Nasci no terceiro mundo quando a vida portuguesa ainda era de primeiro. Vivi numa república socialista-científica e fui pioneiro comunista, marchando com uma espingarda de pau, aos onze anos. Joguei futebol com meninos negros amputados no mato que nada tinham que não fosse um sorriso. Comi as omeletes com tomate nas cubatas das avós dos meus colegas de escola que moravam nos musseques de Luanda. Aos doze, tinha três bicicletas diferentes com as quais partia a cabeça e esfolava os joelhos em plena liberdade por toda a cidade. Aos treze anos, cinco depois da independência, cheguei a Portugal e conheci um país diferente do que tinha imaginado, embora as férias anuais sempre aí fossem passadas. Aí vivi até aos vinte e oito, no tal país diferente do que foi imaginado, até ter de ir ver se a saudade de Angola era verdade ou sonho. Depois de quatro anos, voltei ao cantinho. Era sonho.
Aos quarenta e três por força do futuro dos filhos, emigrei para esta Itália que nos recebeu bem. Aqui estamos e daqui vemos passar Portugal. Nunca tive tanta vontade de viver em Portugal como quando vivo fora. Nunca tive tanta vontade de viver fora como quando vivo dentro.
O melhor presente que tive na vida? A caneta Parker usada de tinta permanente que o avô materno ofereceu aos 11 anos.
A coisa mais divertida e determinante que me sucedeu? Uma sogra italiana.
A maior preocupação? Como se faz para tirar o Cro-Magnon de dentro do Sapiens?
A maior alegria quotidiana? Preparar o jantar de família enquanto o vinho tinto aquece o copo.
Cantávamos:
"Eu vou, eu vou, morrer em Angola
Com armas, com armas, de guerra na mão
Enterro,enterro, será na patrulha,
Granada, granada será meu caixão
Eu vou, eu vou, morrer em Angola..."
Angola é o meu país, Portugal a minha nação. Pelo meu país tenho vontade de fazer pouco. Pela nação, tanto.
É em Edimburgo. Instalado numa casa construída em 1622, conhecida como Lady Stair’s House - nome associado à sua proprietária do século XVIII, Elizabeth, Dowager Countess of Stair.
O caminho de acesso à Lady Stair’s House faz-se pelo Makar's Court e, literalmente pelo chão, podem ler-se frases de escritores escoceses famosos, desde o século XIV até hoje, como que a conduzir-nos num encantamento segundo Hamelin (sem flautista, though...), mesmo até à porta do museu.
O espólio do museu não é em si mesmo extraordinário.
Concentra-se em três dos maiores autores escoceses - Robert Burns, Sir Walter Scott e Robert Louis Stevenson - e reune objetos pessoais, memorabilia diversa - por exemplo, um dos três únicos modelos em gesso do crânio de Burns! - e alguns manuscritos.
É o ambiente que é mágico, sobretudo para quem gosta de ler, para quem gosta de livros e, best case scenario, de ler livros destes autores.
Dos muitos títulos das suas listas de publicações, todos conhecemos- pelos menos as versões cinematográficas!- Ivanhoe e Rob Roy por Scott e The Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde ou Treasure Island por Stevenson.
Burns merece-me uma atenção especial. É considerado o poeta nacional da Escócia e a ele se deve o famoso Auld Lang Syne, cantando nos países saxónicos na noite da passagem do ano, que eu aprendi nas aulas de inglês na escola e até hoje sei entoar:
Should Old Acquaintance be forgot,
and never thought upon;
The flames of Love extinguished,
and fully past and gone:
Is thy sweet Heart now grown so cold,
that loving Breast of thine;
That thou canst never once reflect
on Old long syne.
On Old long syne my Jo,
in Old long syne,
That thou canst never once reflect,
on Old long syne.
My Heart is ravisht with delight,
when thee I think upon;
All Grief and Sorrow takes the flight,
and speedily is gone;
The bright resemblance of thy Face,
so fills this, Heart of mine;
That Force nor Fate can me displease,
for Old long syne.
(...)
E assim termino, assim me despeço: to all, to each, a fair good-night, and pleasing dreams, and slumbers light. (Scott).
Blogs
Adeptos da Concorrência Imperfeita
Com jornalismo assim, quem precisa de censura?
DêDêTê (Desconfia dele também...)
Momentos económicos... e não só
O MacGuffin (aka Contra a Corrente)
Os Três Dês do Acordo Ortográfico
Leituras
Ambrose Evans-Pritchard (The Telegraph)
Rodrigo Gurgel (até 4 Fev. 2015)
Jornais