Há dias, Francisco George, numa útil iniciativa do Correio da Manhã, revelou ao País os Dez Mandamentos para melhorar a saúde dos Portugueses e prevenir o risco de uma morte prematura.
O País dedica ao que diz George ainda menos atenção do que às correntes de ar. E faz muito mal, porque os conselhos são preciosos: o primeiro Mandamento consistia em consumir água ao longo do dia, o segundo tinha que ver com a problemática da sopa e os restantes tocavam em questões delicadas como o leite, o pão "de qualidade", a fruta e as ervas aromáticas.
Que um funcionário que sustento com os meus impostos se dedique a retribuir-me com conselhos parece-me, da parte dele, uma delicada atenção. Embora, no meu caso de pessoa um tanto mal-agradecida, ache os conselhos dispensáveis e imagine que haveria porventura tarefas mais úteis e urgentes para ocupar um Director-Geral da Saúde.
Mas enfim, que seria das nossas vidas de cidadãos se o Estado, através de alguns ungidos que lhe preenchem os quadros, não nos guiasse contra os perigos que espreitam quem se permite guiar-se pela sua cabeça?
Mas, nisto como noutras coisas, o nosso atávico atraso sempre aflora a sua hedionda cabeça: Francisco vai a uma conferência e expectora os Mandamentos que lhe inspiraram os seus aturados estudos; e o Governo Irlandês, farol da tecnologia de ponta, para resolver o escândalo das mulheres que, por beberem um pouco demais, ficam com o nariz avermelhado, faz uma aplicação.
Isto incomoda-me: que a Irlanda não é maior do que nós, nem melhor, nem ocupa lugar mais saliente no ranking do futebol, nem está menos falida. Mas, lá está: para resolver um problema sério, ele é Apps para Mirror Android e iPhone, além da versão web, naturalmente; e os nossos melhores dizem umas coisas místicas ao microfone.
Assim, "não vamos lá".
É difícil esquecer a maternal Ana Jorge - que saudades do tempo em que ela me ensinava com serena autoridade a lavar as mãos por causa da última gripe mediática.
Aquela mãezinha da Nação estará porventura numa sinecura qualquer a dispensar conselhos a quem não se possa eximir a ouvi-los. E poderia pensar-se que o ferrabrás que lhe herdou o lugar, ocupado a ver se cura a gangrena do SNS, não teria tempo para dedicar à nossa vidinha de cidadãos traquinas. Mas tem, e já nos inteirou severamente que está atento a comportamentos desviantes.
São políticos, enfim, a gente dá um desconto. Mas já é mais difícil ter a mesma tolerância em relação a funcionários: este manga-de-alpaca da saúde, por exemplo, acha-se no direito de nos ensinar a comer.
Olha, Chiquinho, pá, vamos fazer um trato: Eu continuo-te a pagar o vencimento e abstenho-me de tecer considerações sobre o teu penteado, para o que tenho que fazer um notável esforço de contenção; e tu vais produzir trabalho útil, guardando os conselhos para o teu agregado familiar.
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