Sábado, 15 de Outubro de 2016

Folhas de cálculo desenvolvidas em Word: o OE 2017

(Publicar num blogue dedicado à Literatura um texto dedicado aos números é uma impertinência? Pode ser. Mas eu alego em minha defesa que a utilização de Word em vez de Excel para construir folhas de cálculo lhes confere uma natureza literária que as traz para dentro do nosso âmbito de discussão natural. Prossigamos então.)

OriginalSize$2016_10_15_02_31_28_295817.png

A carga fiscal vai diminuir em 2017, diz o Orçamento, dizem os jornais que o citam, e até os Ladrões de Bicicletas, uma feliz conjunção dos melhores investigadores de conspirações neoliberais do professor Boaventura Sousa Santos com os melhores avistadores de unicórnios da actriz Catarina Martins.

E como é que eles descobriram que vai diminuir?

Pela leitura dos quadros do Ministério das Finanças, que dizem que a receita fiscal em 2017 vai aumentar em valor, de 46,3 para 47,6 mil milhões de euros, mas vai diminuir em percentagem do PIB, de 25,0% para 24,9%.

E esse tal do PIB, como é que vai variar?

Se este quadro tivesse sido calculado em Excel, o PIB seria de 185,2 mil milhões de euros em 2016 (46,3 / 0,25) e de 191,2 (47,6 / 0,249) em 2017. Teria que crescer 3,2% em vez dos mais modestos 1,5% que o governo está a prometer no Orçamento de 2017 para se verificar a tal redução. Mas em Word, e com falta de vergonha, basta o PIB crescer 1,5% para se obter a redução da carga fiscal.

Por outro lado, se o PIB de 2015 foi de 179,4 mil milhões de euros e em 2016 vai ser de 185,2, durante este ano afinal vai acabar por crescer 3,2%, e não os modestos 1,2% que o governo promete em Outubro, ou os ainda mais modestos 0,9% que as instituições independentes do governo têm andado a estimar.

Outra vez os mesmos 3,2%...

A conclusão que se pode tirar é que o governo elabora as suas folhas de cálculo fixando um crescimento anual quase cavaquista (nos 10 anos do cavaquismo o PIB cresceu 50%) de 3,2%. Se usasse os valores estimados, mesmo por si próprio, para o PIB, de 181,6 mil milhões de euros para 2016 (crescimento de 1,2%) e de 184,3 para 2017 (crescimento de 1,5%), então a carga fiscal este ano passou de 25,4% para 25,5%, e em 2017 passará de 25,5% para 25,8%. Sempre a diminuir, como diz o governo, os seus apoiantes, e os jornalistas que fogem das contas como o diabo da cruz, e se pode verificar, mas ao contrário, fazendo-as.

A carga fiscal vai aumentar em 2017, diz a Aritmética. Mandem esta gente às Novas Oportunidades!

 

Errata:

Chamam-me a atenção, tanto nesta caixa de comentários como na do Facebook, para o facto de eu não entrar em linha de conta com a inflação, ou com o deflator do PIB, e estar a tomar os crescimentos nominais como reais. Dou a mão à palmatória. Se a inflação de 2016, que em Setembro está nos 0,6%, atingir os 2%, o crescimento real (abstraindo que não é realista) de 1,2% será de facto de 3,2% em termos nominais. Assim como em 2017, se o crescimento real for de 1,5% e a inflação de 1,7%. A inflação esperada é, pois, o esteróide que faria inchar o PIB nominal. Resta saber se, dada a anemia do PIB real, os esteróides reais que andam pelos 0,6% são suficientes para o fazer inchar. Não são. Já a utilização de Word para desenvolver folhas de cálculo, é.

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 15:30
link do post | comentar | ver comentários (2)

Pesquisar neste blog

 

Autores

Posts mais comentados

Últimos comentários

https://www.aromaeasy.com/product-category/bulk-es...
E depois queixam-se do Chega...Não acreditam no qu...
Boa tarde, pode-me dizer qual é o seguro que tem??...
Gostei do seu artigo
Até onde eu sei essa doença não e mortal ainda mai...

Arquivos

Janeiro 2020

Setembro 2019

Agosto 2019

Julho 2019

Junho 2019

Maio 2019

Abril 2019

Março 2019

Fevereiro 2019

Janeiro 2019

Dezembro 2018

Novembro 2018

Outubro 2018

Setembro 2018

Agosto 2018

Julho 2018

Junho 2018

Maio 2018

Abril 2018

Março 2018

Fevereiro 2018

Janeiro 2018

Dezembro 2017

Novembro 2017

Outubro 2017

Setembro 2017

Agosto 2017

Julho 2017

Junho 2017

Maio 2017

Abril 2017

Março 2017

Fevereiro 2017

Janeiro 2017

Dezembro 2016

Novembro 2016

Outubro 2016

Setembro 2016

Agosto 2016

Julho 2016

Junho 2016

Maio 2016

Abril 2016

Março 2016

Fevereiro 2016

Janeiro 2016

Dezembro 2015

Novembro 2015

Outubro 2015

Setembro 2015

Agosto 2015

Julho 2015

Junho 2015

Maio 2015

Abril 2015

Março 2015

Fevereiro 2015

Janeiro 2015

Dezembro 2014

Novembro 2014

Outubro 2014

Setembro 2014

Agosto 2014

Julho 2014

Junho 2014

Maio 2014

Abril 2014

Março 2014

Fevereiro 2014

Janeiro 2014

Dezembro 2013

Novembro 2013

Outubro 2013

Setembro 2013

Agosto 2013

Julho 2013

Junho 2013

Maio 2013

Abril 2013

Março 2013

Fevereiro 2013

Janeiro 2013

Dezembro 2012

Novembro 2012

Outubro 2012

Setembro 2012

Agosto 2012

Julho 2012

Junho 2012

Maio 2012

Abril 2012

Links

Tags

25 de abril

5dias

adse

ambiente

angola

antónio costa

arquitectura

austeridade

banca

banco de portugal

banif

be

bes

bloco de esquerda

blogs

brexit

carlos costa

cartão de cidadão

catarina martins

causas

cavaco silva

cds

censura

cgd

cgtp

comentadores

cortes

crise

cultura

daniel oliveira

deficit

desigualdade

dívida

educação

eleições europeias

ensino

esquerda

estado social

ética

euro

europa

férias

fernando leal da costa

fiscalidade

francisco louçã

gnr

grécia

greve

impostos

irs

itália

jornalismo

josé sócrates

justiça

lisboa

manifestação

marcelo

marcelo rebelo de sousa

mariana mortágua

mário centeno

mário nogueira

mário soares

mba

obama

oe 2017

orçamento

pacheco pereira

partido socialista

passos coelho

paulo portas

pcp

pedro passos coelho

populismo

portugal

ps

psd

público

quadratura do círculo

raquel varela

renzi

rtp

rui rio

salário mínimo

sampaio da nóvoa

saúde

sns

socialismo

socialista

sócrates

syriza

tabaco

tap

tribunal constitucional

trump

ue

união europeia

vasco pulido valente

venezuela

vital moreira

vítor gaspar

todas as tags

blogs SAPO

subscrever feeds