"Este é o Orçamento da estabilidade fiscal", disse o ministro Mário Centeno quando entregou a proposta de Orçamento de Estado de 2017 à Assembleia da República, para fulminar as acusações infames de o governo andar a multiplicar até ao infinito a criação de taxas e taxinhas para satisfazer as exigências da incontinência verbal da esquerda radical, da de fora e da de dentro do PS, que até o presidente da república ecoou ao, no ataque mais violento que fez ao governo desde que é presidente, lhe recomendar estabilidade fiscal.
E foi, portanto, para assegurar a estabilidade fiscal que o governo, no seu incansável trabalho de conciliar ao longo de reuniões de coordenação as sugestões dos vários partidos que o apoiam parlamentarmente, acolheu na proposta de orçamento algumas sugestões do PCP e a esmagadora maioria das do BE para ir buscar a quem acumula dinheiro. Ir buscar a quem acumula, ma non troppo, que é necessário oferecer aos pobres o espectáculo de vingar através da fiscalidade as injustiças sociais, mas não convém incomodar muito os ricos, que se chateiam. As únicas medidas que, do alarido público que precedeu a apresentação da proposta de orçamento, acabaram por ser nele contempladas, foram todas: adicional ao IMI, extinção da sobretaxa do IRS e da CES, taxa sobre a Coca-Cola. Estabilidade, portanto.
Estando a estabilidade da proposta de orçamento assegurada à esquerda pela participação cooperativa que os partidos deram à sua elaboração, podia, no entanto, ser perturbada pelas sugestões de alteração dos partidos da direita, radical, que, se a esquerda radical portuguesa é social-democrata, a direita social-democrata é radical.
Terminado o processo de alterações à proposta de orçamento, confirma-se que a maioria se bateu heroicamente pela sua estabilidade e recusou todas as propostas de alteração da direita radical.
Mesmo assim, a maioria alterou algumas das normas do orçamento. Quais? Todas.
Tudo junto, um conjunto de alterações que, ou beneficiam os menos pobres sem afectar os mais pobres, ou beneficiam os mais pobres nalguns cêntimos por dia. Nada de diferente do que já estava na proposta do orçamento.
Mas, chegados aqui, o leitor perguntar-se-á: se o governo preparou o orçamento com a estreita colaboração dos partidos que o apoiam, o PS, o BE, o PCP e o PEV, e algumas destas propostas de alteração já tinham sido acordadas entre todos antes da apresentação da proposta do orçamento, porque é que estas alterações não estavam já contempladas na proposta e foram apenas introduzidas à posteriori?
Boa pergunta! Mas a resposta não é fácil. Mais depressa se descobrirá o que motivou a altercação no túnel do estádio de Alvalade, ou até o que foi combinado ao certo com a nova administração da CGD para lhe permitir fugir às suas obrigações declarativas.
Mas o motivo de todas estas propostas de alteração não terem sido contempladas na proposta de orçamento não deve andar muito longe de satisfazer a necessidade de todos os partidos poderem simular aos seus eleitores diferenças entre si através do reconhecimento público da autoria das propostas de alteração que, se as medidas tivessem sido incluídas na proposta de orçamento, teriam uma autoria diluída entre todos os partidos da maioria.
Em suma, uma pantomina.
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