Sábado, 6 de Janeiro de 2018

Farinha do mesmo saco

Nunca fui aluno da escola do elogio mútuo, organização que tem em Portugal múltiplos estabelecimentos, tradições arreigadas, sócios prestigiados e estatuto inamovível.

 

No tempo do governo da troica isto era um problema: a reforma do Estado (isto é, extinção de serviços, despedimentos de pessoal, revogação de legislação atropelando a liberdade económica e a dos indivíduos, em suma, a diminuição da presença na vida das empresas e das pessoas), bem como a baixa dos impostos, nunca se materializaram. Ao contrário: o governo, injustamente tachado “de direita”, não tocou seriamente no Estado, nem sempre curou, com as privatizações, de assegurar a concorrência e não apenas a transferência de monopólios, nem muito menos se subtraiu ao vento das modas estúpidas do fascismo sanitário e do combate à desigualdade e à evasão fiscal.

 

Problema para mim porque não era razoável que um sócio, anónimo embora na sua quota de 1/10.000.000, acabrunhasse de críticas o administrador da massa falida quando este se esforçava seriamente, e no essencial com mérito, por tirar a empresa do atoleiro, e isto quando havia accionistas inimputáveis que desejavam a falência, uns, e se imaginavam mais competentes, outros, todos aguerridos na sua inconsciência.

 

Havia porém dois elementos do governo que, personificando parte do que nele estava errado, e sendo ao mesmo tempo política e pessoalmente insignificantes, davam um flanco jeitoso a quem, como eu, não queria ser confundido com a turba acéfala dos anti-austeritários mas não via com bons olhos personagens que se dizem de direita mas não defendem, por ignorância ou má-fé, senão soluções de esquerda.

 

Um deles era o secretário de Estado da inquisição fiscal, Núncio; e o outro o seu colega para assuntos da burocracia da saúde pública, Leal da Costa.

 

O primeiro tem estado calado, razão pela qual não pode ser acusado de acrescentar ao ar espesso do asneirol; mas o outro não cessa de se aliviar das suas opiniões, de mais a mais no Observador. Este jornal, originariamente pensado como pretendendo dar voz a correntes de direita, tem vindo a ceder espaço a socialistas como Aguiar-Conraria e Trigo Pereira, por darem ambos a impressão de não ser completamente geringôncicos; e a bem, supõe-se, do Centrão e da modernidade pateta, acolhe também este Savonarola da saúde.

 

Que diz então Leal? Goza com o  Despacho 11391/2017 de 19 de dezembro, não porque este seja, como é, uma intolerável intromissão do Estado nos hábitos de consumo dos frequentadores dos hospitais e na liberdade dos concessionários das cafetarias mas porque na grotesca lista que consigna  faltam o toucinho do céu, o pudim abade de priscos, o salame de chocolate e – aqui Leal todo se escancara num riso alvar - o salpicão.

 

“É com palermices como a deste Despacho, que fará história, que se matam boas ideias para a melhoria da saúde pública”, diz com suficiência.

 

Sucede que, salvo no que toca à preocupação pueril do Despacho de descer à minúcia de fazer o elenco de todos os artigos de cafetaria que o legislador acha que devem ser vedados a quem entre num hospital público, não há qualquer diferença essencial entre o abuso do fascista Fernando Araújo e os do seu antecessor Leal.

 

Diz este último: “Por muito menos, numa outra vida que já tive, chamaram-me de higieno-fascista por defender medidas, eficazes e de impacto provado, no combate ao tabagismo”.

 

Foi, Nandinho? Chamaram-te isso, credo? Olha, fui um deles e aliás ainda te chamei coisa pior.

 

O tabagismo faz mal à saúde. Mas a doçaria também, e boa parte do que consta da famigerada lista. Se, com o dedinho em riste do frade justo, não hesitaste em atropelar os direitos dos viciados em tabaco, entrando por estabelecimentos privados dentro e indo muito além do pretexto inicial de defender a saúde dos não-fumadores, por que razão é que o teu colega, que faz parte de um governo que poderias perfeitamente integrar se não calhasse teres filiação noutro clube, não pode entrar em estabelecimentos públicos?

 

“Conheces e aprecias” Fernando Araújo. Compreendo: ser farinha do mesmo saco é em si uma base sólida para o respeito mútuo.

 

Saco que, a bem da liberdade daquela minoria que não reconhece ao Estado o direito de lhe dizer o que pode ou não comer, e que vícios são toleráveis, bem podia ser atirado ao mar.

publicado por José Meireles Graça às 13:58
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Quarta-feira, 30 de Abril de 2014

Tem a certeza que leu?

 

 

Em traços grossos, há os que não leram, os que tresleram, e os que efectivamente leram. Deste último grupo, já de si residual, 9 em cada 10 (para evitar exageros) não perceberam nada. Ao contrário do que agora se diz por aí (todo o cão e gato "lê" situações, polémicas, e acontecimentos), existe uma diferença substancial entre "ler" e "interpretar". São exercícios diferentes, e ambos exigem trabalho e capacidades. É por esta razão que a minha temperatura mental permanece inalterada perante argumentos couraçados em citações.

 

Falo nisto a propósito do malsão Leal da Costa, que citou "O banqueiro anarquista" para mostrar o oposto do que diz o texto de Fernando Pessoa. Se virmos bem, não fez diferente do que faz a generalidade dos nossos peritos e “literatos” - que na melhor das hipóteses (tirando 2 ou 3 excepções, que a plateia não sabe identificar) se resumem a operosos coleccionadores de papéis.

 

publicado por Margarida Bentes Penedo às 16:47
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Savonarola no Terreiro do Paço

"O público não está devidamente informado, apesar dos esforços dos técnicos e da informação acessível em sítios electrónicos como o da DGS" – diz Savonarola. "Sem boa saúde não há boa economia e as desigualdades acentuam-se", acrescenta. E, para coroar um longo repositório de opiniões que poderia ter a bondade de reservar para o seu círculo de amigos, baseia-se num estudo australiano, outro do Crédit Suisse, um relatório da ONU e um estudo inglês. A estas fontes acrescenta o Banqueiro Anarquista, de Pessoa, que julga ter percebido.

 

O próprio resume, triunfante, a meio da sua redacção: "O Governo, no seu todo, é responsável pela saúde da população".

 

Não vou lembrar que estudos há aos montes, para demonstrar tudo e o seu contrário, em matéria de política de saúde; e que, mesmo que nos malefícios deste ou daquele comportamento a maioria, ou até a totalidade, dos "estudos" seja concordante, conviria que o impetuoso frade entendesse o facto básico de os cidadãos terem, numa sociedade democrática, direito a que o Estado não interfira nos seus comportamentos quando estes não ofendam direitos de terceiros.

 

Não, secretário de uma figa, o Governo não é responsável pela minha saúde - o responsável sou eu. Se eu fumo, se bebo, se como demais, se abuso nas sobremesas, se não faço exercício, as consequências recaem antes de mais sobre mim. E se vamos fazer contas ao que isso pode custar ao teu querido SNS, convém demonstrar que os impostos sobre os vícios não são já rendosos para o Estado; sem esquecer que, aberta a porta ao poder deste para interferir na vida privada do cidadão, não há limites ao que é capaz de fazer em nome hoje da saúde, amanhã do civismo, depois no gosto em arquitectura, em espectáculos de qualidade, e no mais que se lembre quem detém circunstancialmente um poder efémero e se imagina pastor - e fiscal - da comunidade.

 

Estas coisas são perigosas, antes de mais porque uma vez instalada a burocracia para tratar da felicidade dos povos, ela própria se encarrega de justificar a sua existência, alargar o seu poder, e tornar-se difícil de desinstalar sem dor, muito para lá do esquecido controleiro social que a fundou.

 

Ah, e antes que esqueça: Pessoa, que não tem culpa de ser lido por qualquer um, fumava como uma chaminé e gostava de copinhos de genebra. Tens a certeza que, sem esses vícios que os seus modestos recursos lhe permitiam - e que hoje, possivelmente, não poderia pagar - teria produzido a mesma obra? Eu não. Mas, lá está, dirás decerto que, se tivesse sido o novo homem que, como todos os totalitários, achas que deve nascer, teria escrito mais, durante mais tempo.

 

É por isso que és perigoso: a fé é perigosa quando se arroga a si mesma o direito de ser imposta.

publicado por José Meireles Graça às 02:07
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Sexta-feira, 18 de Abril de 2014

Meia dúzia de doenças

Não me qualifico: tenho volta e meia umas cutículas à volta das unhas, que é preciso remover com a ferramenta especializada que se usa para aparar as ditas; em havendo mudanças bruscas de tempo, sobrevém um aumento do exsudato nasal; e as dores de cabeça são frequentes, em particular quando tenho muito que fazer, e quando não tenho nada.

 

Faltam portanto três. Sofresse eu de reumatismo, diabetes e asma e, em conjugação com aqueles acima referidos males, já tinha direito a um gestor de saúde, grande benefício reservado a doentes com "mais de cinco" patologias crónicas.

 

"Estima-se, a nível internacional, que cerca de 6% da população acumule mais de cinco doenças crónicas. Assim, em Portugal seriam necessários cerca de 7500 gestores nos cuidados de saúde primários, se cada um ficasse com cerca de 80 doentes".

 

7500 gestores é uma ridicularia. E como estes funcionários se encarregarão da supervisão do doente, estes poderão ir praticando yoga nos intervalos das marcações para o médico de família, no Centro de Saúde, o de Medicina no Trabalho, se o felizardo tiver emprego, o especialista, se a doença crónica não estiver, como quase nenhuma está, ao alcance das luzes do clínico geral, e o parecer do supervisor, que fará um acompanhamento personalizado, com o propósito de "controlar o desperdício de recursos", não se percebe se incluindo também no hospital, onde o paciente se registou entretanto, por via de esgotamento.

 

Ou seja, o doente passa a ser agente de informação para efeitos de controlar o despesismo médico, uma inovação que gente supostamente na plena posse das suas faculdades admite como positiva.

 

Isto a julgar pela notícia. Quem quiser conferir para ver se o jornalista interpretou bem o assunto pode - eu não tive coragem - ir ler o Relatório do Grupo de Trabalho, um mastodonte com 154 páginas de intragável palavreado. E gente boa pode inclusive dizer de sua justiça, dado que o documento está generosamente aberto à discussão pública, admitindo-se, como se diz na conclusão, "ligeiras alterações".

 

Eu sugeriria uma grande, que seria a tradução para português.

 

A coisa nasceu de um despacho do Secretário de Estado Adjunto do ministro da Saúde. E - ó surpresa! - quem é o ínclito governante? Pois nem mais do que o Savonarola do tabaco, do sal e do açúcar, Fernando Leal da Costa. Ciente desta informação, e pensando melhor, nem é precisa a tradução: o melhor é rasgar tudo.

publicado por José Meireles Graça às 23:07
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Sexta-feira, 1 de Novembro de 2013

Há mais de um mês que não asneirava

Pergunta-se: o dono dos hospitais tem o direito de tentar racionalizar os meios, estabelecendo limites de despesa, política de gestão do pessoal, fixação de metas, critérios da manutenção e aquisição de equipamentos, investimentos, e tudo o mais que permita fazer mais, ou o mesmo, com menos?

 

Tem, e não apenas o direito mas também o dever.

 

Mas pode impôr aos médicos um certo comportamento pessoal que devem adoptar para evitar a propagação de doenças, sob pretexto de que o responsável político do sector é médico e por conseguinte ele sabe, enquanto os colegas ignoram?

 

A meu ver, não deve. Mas, segundo o político em questão, pode.

 

E quem é então o iluminado? Ora, é o Secretário de Estado Adjunto do costume, Fernando Leal da Costa, que já não asneirava, que me tivesse apercebido, há mais de um mês.

 

Num ponto tem porém razão: o aspecto dos médicos pode realmente ter efeitos deletérios na saúde. A mim só a cara dele já me faz subir a tensão; e, em abrindo a boca, temo por um AVC.

publicado por José Meireles Graça às 12:33
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Segunda-feira, 7 de Outubro de 2013

Direito à opinião médica

Faz tempo que, graças a Deus, não via notícias sobre Leal da Costa, o Savonarola que, no Governo, tomou sobre si a missão de nos defender de nós próprios a golpes de proibições e coimas.

 

A propósito de uma greve de médicos, o governante em questão declarou no Parlamento, em Junho de 2012, que "um grande grupo de portugueses não tem emprego e um grupo de privilegiados como os médicos não quer trabalhar, vão fazer greve e não têm razão para isso".


Depois daquela, já houve 19427 greves, governantes disseram coisas no Parlamento e fora dele cerca de dois milhões e oitocentas mil vezes, uns saíram e outros entraram (Leal permanece, com grande benefício para o País e dano para o seu portfolio de doentes), mas a Justiça seguiu a sua implacável marcha.

 

É que 60 (sessenta) médicos não levaram a bem a declaração de Leal e apresentaram queixa, com fundamento no nº 3 do art.º 128º do Código Deontológico dos senhores médicos, que reza assim:

 

"O médico não deve fazer afirmações ou declarações públicas contra colegas".

 

Fizeram muito bem estas cinco dúzias: que a redacção é admirável na sua granítica singeleza, e Leal, efectivamente, manifestou-se contra colegas.

 

Assim não o entendeu a relatora do processo (não pude apurar se é médica ou jurista) que, em Setembro passado, veio em menos de uma página propor o arquivamento.

 

Ana Matos Pires, a quem fico penhorado pela divulgação desta história, tem dúvidas sobre a bondade do articulado em questão, mas nem por isso apreciou a proposta, entre outras razões porque quem respondeu no processo foi o chefe de gabinete do Secretário de Estado, e não o próprio; e - mas isto já é processo de intenção meu - sendo um membro deste governo, por definição, celerado, e a greve algo que não se pode discutir, o arquivamento sem mais está irremediavelmente ferido de não sei quê.

 

Por mim, fiquei a meditar no que terá levado a que um assunto aparentemente tão simples tenha consumido mais de um ano para chegar a termo; e, como não estão tribunais envolvidos, admito que a relatora, ou outras pessoas no Conselho Disciplinar do Sul, tenham estado doentes, pelo que folgo em ver que recuperaram.

 

Quanto ao fundo da questão, a Ordem bem poderia, numa próxima revisão, eliminar aquela funesta redacção. Que o Tribunal Constitucional não tem por certo dúvidas sobre o direito à greve; mas não as terá também sobre o direito à liberdade de expressão e opinião.

publicado por José Meireles Graça às 20:24
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Sexta-feira, 19 de Abril de 2013

O Galahad da Saúde

Detesto tanto este tipo, mas tanto, que se houver, nas próximas eleições, qualquer sugestão de que venha a fazer parte do governo, ou, por maioria de razão, se figurar em qualquer lista, vou à praia ou trabalhar no meu quintal. A menos que se mude para o PS, que era onde estaria melhor.

 

Que diz o Savonarola desta vez? Diz isto: "Fernando Leal da Costa não esconde a vontade de proibir totalmente o fumo em espaços públicos, mas reconhece que é necessário dar alguns anos, para que restaurantes e cafés que fizeram investimentos para criar espaços para fumadores possam adaptar-se a essa realidade".

 

Ó Fernando do catano, de onde te vem a legitimidade para decidires o que cada proprietário de restaurante pode estabelecer como orientação da sua casa? Já, com a alegre companhia dos teus colegas médicos, e, suponho, da maioria da população, fizeste passar a ideia de que o apartheid americano, e por imitação do resto do Mundo, entre gente pura, de um lado, e viciados, do outro, era uma boa razão para decidires investimentos compulsivos de terceiros. E agora, meu aldrabão, que se gastaram milhões para sossegar as tuas manias, e as das pessoas que não suportam o cheiro do tabaco mas cheiram elas próprias a chulé, não te chega - há que deitar fora o investimento feito, que era só para moderninho e a ASAE verem.

 

Depois, esse paleio equívoco de dizeres "público" e a seguir falares de restaurantes sabe-se ao que conduz: amanhã não são os restaurantes, são também as esplanadas, os jardins, as praias, qualquer sítio que seja público e onde o teu sensível e proeminente nariz detete algum remoto cheiro do vício indesculpável. E a seguir vêm as casas privadas, não vá haver dentro delas um fumador passivo que precise do cavaleiro andante do fascismo sanitário.

 

Sabes que mais, Leal? Se eu fosse um proibicionista e tivesse poder, ilegalizava foguetes e caras feias, por me fazerem, respectivamente, mal aos ouvidos e aos olhos. E não poderias circular, nem os meus vizinhos atroarem os ares por ocasião da festa de Santo António, na Rua da Arcela.

 

Mas não, deixo os vizinhos em paz; e circula à vontade, que não farei mais do que mudar de passeio se te vislumbrar o focinho repelente.

publicado por José Meireles Graça às 23:08
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Quarta-feira, 2 de Janeiro de 2013

Os ayatollahs

 

Se eu mandasse, proibia música em locais públicos. Não gosto quase nunca das musiquetas da moda e, quando haja música que me agrade, não vejo por que razão outras pessoas têm que a ouvir.

 

Se eu mandasse, acabava com o foguetório que não fosse de artifício: o barulho de explosões, sem mais, só pode agradar a terroristas, só se justifica para rebentar penedos, treino de fogo e guerras, e tem como resultado assustar as crianças, provocar incêndios, espantar os animais e incomodar os doentes.

 

Se eu mandasse, não homologava SUVs: não são mais confortáveis nem mais rápidos do que limusinas de preço equivalente, gastam mais e dão uma falsa sensação de segurança.

 

Se eu mandasse, programas como o Preço Certo ou séries inanes com gargalhadas enlatadas estariam reservadas para o público americano.

 

Isto é só uma amostra: a minha lista de proibições ocuparia, se feita com meditação e esmero, tantas páginas, e tantos artigos, quanto as da Constituição. E posso asseverar que cada um dos interditos se justificaria com ponderosas razões de interesse público.

 

O nosso País está porém livre deste terrível flagelo: não mando. E deveria estar ao abrigo das listas de ódios e rejeições dos meus concidadãos, porque cada um tem a sua: qualquer leitora deste blogue, por exemplo, se mandasse, proibiria os seus familiares homens de deixarem a tampa da sanita em cima, depois do uso, sob a cominação de pesadas sanções.

 

Sucede porém que alguns chegam ao Governo. E como o caminho para lá chegar é difícil e implica agradar a quantidades enormes de pessoas muito diferentes entre si, seria de esperar que os governantes se abstivessem de regular a vida colectiva, no plano dos comportamentos, em obediência às suas manias.

 

Não sucede assim: já suspeitava que o ayatollah Leal da Costa não prosseguiria na sua cruzada anti-tabagista se não tivesse a cobertura do mago dos impostos (um indivíduo cheio de prestígio por causa da obra deletéria que perpetrou na DGCI - mas isso são outros quinhentos). Agora confirma-se: Paulo Macedo também dá para este peditório. E como o argumento da saúde de terceiros já não cola - os direitos de terceiros já estão mais do que assegurados - os dois clérigos agora estão preocupados com o que os fumadores custam ao SNS.

 

Este argumento não vale nada - mesmo que não houvesse estudos a demonstrar a sua falsidade, sempre seria uma porta que não deveria ser aberta: Paulo Macedo tem todo o aspecto de quem abusa de carnes gordas, queremos controlar-lhe a dieta; e Leal, com aquele ar tresloucado, é bem capaz de ter vícios ocultos com efeitos potencialmente daninhos nos seus equilíbrios vitais - queremos uma rigorosa investigação.

 

Todos a meter o nariz na vida de todos, a bem de todos.

 

publicado por José Meireles Graça às 12:16
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Sábado, 8 de Dezembro de 2012

Explicação dos pássaros

 

Sempre tive fortes suspeitas de que os hábitos tabágicos têm um lado positivo que tem escapado à sanha anti-vício dos Savonarolas da saúde. Por exemplo, não há dúvidas de que o risco de contrair certas doenças é acrescido para muitos fumadores; mas, desgraçadamente, não há investigações sobre os vícios alternativos que pode contrair quem imprudentemente deixa de fumar.

 

Os animais não sabem quem é Fernando Leal da Costa, amigo dos contrabandistas de tabaco e personagem deletéria para a saúde pública, por difundir junto dos viciados o hábito malsão de fumar raspas de matérias pouco recomendáveis para o efeito, de origem chinesa. E como não sabem, são grandes apreciadores de filtros usados: por exemplo, o modesto pardal põe no ninho, em média, 8 beatas, e os mais afoitos, ou previdentes, chegam a 38 - é obra, ultrapassada aliás pelos tentilhões, que chegam a 48. Podemos então dizer, sem grande exagero, que há tentilhões que fumam mais de dois maços por dia.

 

Os simpáticos bichinhos fazem isto para afastar parasitas e proteger a prole, porque o tabaco e a nicotina têm esse benéfico efeito.

 

Acho a história bonita e fortemente simbólica. E agora, quando fumar um cigarro, conto sentir uma irmanação panteísta e franciscana com os meus irmãos pássaros: também eu quero afastar seres daninhos - como Costa.

 

publicado por José Meireles Graça às 20:29
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Segunda-feira, 5 de Novembro de 2012

A lista de Leal

Não sei, nem quero saber, quem é o meu médico de família. E se isso não me tivesse sido exigido a propósito de uma merda qualquer, nem cartão de utente teria.

 

A ideia de que o cidadão deve escolher, de uma curta lista de médicos que o Estado disponibiliza para a zona xis, aquele que será o seu médico de família (e mesmo isso dependendo de um certo número de concidadãos não terem já esgotado a disponibilidade de tempo do médico em questão, se por artes do diabo conhecer algum da lista que efectivamente agrade) é uma ideia perversa.

 

Pode o acaso, se tiver um acidente e for parar a um serviço de urgência, destinar-me um médico ou um pateta licenciado em Medicina, um departamento bem organizado e equipado ou uma rebaldaria. Mas isso é o acaso - para morrer todos sabemos que basta estar vivo.

 

Agora, a ideia de que qualquer médico serve, desde que seja funcionário público, desafia o senso e ofende a liberdade de escolha: os médicos não se equivalem uns aos outros, e a obrigação de ir ao serviço xis e não ao ípsilon anula a concorrência. E mesmo que os "utentes" (palavra maldita, que a visão de esquerda para a Saúde cativou para o cidadão doente), se livres de escolher, nem sempre fizessem a melhor escolha, sempre seria a escolha deles.

 

Claro que há quem não possa pagar médicos e actos médicos, bons ou maus. E para esses a liberdade de escolha está, por definição, limitada. Mesmo assim, os estabelecimentos públicos poderiam encontrar no facto de a eles recorrerem sobretudo, mas não apenas, os que não podem pagar, razões de emulação. E ocorre lembrar que, sendo a Saúde importante, a Justiça não o será muito menos. Porquê então este sistema não ter sido adoptado para o acesso a advogados e tribunais?

 

A gratuitidade e igualdade de todos na Saúde, que o gigantesco SNS "garante", foi e é uma fantasia voluntarista para a qual só houve dinheiro enquanto o crédito não acabou. Agora é a ressaca, o tempo dos cortes.

 

Pensando o que penso, deveria talvez estar contente com isto: és embirrento, não és hipocondríaco, ou simplesmente tens saúde? Pois então o Estado exclui-te da lista. Se a ela quiseres regressar, tás quilhado, man, que a Administração tem para ti um mar de papéis e incómodos: no fim da via dolorosa, pode ser que haja ainda um médico ronhoso, com vagas.

 

O SNS era inviável a prazo, mas coerente. Esta iniciativa de Leal da Costa, o homem fatal do asneirol contumaz, vem remendar um tecido roto. Não se remendam tecidos rotos: deitam-se fora.  

publicado por José Meireles Graça às 12:08
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