Li a notícia, não percebi népias, e fui ler o ponto. Era para falar sobre o estranho caso ilocutório compromissivo ou assertivo mas rapidamente conclui pela natureza bizantina do assunto, pelo que desisti, não sem um desconsolado menear de cabeça: os moços não lêem, não sabem escrever, mas têm que encornar estas classificações abstrusas? A prova em si - há que anos não via um ponto de Português - deixou-me meditabundo.
Saramago era inevitável, por ser o Ronaldo das letras ainda não defuntas, sem desdouro para Cristiano, e Eça deveria ser inevitável, por ser o nosso grande prosador por antonomásia.
Vieira, é claro, tem lugar em qualquer ponto. Mas, se fosse examinando, leria de novo as instruções, a ver se podia optar por dois dos três autores, porque duas horas e meia (incluindo a tolerância) para interpretar três textos convenientemente, responder às perguntas inerentes e ainda redigir uma composição com "um mínimo de duzentas e um máximo de trezentas palavras" (já agora: como é que o aluno conta sem perder tempo, leva um palavrómetro?), a mim, parece-me curto.
Em vez de Eça, porém, temos um "colega" a falar dele. É o dois em um - ligamos aos clássicos que só visto, mas realmente é tudo gente morta, um contemporâneo sempre conhecemos da televisão.
Fosse eu o aluno, e o tempo não me chegaria para dizer que a senhora Lídia Jorge alinhou, sobre Eça, um impressionante chorrilho de banalidades pedantes: "(...) emoção das experiências abismais que aprendeu com os Românticos" (abismais porquê, Nossa Senhora?); "(…) o final do século XIX, esse tempo hiperbólico e desastrado (...)" (olhe, Lídia, o final do séc. XIX foi bastante pacífico, as hipérboles e os desastres foram um bom bocado antes, ou um pouco depois); "(...) admiração totalitária que Eça desencadeia (...)" (totalitária é como quem diz, não me venha cá com ofensas, que eu não sou desses). E, é claro, de modo nenhum subscreveria a tese de que os leitores modernos, encandeados (para usar uma expressão que Lídia, se não usou, podia ter usado) pelo génio de Eça, sofrem de "preguiça e lentidão" em entender a linguagem dos que se lhe seguiram - a linguagem dos que se lhe seguiram é que, demasiadas vezes, não merece o esforço.
Suspeito que os alunos guardarão pela vida fora, à força de empinarem definições linguísticas, análises cretinas, e modernismos pedagógicos sortidos, um sagrado horror aos nossos escritores.
Eça não merecia, Camões ou Vieira também não; as Lídias e os Saramagos sim.
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