Neste artigo Fernando Rosas dedica-se a explicar por que razão o BE, do qual é dirigente, não faz acordos com os outros partidos de esquerda (a verdadeira, a que pertence, não a corja dos vendidos ao financismo, na qual se encaixa o PS), e aproveita para lembrar que "à esquerda do PS, existe em Portugal um campo político e social de que o geral dos comentadores, por conveniência ou descuido, costuma esquecer. No entanto, tendo em conta os resultados das eleições legislativas desde 1999 – ano em que nasceu o Bloco –, ele representa, no seu conjunto, entre 15 e 20% dos eleitores deste país e provavelmente bem mais do que isso no que respeita à luta popular contra as medidas de destruição do Estado social hoje em curso".
Os comentadores não se esquecem nem do PCP, nem do BE, nem dos grupúsculos que pululam naquele quase um quinto do eleitorado. Pelo contrário: não deve haver noticiário sobre um qualquer conflito social, ou iniciativa parlamentar ou governamental que desagrade à Oposição, em que não sejamos expostos às invectivas de Jerónimo, às indignações justiceiras daquele friso guerreiro de deputados do PCP e do BE, às mesas redondas e entrevistas com gente do PCP, assumidamente ou travestidos de representantes da sociedade civil, à presença permanente na comunicação social de economistas, sociólogos, actores, jornalistas, sindicalistas e tutti quanti que navegam naquelas águas revoltas de comunistas, lunáticos, agitadores, progressistas de todos os bordos, engenheiros de sociedades e j'en passe.
Quem é que, sendo espectador de televisão, vendo algo mais do que concursos e telenovelas e não desprezando debates e mesas-redondas, não conhece Octávio Teixeira, ou o sempre jovem Prof. Boaventura das sociologias, a doce Catarina Martins, o Luís Le Rouge Fazenda dos frente-a-frente na Sic-N, o ex-comunista, ex-bloquista e futuro PS Daniel Oliveira, ou ainda o inesquecível catedrático da economia do ódio aos ricos, Louçã?
Mas isto é o menos; que a mim quase todo o espaço da comunicação social me parece tingido de vários tons de vermelho e rosa, pelo que admito que para um tipo como Fernando Rosas tudo pareça vestido das camisas castanhas, verdes ou negras do fássismo.
Onde o artigo me prendeu realmente a atenção foi nesta passagem: "Não vejo como podem coexistir na mesma convergência os que defendem uma Europa federal e um governo europeu com os que, como o Bloco, recusam essa perspectiva em nome da democracia na Europa e da soberania dos Estados".
Ainda bem que não vês, Nandinho, pá. Olha como estranho é este mundo: eu defendo a soberania dos Estados e simpatizo com a democracia, embora não esteja absolutamente certo de estarmos a falar da mesma variedade se aplicada à Europa: um homem um voto à escala europeia anularia a soberania dos Estados; e ponderações de poderes de voto baseadas em combinações de pesos demográficos com pesos económicos conduziriam ao mesmo resultado, num prazo mais longo mas não menos seguro, como se está a ver.
Mais: pertenço a um partido pela única razão de estar menos distante das posições dele do que das de qualquer dos outros; apoio o Governo que temos não obstante achar que a principal tarefa que durante algum tempo teve oportunidade de começar a fazer, a reforma do Estado - desperdiçou-a; detesto uma quantidade considerável de políticos da coligação, e governantes, uns por serem estatistas, outros de seriedade duvidosa, já para não falar do habitual lote de burros, tachistas e pedantes; e às ideias dos federalistas assumidos, como Paulo Rangel, dedico incompreensão e uma profunda aversão.
E no entanto, nas próximas eleições, e nas seguintes, lá estarei a apoiar o meu Partido e os seus candidatos: o nosso país está tão inclinado à esquerda, e há tanto tempo, que o desprezo do assim-assim, por se querer o óptimo, é a melhor receita para a derrota. Como era mesmo aquela coisa do inimigo principal e do secundário?
A esquerda teria muito a aprender com a direita sobre economia, estratégia e tática. Mas também, se aprendesse, lá está: não era esquerda - o senso está, felizmente, desigualmente distribuído.
É com solenidade e sentido de Estado que o Gremlin Literário lembra o dia 25 de Abril de 1975.
A brutalidade do calor não foi insuportável aos eleitores: em cerca de 6 milhões e 200 mil inscritos, votaram mais de 5 milhões e 700 mil, e abstiveram-se menos de 520 mil (8,34%).
Foram as eleições para a Assembleia Constituinte. A primeira a ser eleita por sufrágio directo e universal, contra a opinião e a vontade do simpático académico Fernando Rosas (e de quase toda a esquerda) que, tal como Salazar e Marcelo Caetano, considerava que o povo português "não estava preparado".
Faz hoje 38 anos.
Houve uma criatura que mentiu acerca do que Rui Ramos escreveu na "História de Portugal". E, com base naquilo que Rui Ramos não escreveu, chamou-lhe "fascista" e outros insultos.
Depois entraram os académicos (quase todos "cientistas sociais"), formaram-se as equipas, e instalou-se uma "polémica".
No jornal Público da passada quarta-feira, Fernando Rosas resolveu intervir. Pretendendo "situar a questão", pareceu-lhe "científica e civicamente relevante" discutir o que Rui Ramos escreveu sobre o século XX. Entre outras razões, porque "é um texto bem escrito" e "teve ampla divulgação". Diz que "no seu jeito de discurso do senso comum superficial e para o 'grande público', é um texto empapado de ideologia". Por fim alonga-se a argumentar, o melhor que pode, que o período da I República foi mauzote mas o período do Estado Novo foi tremendo.
Ao leitor desconcentrado, poderia parecer que "a questão", para Fernando Rosas, era apurar qual dos dois períodos da história portuguesa era o mais repugnante. Mas "a questão", para Fernando Rosas, está toda explicada nas afirmações salientadas (por mim) em itálico.
Ele sabe que esta "História de Portugal" é "um texto bem escrito". E diz que "teve ampla divulgação", uma maneira almofadada de lidar com as tiragens deste livro; a última vez que me informei, já tinha vendido 25.000 exemplares. É chato. Rui Ramos não é "de esquerda", Rui Ramos escreve bem, e Rui Ramos vende muitos livros.
Então Fernando Rosas tenta convencer-se, a ele e ao "grande público" (que eu tivesse dado conta, o jornal onde escreveu não é uma "revista da especialidade"), que Rui Ramos é "superficial".
É uma teoria genericamente aceite e com uma grande plateia, o que me espanta. Sempre que um autor academicamente respeitado é lido com prazer, os "colegas" dizem dele que é "superficial". E conseguiram vender a ideia de que um texto, para ser profundo, tem que ser ilegível - como os deles.
Fernando Rosas tem, pela sua posição académica, a obrigação de saber que isto não é verdade. A profundidade de uma ideia não se mede pelo grau da sua incomunicabilidade. Uma ideia é profunda quando é extraída, com uma pinça, do ponto mais fundamental do assunto que se está a estudar. Regra geral essa ideia, uma vez encontrada, é muito fácil de comunicar e um prazer de ler. Como acontece com Rui Ramos. Por isso se diz, dos estudiosos mais inteligentes, que depois de nos darem as respostas elas nos parecem óbvias. A melhor prova disso é a Matemática.
Mas nas "ciências sociais", bem como entre os "humanistas", tem vindo a desenvolver-se a prática oposta. Embrulhando uma teoria mal estudada numa redacção indecifrável (um exemplo que tenho encontrado com frequência é o uso da palavra "entropia", um termo científico com um significado específico, aplicado irresponsavelmente à crítica dos "fenómenos sociais"), o leitor sente-se de tal maneira asfixiado que desiste. A jogada seguinte é fácil (até porque o leitor tem boa fé, e está enfraquecido com o esforço); diz-se-lhe que não percebe porque não tem preparação.
Fernando Rosas termina (a "questão" que lhe interessa) dizendo que Rui Ramos escreveu "um texto empapado de ideologia". O termo "empapado" é bom, porque Fernando Rosas pretende afastar as pessoas da leitura (e pagamento) desse texto, e a própria palavra causa asco. Mas Fernando Rosas também sabe que não é possível escrever História sem ideologia. É possível, desejável, e difícil, escrever História sem preconceitos. Não está ao alcance de todos.
Eu termino questionando se é legítimo, e intelectualmente sério, alterar as palavras de uma pessoa para caberem no insulto que lhe queremos atirar. Foi daí que nasceu a "polémica". É esse o "debate de ideias" que eu não tenho paciência para aturar.
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