quando o contribuinte sufoca, exangue, ao peso de uma carga, e de abusos, demenciais: ainda há quem defenda mais investimento público.

 

Aos comunistas perdoo - quanto pior melhor, acham eles, e acharia eu se fosse comunista. Aos outros tenho dificuldade, sobretudo quando se trate de pessoas que circulem no espaço público pregando o evangelho - do disparate.

publicado por José Meireles Graça às 11:57
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Segunda-feira, 2 de Maio de 2016

Uma certa visão elitista e socialista do estado social."Se querem colégios particulares, paguem-nos"

"Se querem colégios particulares, paguem-nos" é uma frase tão elitista e sociopata como "Se querem bifes, paguem-nos".

Curiosamente, anda hoje em dia na boca de muitos que, em plena crise social causada pela bancarrota do governo socialista anterior, se exaltaram e trataram como genocida uma anti-Maria Antonieta que, à época, sugeriu "se não têm dinheiro para comer bifes, comam frango". Percebe-se porquê. Para quem aspira a uma hecatombe social que acenda o rastilho de uma revolução, uma frase como "se não têm pão, comam brioche" faz maravilhas a incitar o ódio ao estabelecimento, mas uma alternativa à fome acessível a quem não tem dinheiro para comer bifes aborta a sonhada revolução antes de ela nascer. Sem gente a morrer de fome, não há pachorra para revoluções.

A frase podia ter uma formulação infeliz, mas uma fundamentação económica. O dinheiro dos contribuintes é finito, se bem que, com os socialistas a gerir, bastante elástico, e se saísse mais caro ao estado social pagar o ensino em colégios particulares do que em estabelecimentos oficiais, seria um desperdício de recursos preciosos para acudir a outras necessidades, nem que fosse a de reduzir os impostos para estimular a actividade económica. Mas o assunto já foi alvo de múltiplos estudos, que estão longe de ser conclusivos. Não está provado que pagar a um colégio para abrir uma turma seja mais caro que abrir essa turma numa escola oficial, mesmo que seja a poucos metros do colégio, nem o seu contrário. Se essa possibilidade é negada aos pais dos alunos não é por motivos económicos, ou economicistas, como gostam de dizer os zelotas do estado social.

O que parece ir-se provando é que, quando têm possibilidade de escolha apesar de não terem dinheiro para a sustentar pessoalmente, quando o estado social lhes oferece essa possibilidade, muitos pais preferem pôr os filhos a estudar em colégios particulares a pô-los na escola oficial da área de residência.

Mas se os beneficiários do estado social preferem, e não sai fundamentalmente mais caro aos contribuintes, porquê a guerra aberta, declarada por todos, desde a esquerda radical ao socialismo chamado "democrático" instalado no governo, aos contratos de associação? Por motivos ideológicos, como está na moda explicar agora.

Uma das hipóteses para a explicar é o ódio genético do socialismo à liberdade de escolha, ou à liberdade genericamente, e a confusão entre a construção de um estado social, que oferece a todos os cidadãos, independentemente da sua capacidade económica, um conjunto essencial de direitos que, de outro modo, só seriam acessíveis aos que têm capacidade económica, e a construção de um estado socialista, em que todos os aspectos da vida devem ser determinados pelo estado e pelos burocratas que o controlam, e que qualquer liberdade de escolha ou iniciativa privada pode abalar.

Outra, é a preservação da estratificação social existente, reservando aos que têm dinheiro a escolha das melhores escolas negada aos que não têm, de modo a que os filhos de família que frequentam os colégios caros que ajudam a fabricar médias não se vejam ultrapassados no acesso a Medicina por filhos do povo que, além de serem mais inteligentes e diligentes que eles, também tenham sido educados em escolas que os preparam para os exames. Esta é detectável nos defensores do estado social exclusivamente público que, tendo capacidade económica para o fazer, recorrem aos colégios privados para os seus filhos.

Outra ainda, com que não vale a pena perder muito tempo, é um reflexo condicionado derivado da estupidez de presumir que colégios privados são privilégio de ricos, pelo que os contratos de associação servem apenas para financiar aos ricos a educação dos seus filhos que eles próprios podiam pagar.

Frases como "Se querem colégios particulares, paguem-nos" revelam mais da sociopatia da segunda hipótese ou da estupidez da terceira que do fundamentalismo ideológico da primeira. Mas todas são inimigas da liberdade, do progresso e "das pessoas".

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 10:48
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Segunda-feira, 14 de Abril de 2014

Dubito ergo cogito

Durão Barroso distinguiu-se, na União Europeia, por flutuar. Agora que quer regressar à casa paterna está a agitar as águas. E, é claro, caíram-lhe em cima com a comparação entre os números de agora e os de há cinquenta anos, como se o regime anterior, se não tivesse caído, ficasse parado nos níveis de 1974, não registando qualquer progresso de então para cá. Uma evidente falácia argumentativa, no ensino e no resto, mas que tem livre curso.

 

Invejo as pessoas que, sobre Educação, têm ideias claras. Porque eu, ruborescido, confesso que tenho demasiadas perguntas sem resposta satisfatória:

 

1. Por que razão os defensores exaltados da escola pública não advogam a liberdade de os pais escolherem o estabelecimento onde querem colocar os filhos, obrigando os mais expeditos (ou desonestos, ou preocupados, é como se queira) a falsificarem atestados de residência, ou indicarem encarregados de educação residentes nos sítios "certos"?

 

2. Por que razão, sempre que se comparam enunciados de exame antigos de Português (como aqui), ou Matemática, ou História, ou Geografia, em níveis iguais de escolaridade, com os correspondentes actuais, se percebe que os nossos (e os dos outros - a importação de modas e ideias faz com que cometamos os mesmos erros, apenas com algum atraso) ricos meninos, sabendo embora muitas coisas que dantes se não sabia, ficam a perder na comparação?

 

3. Por que razão há tanto, mas tanto, adolescente incapaz de traduzir ideias por escrito, ou de as compreender, e tanto licenciado que ou se refugia num palavreado hermético e pretensioso, nos melhores casos, ou tem uma relação conflituosa com a sintaxe, em particular concordâncias, e isto mesmo em áreas, como o Direito ou Jornalismo, em que o domínio da língua deveria ser uma condição sine qua non para a obtenção do grau?

 

4. Por que razão se acreditou que a multiplicação de cursos e universidades iria originar, num mercado pequeno como o nosso, uma hierarquização delas que tivesse tradução na conquista de empregos, desde logo na Função Pública, e na diferenciação de remunerações para licenciaturas obtidas em estabelecimentos diferentes? E que a proliferação de licenciados geraria a sua própria ocupação? Ou, se não eram esses os resultados pretendidos, quais eram?

 

Perguntas destas tenho um saco cheio. A resposta seguinte não é minha, e tem implícita uma outra pergunta, que formularia assim: queremos que toda a gente tenha no mínimo uma formação a nível do secundário completo ou admitimos que nem isso é acessível a uma parte da população estudantil?

 

"A escola democrática tem que ser exigente e inclusiva. Se for só inclusiva é um centro de ocupação dos tempos livres, se for só exigente é uma escola elitista. Se estivermos dispostos, através da exigência dos exames e da selecção social, a reduzirmos os actuais alunos do ensino secundário aos 13 116 que existiam em 1961, poderemos ser tão exigentes com esses quanto quisermos. Ser exigente, excluindo, é fácil".

 

Eu acho que não precisamos de estatísticas baseadas no número de aprovados neste e naquele grau, se as pudermos manipular baixando o nível de exigência; que as comparações feitas nesses termos são intelectualmente desonestas; que ser exigente não implica reduções brutais de educandos, mas implica alguma redução; e que o País precisa de técnicos, que não há, mas não de resmas de moços imaginando que os diplomas secundários que angariaram sem esforço lhes dão direito a terem formação superior assente em alicerces duvidosos e ela própria baseada nos mesmos facilitismos que lhes permitiram lá chegar.

 

E quanto ao elitismo? Se partirmos do princípio que as proporções de génios e inteligentes, idiotas e medíocres, trabalhadores e preguiçosos, são hoje as mesmas que sempre foram, então a massificação do ensino tem algo a seu favor: sempre a partir de uma base maior haverá melhores resultados do que de uma base pequena, por nesta os late bloomers ficarem pelo caminho. Mas nisto, como no mais, os recursos públicos têm que ser rateados. E, a ter que haver escolhas, que sejam as escolhas dos melhores, mesmo que depois estes venham muitas vezes a descobrir que, do ponto de vista do sucesso material, foram ultrapassados por alguns daqueles que já estavam a fundar as suas carreiras enquanto eles continuavam nas suas bibliotecas ou laboratórios - mundo complicado, este.

 

E aqui está como, não tendo respondido às perguntas que fiz, acabei por responder a algumas que não fiz.

publicado por José Meireles Graça às 18:01
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