Segunda-feira, 22 de Julho de 2019

Embutidos

Aos sábados, começo o dia com Vasco Pulido Valente e Alberto Gonçalves. Para um surfador de opiniões, como eu, é o melhor dia da semana: VPV interpreta o país, trazendo para a luz o que na nossa história explica as peculiaridades da nossa condição actual de portugueses e as razões por detrás das nossas escolhas e dos acasos semanais da vida colectiva, fazendo isso com uma inimitável economia de palavras e imperturbável elegância; AG ocupa-se sobretudo de costumes, e dentro destes sobretudo os políticos, que cobre de sarcasmo. Nenhum dos dois faz vénia aos ares do tempo, que em boa parte desprezam.

 

A propósito de um anúncio de mau gosto num talho em Vila Nova de Gaia, AG descreve a banalidade do reclame e o anódino da situação, e abre os olhos de espanto perante a reacção de um desses grupúsculos, dos quais há miríades, filiado no PCP e que veio a público disparar raios e coriscos contra a liberdade do talhante, da mulher retratada, que ninguém sabe quem é nem se foi ou não recompensada pela exposição, e dos passantes que tenham sorrido com a associação da carne de vitela a uma rapariga em bikini.

 

Que o PCP queira cavalgar a onda do movimento feminista, compreende-se. É o combate tradicional dos explorados (as mulheres) contra os exploradores (os homens), de mais a mais num contexto de publicidade, que é uma marca d’água do capitalismo, que odeia, e da livre iniciativa de um pequeno empresário, que execra. Que o feminismo no PCP seja um fenómeno recente, e que o partido nunca tenha sido exemplar na maneira de as tratar (ainda hoje no comité central menos de um terço são mulheres) não importa: cambalhotas leninistas todas as que forem precisas, que quando chegar ao poder a sociedade não terá classes, e portanto todos serão iguais por definição. A maluqueira feminista, porém, não se preocupa por aí além com quem se deita na cama, e esta articulista, Helena Tender de seu nome, furiosa, acha que Alberto Gonçalves faz lembrar uma salsicha branca. Nas palavras dela:

 

“Ou se, pese embora o sexo, a raça for impeditiva de conexação com este exemplo, sugere-se a fotografia do próprio sr. Gonçalves promovendo ‘salsicha branca’ em saldo. A ausência de cabelo do modelo é reminiscente do referido embutido”.

 

Isto, a mim, não me caiu bem: que eu tenho a mesma tez de Gonçalves, a mesma falta de cabelo, e, se ele puder ser descrito como machista, estou com ele conexionado, sabe Deus se ainda em termos mais censuráveis. E como ele ainda disfarça apresentando-se de barba curta, mas eu perfeitamente escanhoado, estou aqui muito sentido com a tal Helena. Tanto que só não descrevo o tipo de embutido que ela me parece porque, lá está, o meu respeito pelo sexo antigamente belo não me autoriza a usar para com ela da mesma liberdade que usaria para com um idiota que escrevesse as tolices em que abundou.

 

Porque Helena não diz ao que vem, mas percebe-se que o que defende são proibições, isto é, que a opinião dela seja a opinião oficial e a liberdade de opinar se mantenha dentro dos limites do que acha tolerável. Agora que se diz para aí que a geringonça vai rever a Constituição, porque vai ter poderes para isso se as sondagens eleitorais estiverem certas, apresso-me a aproveitar a liberdade de opinião que ainda me resta, e que o artº 37º garante, para declarar que, na tua opinião, Helena, Alberto Gonçalves é um machista – é um direito teu; e que, na minha, és parva – é um direito meu.

publicado por José Meireles Graça às 16:49
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Domingo, 10 de Março de 2019

Feminismo. A teoria e a prática.

2019-03-10 Costa, Tadeu, Palla.jpg

A boleia que o primeiro-ministro António Costa apanhou das manifestações feministas do dia da Mulher pondo a render a militância feminista da mãe no seu roteiro meticuloso para pescar votos em todos os segmentos do eleitorado, desta vez lançando as redes ao eleitorado sensível aos direitos das mulheres, como recentemente as tinha lançado ao eleitorado sensível às questões raciais numa pergunta boçal à deputada Assunção Cristas, fez-me recordar a minha mãe.

A minha mãe nunca foi feminista, nem nada que se aproximasse.

Mas logo que acabou o liceu começou a trabalhar nos CTT onde ficou até se reformar, integrou concursos para cargos de chefia dos CTT onde pela primeira vez participaram mulheres, não complementou o apelido de nascença Vilarinho com o apelido Pires do meu pai, e cada um tinha a sua conta na Caixa Geral dos Depósitos.

Em casa tinhamos criada, pelo que na distribuição das tarefas domésticas não havia uma distinção assim tão evidente entre o papel da mulher e o papel do marido, a não ser na culinária, onde ela se dedicava a coisas mais de fundo, nomedamente na doçaria, e ele se limitava a petiscos ao sábado de manhã, que fazia com alguma arte, e ao arroz minhoto magistral, que tinha aprendido com a minha avó. E nenhum deles mandava claramente mais do que o outro.

As únicas coisas que talvez a pudessem associar aos estereótipos do binário de género heteropatriarcal eram nunca ter fumado, nunca ter usado calças, e nunca tirado a carta de condução por achar que conduzir lhe fazia nervos. E, vá lá, tricotar e fazer crochet.

Como eu não atribuía a nenhuma destas coisas uma conotação de submissão, e como a minha mãe toda a vida praticou sem pregar a igualdade de género, não tive a oportunidade de crescer num mundo heteropatriarcal sufocante nem de me formar nos valores da insubordinação contra as indignidades que impõe, principalmente às mulheres, por mais que alguns filósofos da moda insinuem que não, pelo contrário. Perda a minha.

E ao lembrar-me dela lembrei-me também de uma feminista encartada portuguesa, pioneira há décadas de causas igualitárias como a despenalização do aborto, e que pelo pioneirismo quase se pode reclamar titular do franchise em Portugal de Maio de 68 e do feminismo.

E lembrei-me porquê? Por semelhança com a prática da minha mãe? Não, por contraste com ela.

Como disse acima, a minha mãe manteve por toda a vida o apelido de solteira, nenhuma das duas mulheres com quem casei alterou o apelido por se ter casado comigo, e eu não tenho nada contra as pessoas que adoptam o apelido do cônjuge, nem contra o desequilíbrio estatístico abissal entre o número de mulheres e de homens que o fazem, que faz com que seja mais realista sem perder em rigor estatístico falar de mulheres que adoptam o apelido do marido do que de pessoas que adoptam o apelido do cônjuge. Apenas não foi assim que eu cresci e vivi. E, mesmo sem ter nada a criticar, não deixo de considerar, mesmo correndo o risco de cair na alçada dos vigilantes da ideologia do género, que também os há a par dos vigilantes da homofobia ou da misoginia, a adopção do apelido do marido um indício de uma submissão das mulheres aos homens em que não fui educado.

Já a tal feminista mítica casou três vezes e ficou para sempre com o apelido do segundo marido. Não o do primeiro, não o do terceiro, mas o do segundo. Não sei porquê, nem me interessa, nem tenho nada a ver com o assunto, nem tenho, como expliquei acima, nada a censurar ou sequer a criticar.

Mas não consigo deixar de pensar que, se a minha mãe praticou sem pregar a igualdade de género, há feministas que a pregam sem praticar.

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publicado por Manuel Vilarinho Pires às 14:52
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Terça-feira, 16 de Outubro de 2018

Conselhos às senhoras

Há uns bons anos, estava com uma senhora na cama, altas horas, e ela lia, apercebi-me, as cartas de Eça à sua futura mulher; eu um ensaio qualquer sobre um recanto obscuro do passado, ou umas tretas sobre as tendências do presente, que são as coisas que me entretêm há que tempos.

 

A senhora, às tantas, depositou o livro aberto na barriga e, fitando sem ver a parede em frente, murmurou no silêncio sepulcral do quarto: se um homem me escrevesse cartas assim apaixonava-me por ele!

 

Aquilo não me caiu bem. E, a despeito de Eça ser um dos santos no altar exíguo das minhas devoções, embarquei numa doutoral dissertação sobre a hipocrisia do autor, e o seu casamento por interesse na família dos condes de Resende. Creio até ter chamado à colação o exemplo de Teodorico Raposo que, depois de caído em desgraça, na Relíquia, casou com a irmã abonada do amigo Crispim. Conclui informando que Eça era incapaz de, escrevendo, não ser admirável. E que, se o papel era o de apaixonado, então era bem capaz de despertar a atracção romântica da madre Teresa de Calcutá, ainda por nascer.

 

Não convenci. E ficou por apurar se o silêncio desaprovador resultava de sono ou da constatação de uma putativa ciumeira.

 

Lembrei-me desta história por causa do texto da Spiegel que acusa Ronaldo. Está bem feito, o texto. E é tão convincente, como aliás todas as outras peças da mesma proveniência, que todas as feministas que conheço dão como adquirido que ele violou sem sequer se darem ao trabalho, as mais raivosas, de deixarem a clássica ressalva de ser necessária a provazinha da culpa em tribunal.

 

Sucede que nem todas as mulheres compram, sem mais, a tese da culpabilidade. E esta, por exemplo, que não tem frio nos olhos nem consta que sofra da doença do machismo denunciada pelo movimento Metoo, vê no relato  mais buracos do que num queijo Gruyère.

 

Eu também vejo. E como tenho pelo movimento feminista um respeito excessivamente moderado e pelos homens que nele se alistam, incluindo amigos meus, a forte suspeita de que o que querem é, enrolados na bandeira da modernidade pateta, agradar ao belo sexo a qualquer preço, acrescento:

 

O MeToo é uma americanice grotesca e interesseira que, a coberto de casos reais de violação e abusos, pretende dar às mulheres vantagens indevidas, que consistem no poder não sindicado de arruinar carreiras e reputações, e no deixar passar para a consciência social a ideia de que quem é acusado por uma mulher, se o crime for de índole sexual, tem os seus direitos de defesa automaticamente diminuídos;

 

O feminismo é de esquerda, mesmo quando subscrito por pessoas de direita, porque cede ao discurso dos “fracos” e dos “oprimidos” contra os “poderosos” e os “opressores”. É uma bandeira fabricada pela indústria de causas, a mais dinâmica neste dealbar do séc. XXI, alimentada pela comunicação social para vender e pelas redes sociais para que os cidadãos possam ventilar a sua indignada virtude;

 

Os inimigos expostos à execração são os mesmos de sempre, isto é, os que detêm poder e riqueza. É isto que explica que a empregada que diz que o patrão a assediou tenha automática audiência e serviços públicos prestimosos a investigar, mas o mesmo empenho não se verifique na repressão de práticas medievais como a mutilação genital feminina ou os casamentos forçados em comunidades muçulmanas ou ciganas;

 

Há cada vez mais mulheres educadas que, na competição por lugares que são naturalmente menos numerosos do que os pretendentes, descobriram que a reivindicação de quotas elimina concorrentes. Uma guerra dos sexos vem a calhar, sobretudo se o inimigo, por ser filho de umas, e marido, amante ou irmão de outras, não perceber que é de uma guerra que se trata.

 

Pergunta-se: todos os que viram e veem as suas carreiras destruídas por acusações eram culpados dos crimes de que foram acusados, e algum beneficiou realmente da presunção de inocência? Não, porque sofreram uma pena sem processo legal. Ou seja, o movimento feminista defende um retrocesso civilizacional, que é a equiparação dos putativos agressores sexuais a cristãos-novos acusados de judaísmo, e a consagração do princípio de que, para certos crimes, mais vale a eliminação de todos os potenciais criminosos do que o risco de que alguns fiquem por condenar.

 

De resto, não faltam por aí excitadas a defender que a violação, tal como a define o código penal português, precisa de ver a sua definição legal alargada, e a sua moldura penal agravada. Como se o agravamento da sanção penal para os crimes da moda alguma vez em algum lado tivesse feito mais do que arrastar consigo o agravamento de outras penas para outros crimes; e como se as grandes taxas de encarceramento, e a violência da resposta penal, fossem apanágio de sociedades pacíficas.

 

Querem importar americanices, minhas senhoras? Fiquem-se pelos blue jeans justinhos, se estiverem bem servidas de pernas, e pela coca-cola light, se não estiverem.

publicado por José Meireles Graça às 23:48
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Terça-feira, 25 de Setembro de 2018

Mulheres e homens

Há mulheres feias, bonitas, mentirosas, sinceras, ignorantes, cultas, estúpidas, inteligentes, de bom coração e más como as cobras.

 

E há senhoras feias, bonitas, mentirosas, sinceras, ignorantes, cultas, estúpidas, inteligentes, de bom coração e más como as cobras.

 

Há homens feios, bonitos, mentirosos, sinceros, ignorantes, cultos, estúpidos, inteligentes, de bom coração e maus como os escorpiões.

 

E há senhores feios, bonitos, mentirosos, sinceros, ignorantes, cultos, estúpidos, inteligentes, de bom coração e maus como os escorpiões.

 

Hum, mulheres e senhoras, homens e senhores. E como se distinguem uns dos outros?

 

Entre homens e mulheres não há dificuldades, por causa de certos sinais exteriores (por causa de certos sinais interiores também, na minha opinião, mas Deus me livre de ir por aí, que não sou da subespécie doida temerária). Se bem que a coisa seja ainda mais complicada porque há uma minoria de mulheres que acham que são homens, outra de homens que acham que são mulheres, e outras que se acham homens e mulheres de parte inteira mas quereriam desempenhar, no processo de reprodução, o papel do sexo oposto. Deixemos em paz, para os estudos de género subsidiados, estas candentes matérias, que disso não quero falar.

 

Disso não quero falar. E das diferenças entre mulheres e senhoras, ou homens e senhores também não, por uma razão simples: quem estiver em condições de entender a explicação não precisa dela; e quem precisar jamais entenderá.

 

Aaaaaaaaah, e exemplos, a ver se a gente se entende ou se desentende de vez?

 

Álvaro Cunhal, um potencial criminoso comunista, era um senhor; e Jerónimo de Sousa, um potencial criminoso comunista, é um homem. Passos Coelho, possivelmente o menos mau dos primeiros-ministros da democracia, é um senhor; e António Costa, a grotesca e sebosa figura que pincha à cabeça da geringonça, é um homem (ou talvez nem isso, apenas um homenzinho). O número dois, ou três, ou lá o que é, do PSD, o hesitante Fernando Negrão, é um senhor; e o seu patrão um homem.

 

Querem exemplos de mulheres e exemplos de senhoras? Não dou, que já acima declarei que não sou doido. É que até mesmo no meu partido há as duas variedades, e sou amigo de representantes de ambas. Mas, vá lá, pronto, no Bloco, assim de repente, não vejo uma única senhora. E mulheres também vejo poucas, aquilo é mais raparigas. E aquele tipo de Coimbra que é deputado, falha-me agora o nome, é homem ou senhor? Hesito, mas não hesito nos colegas: são ganapos.

 

Hum hum, e no PS? Bem, estava a ver a SicN e zás, aparece uma entrevista a Ana Gomes. Foi por isso que me lembrei das mulheres.

publicado por José Meireles Graça às 20:58
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Quarta-feira, 14 de Março de 2018

É esta a luta?

Na semana passada houve um dia da Mulher, e merecia ser assinalado em todos aqueles lugares, e são a maioria, em que elas não são iguais aos seus concidadãos homens no acesso à educação, na liberdade de escolher os parceiros, na administração de bens, e ainda no tratamento não discriminatório da sua sexualidade; em suma, na igualdade perante a lei, o que as torna em cidadãos de segunda.

 

Não foi assim. E pelo contrário o dia assinalou-se com exuberância em muitos lugares onde todas essas coisas estão garantidas há muito, e sobretudo em Espanha, vá lá saber-se porquê, em desfiles tão grandiosos que uma querida amiga minha, esquerdista mas excelente pessoa, não hesitou em declarar que “esta greve feminista vai aparecer nos livros de história”.

 

Poder-se-ia talvez supor que o propósito seria a supressão daquelas bolsas onde tradições alheias ao estádio civilizacional em que nos encontramos sobrevivem nas nossas sociedades, afrontando as leis, como sucede dentro da comunidade cigana e em todas aquelas onde se mantém a tradição, importada de países quase sempre muçulmanos, da excisão genital feminina, ou de casamentos combinados, às vezes de moças apenas púberes, e um longo etc. de abusos sortidos de índole vária.

 

Mas não. Essas coisas não apenas sobrevivem perante geral passividade como uma parte dos manifestantes (a parte dos marxistas reciclados em engenheiros de costumes) que numas capitais ou outras entupiram as ruas aprova silenciosamente todas as práticas abusivas sobre a mulher desde que oriundas de sociedades medievais, em nome do multiculturalismo.

 

E o resto dos manifestantes, que são a maioria, prestaram, no melhor dos casos, algum serviço de boca ao que se passa em lugares como a Arábia Saudita mas dedicaram as suas imprecações ao que acontece entre nós.

 

O que é que se passa, então? Coisas simples: nos lugares de chefia e relevo nas empresas, nos partidos, no governo e na Assembleia da República, elas, que são a maioria dos habitantes, não estão em maioria; há uma diferença salarial que lhes é desfavorável, se se comparar o que ganha em média cada trabalhadora com o que ganha cada trabalhador; nas situações em que para progredir na carreira, ou em casos extremos simplesmente manter o emprego,  se depende da informação ou decisão de um superior, há casos de assédio sexual, e estes são sobretudo de homens sobre mulheres, desde logo porque são eles que detêm os lugares decisivos; e na maioria dos lares, em particular com filhos, não só é mais pesada a sua carga de trabalhos como é muito mais provável que, se houver violência doméstica, sejam elas as vítimas.

 

Porém, já não estão em minoria em certas profissões qualificadas, como por exemplo professores e juízes; e o desequilíbrio que já existe, a favor das mulheres, na formação académica na maior parte dos ramos do conhecimento, não pode senão traduzir-se a prazo, se a lógica não for uma batata, num reverter de situações.

 

Porquê então a assanhada barulheira das feministas de todo o bordo e feitio, os serviços governamentais dedicados à promoção da igualdade entre os sexos (de “género”, diz o palavreado inclusivo que o politicamente correcto recomenda), a barragem incessante de propaganda em torno de ideias falsas que de tão repetidas se aceitam acriticamente como verdades axiomáticas, v.g. a alegação de uma “evidente” disparidade de salários?

 

Despachemos a questão salarial primeiro: pode haver casos, e decerto haverá mas não aparecem denunciados, de salários diferentes para funções e desempenhos semelhantes, baseados em preconceitos misóginos de quem os decide. Porém, a diferença salarial documentada abundantemente pouco terá a ver com isto e muito com a diferença de funções: se as mulheres estão sub-representadas nos lugares de topo e em certas profissões de risco, que são os mais bem pagos, como se pode esperar que não haja diferenças nas médias? Logo, a alegação das diferenças salariais per se é inconsistente, e é-o também por outra razão: nas empresas que competem no mercado o decisor que, podendo escolher, decidisse empregar, para desempenhar o mesmo trabalho e com a mesma produtividade, sistematicamente os trabalhadores mais caros, ficaria em desvantagem perante o seu concorrente que oportunisticamente apenas contratasse mulheres. Onde estão elas, essas empresas que funcionam como o clube do Bolinha, mas ao contrário – menino não entra?

 

Depois, é uma verdade gritante – e surpreendente – que a representação política tem um défice de mulheres enorme, e isso sucede, nas sociedades democráticas, qualquer que seja o sistema de escolha dos eleitos. Só não é assim quando se impõe o sistema de quotas. Cabe perguntar, então: se elas são a maioria dos eleitores, não escolhem mulheres porquê?

 

A resposta convencional é que há um acordo tácito entre homens, e costumes entranhados entre mulheres, em particular as mais velhas, que as levam a desconfiar das suas irmãs, fazendo portanto que o caminho de candidatas naturais até aos lugares cimeiros esteja pejado de obstáculos. As pobres necessitam de fazer as coisas pelo dobro para que o seu mérito seja reconhecido pela metade.

 

Será em parte assim, para muitas e em muitas situações, e tanto mais quanto mais perto do topo de certas carreiras. E para engenheiros sociais, como são sempre as pessoas de esquerda, parece um caminho natural o sistema de quotas imposto pelo Estado – nele próprio, para começo de conversa, e para já nas empresas cotadas porque lá se encontram os lugares mais sumarentos, e se pode invocar o controle público das regras que norteiam o funcionamento do mercado de acções e obrigações para obnubilar o facto de serem com frequência empresas tão privadas como as não cotadas.

 

Aberta esta porta, é apenas uma questão de tempo até que a imposição de quotas, de resto com números crescentes até que se atinjam os 52%, ou lá quanto é a percentagem exacta de mulheres, se estenda às restantes empresas. Primeiro às grandes, claro, porque algumas são maiores do que as cotadas, e essa desigualdade não pode verificar-se, credo!; depois às médias, dados os bons resultados que se verificarão nas grandes, tudo apoiado nos devidos estudos a demonstrar o ponto; e finalmente às pequenas, com adaptações para limitar os estragos do intervencionismo.

 

Quanto ao assédio sexual, que a lei hoje classifica naturalmente como crime, nem sequer precisamos de fazer votos para que as polícias e os tribunais funcionem com eficácia: a julgar pelo que se passa nos EUA (quer dizer, aqui, depois de vencido o atraso de alguns anos) uma acusação chega para se perder preventivamente o emprego; e o principal, e com frequência único, meio de prova é a confissão, ora chorosa ora ofendida, da putativa vítima. Já estivemos mais longe de uma mulher que seja uma notabilidade pública precisar de confessar, para garantir a carreira, algum obscuro atropelo, sob pena de ser considerada conivente com o generalizado crime ou, pior, feia.

 

Negar que na maior parte dos lares, e tanto mais quanto mais antigos os casamentos, é desigual a carga de trabalho doméstico entre homens e mulheres, é negar a evidência; e que, desde que as mulheres furaram as paredes do lar para irem para o mercado de trabalho, esse desequilíbrio se acentuou, é desafiar a lógica.

 

Nisto mais ainda do que no resto, seria bom que o Estado se abstivesse de intervir: a cozinha, a sala de estar e a cama são lugares absolutamente privados. Razões por que o bombardeio das nossas criancinhas com as ideias acertadas sobre o que devem ser o paizinho e a mãezinha ideais, e a parafernália publicitária de comissões e organismos públicos a promoverem lavagens de cérebro em nome da igualdade, não são mais do que o abandono da neutralidade religiosa do Estado, agora a benefício de uma religião civil.

 

As novas gerações não precisam de ajuda: as mulheres saberão, como crescentemente fazem, calçar os patins aos maridos que não lhes satisfaçam as expectativas; e os moços, cientes do facto, ou se conformam ou prudentemente evitam casar ou recasar, o que de resto muitos escolhem.

 

Não é portanto surpreendente que o vasto vento feminista que sopra no Ocidente seja sobretudo de esquerda: a engenharia social contra a desigualdade, qualquer desigualdade, é justamente o que a define, e disso retira a sua imaginária superioridade moral. Que porém mulheres de direita comprem o pacote todo, em particular na parte das quotas, a mim, não cessa de me surpreender.

 

Explico: existe um problema verdadeiro, e que a evolução dos costumes não resolverá, e esse é o de que nos anos fundacionais das carreiras profissionais ou políticas (isto é, na casa dos 20 aos 40 anos) as mulheres que queiram ser mães têm uma desvantagem. Não se pode confiar que os respectivos maridos, por muito cheios de boa vontade que estejam, as substituam com perfeição, e não apenas por não poderem dar de mamar; nem se pode impedir o divórcio dos casais com filhos pequenos, fonte principal das mulheres sós com filhos pequenos (homens também, mas em escassa – e a meu ver natural – minoria).

 

Estão portanto, objectivamente, em situação de desvantagem para competirem no mercado de trabalho. Razão pela qual, entre outras, muitas adiam as gravidezes ou põem-nas de parte, ou deixam de ter o número de filhos que desejariam.

 

Já houve um tempo, e não apenas porque ainda não tinha sido inventada a pílula, em que os filhos eram mãos úteis para a agricultura e para tratar dos animais, além da garantia de um amparo na velhice.

 

Era o tempo das famílias numerosas, de miséria e destituição felizmente pregressas, mas em que não havia previsões catastróficas de falência da segurança social por cada vez mais reformados viverem à custa dos descontos de cada vez menos empregados, nem muito menos suicídios civilizacionais derivados da importação massiva de homens e mulheres portadores de culturas insusceptíveis de integração, mas a produzirem filhos a velocidades muito superiores às das sociedades que os acolhem.

 

Não voltaremos ao tempo das famílias numerosas como regra; nem às mulheres remetidas à inferioridade e à dependência; nem a tendência para cada vez mais mulheres aparecerem em cada vez mais lugares de mando, nas empresas e no mundo político, declinará.

 

Mas uma coisa é a evolução natural das coisas; e outra é a discriminação positiva baseada em quotas, que não pode senão abrir a prazo uma guerra de sexos.

 

Porque fatalmente haverá homens discriminados por essa condição, não obstante serem melhores para este ou aquele lugar, ou seja, por se trocar uma discriminação baseada na tradição por outra baseada na lei; e porque naquelas funções atraentes onde elas já estão, ou venham a estar, em maioria, se porá o problema das quotas para homens.

 

Resta finalmente que as mulheres que têm filhos e que por esse facto são prejudicadas nas suas carreiras sinalizam às outras que ter filhos é um mau negócio, e as quotas, se podem minorar esse problema, não o podem resolver: as quotas não são, nem é defensável que sejam, para mulheres com filhos.

 

Por mim, impressionam-me pouco as mulheres que mostram as mamas com slogans pintados para reclamar igualdade; prefiro as que as mostram para amamentar. E veria com bons olhos que o grave problema de a população estar a diminuir fosse combatido com políticas públicas de apoio a mulheres que queiram ter e manter filhos, apoio em moeda sonante, em flexibilização de horários com a devida compensação às empresas, e no mais que a imaginação invente para resolver o problema.

 

Em nome da igualdade, isto é, para que os filhos não sejam um fardo que sobretudo a elas pesa; e em nome do realismo porque não nos adianta sermos iguais no suicídio colectivo.

 

É esta a luta? Não parece.

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publicado por José Meireles Graça às 16:35
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