O Bloco de Esquerda não vai acompanhar a visita do Presidente da República a Cuba.
Os motivos oficiais e oficiosos poderão oscilar entre Cuba andar a renegar os verdadeiros princípios do socialismo e se ter passado para o lado errado da História desde que o regime recentemente retomou relações diplomáticas com os Estados Unidos, o BE ter mais que fazer por ter as jornadas parlamentares marcadas para os dias da visita, ou porque sempre limitou muito a sua participação em visitas de Estado, com excepção dos países com fortes comunidades portuguesas ou língua portuguesa, com excepção de Angola, que acumula as duas condições mas não é visitado pelo BE. Em boa verdade, o motivo não é muito importante, porque não se perde nada por não ir. Nem o BE, nem o PR, nem Cuba.
Mas o verdadeiro motivo é outro.
A verdadeira razão de existir da esquerda radical é a reabertura de discussões que perdeu historicamente no seio do movimento comunista, nos já longínquos anos 30 e 40 do século passado, muitas à custa da vida dos arguentes, que as discussões no movimento comunista sempre foram suficientemente vivas para justificar a eliminação de vidas, algumas à machadada. Há-que reconhecer que, com tal modéstia de objectivos, e inutilidade para o mundo, a esquerda radical apresenta uma longevidade surpreendente.
Longevidade e, nalguns casos, popularidade.
A do BE baseou-se, inicialmente, em hastear uma série de bandeiras no domínio da liberalização dos costumes e da ecologia que os partidos políticos do sistema, os partidos burgueses, hesitavam em assumir por recearem que tomadas de posição claras nesses temas pudessem alienar uma parte mais conservadora dos seus eleitorados habituais. Aborto, consumo de drogas, direitos dos homossexuais (o nome cresceu para LGBTQIA+ mas é mais ou menos a mesma coisa), coisas de que uma parte importante da população, nomeadamente jovem, mas alguma da minha idade, estava farta de ver reguladas por pessoas que não tinham nada que lhes regular as vidas. Na verdade, estas bandeiras poderiam ter sido hasteadas por partidos de qualquer ideologia mais liberal, o que teria todo o sentido, porque todos são mais liberais que os da esquerda radical, em vez de por partidos da esquerda radical que, de liberal, não têm nada, assim alguém lhes dê a oportunidade de ficar entre quatro paredes a mandar num país. O José Sócrates percebeu isso e, se alguma realização lhe pode ser atribuída, foi o esvaziamento eleitoral do BE para metade, à custa de duas ou três iniciativas legislativas claras nesses domínios. O PSD e o CDS não, e insuflaram de novo o BE para o balão de ar que é hoje em dia. E o PS do António Costa também não, porque em vez de se apropriar da iniciativa legislativa nesses domínios, deixa o BE apropriar-se dela e limita-se a secundar as suas iniciativas, o que lhe vai permitir continuar a auto-insuflar-se.
Isto, e no facto de ter investido como mais ninguém no marketing político, não esquecendo que a sua primeira grande batalha parlamentar com o PCP foi pelo direito de um dos seus dois deputados eleitos ter um lugar à esquerda na primeira fila do parlamento, lugar que até aí era sempre ocupado por um deputado do PCP, e mais recentemente, e reforçando a sua aposta de sempre no marketing e nas marcas, por ter substituído o eterno duo Louçã / Fazenda de telegenia limitada por carinhas larocas que fazem olhinhos irresistíveis aos eleitores mais dados a essa modalidade.
Mas resta por explicar como é que o seu eleitorado se deixa enrolar pela defesa destas bandeiras liberais nas mãos de quem continua a defender também ideologias socialistas que, na retórica, sempre prometerem igualdade, justiça social e prosperidade, mas, na prática, sempre entregaram autoritarismo, iniquidade e miséria, e zero de liberdade?
É fácil. O segredo da longevidade da esquerda radical tem sido renegar sempre os resultados de todas as experiências socialistas que foram feitas ao longo destes 99 anos, defendendo que não são significativas do socialismo genuíno por ter havido desvios ao socialismo genuíno ao longo do processo em todos os processos pretensamente socialistas.
Durante uma revolução socialista, como no exemplo mais recente a eleição do Syriza na Grécia, a esquerda radical apoia publicamente a revolução, vai aos comícios, presta assistência à elaboração dos programas, deixa-se fotografar e filmar pelas televisões. Quando começam a ser públicos os resultados da revolução, no caso grego a inevitável cedência às exigências dos parceiros europeus para continuarem a prestar à Grécia a assistência financeira de que a revolução não teve capacidade para a libertar, desliga-se dos que antes apoiava e declara-os traidores, submissos, ou mesmo capitalistas de estado. Nunca se deixa salpicar pelos resultados das experiências socialistas reais, de modo a manter a ilusão que o seu socialismo genuíno tem para oferecer algo de melhor do que ofereceram os pseudo-socialismos dos outros. É um processo continuamente repetido de adesão inicial entusiástica a experiências socialistas e de negação posterior de os seus resultados cómicos a tender para trágicos serem consequências do socialismo, mas sim da falta de socialismo, de reconstrução da virgindade do socialismo genuíno que promete resultados diferentes dos dos abastardados socialismos reais.
Não, o Bloco de Esquerda nunca acompanhará o Presidente da República na visita a países socialistas que já mostraram para além de qualquer dúvida razoável o que o socialismo lhes ofereceu nos domínios da democracia, da liberdade e da prosperidade. Nunca visitará Cuba nem Angola, nem a Rússia nem a China, mas também a República Democrática Popular da Coreia, que chacina regularmente os dirigentes caídos em desgraça, nem a Venezuela, onde o socialismo remeteu à indigência o povo, e à prisão os opositores ao governo, do país com maiores reservas de petróleo do mundo. Irá sempre manter uma distância higiénica dos resultados reais dos socialismos reais e das suas pulhices e misérias.
O segredo da longevidade da esquerda radical é fugir a tirar conclusões sobre o que o socialismo tem para oferecer a partir de todas as experiências socialistas no mundo real ao longo de um século de socialismos. É varrer o socialismo real para debaixo do tapete.
Blogs
Adeptos da Concorrência Imperfeita
Com jornalismo assim, quem precisa de censura?
DêDêTê (Desconfia dele também...)
Momentos económicos... e não só
O MacGuffin (aka Contra a Corrente)
Os Três Dês do Acordo Ortográfico
Leituras
Ambrose Evans-Pritchard (The Telegraph)
Rodrigo Gurgel (até 4 Fev. 2015)
Jornais