Já vos disse que a água de Penacova é a melhor e, vendida com marca branca Dia (mas com a origem identificada) nos supermercados Minipreço, mais barata (a 42¢ o garrafão de 5 litros) água de mesa à venda em Portugal?
Na sexta-feira fui comprar água de Penacova ao Minipreço.
Chegado à caixa, a menina da caixa com sotaque espanhol, vai daí...
- A senhora (a menina da caixa devia andar pelos 20 anos, mas é assim que eu me dirijo às pessoas) é espanhola?
- No, sô dê Benezuelá.
- Vem de longe! Antigamente iam muitos portugueses para a Venezuela.
- Más agora nô, que aquilo está muito mal. Nem se consegue comprar comida.
- Eu sei, eu sei... E como é que veio aqui parar, tão longe?
- Porque os meus pais são portugueses, e o meu pai foi assassinado.
- ... (foda-se) ...
Eu pensei isto, mas não disse. Alias, não disse nada, fiquei uns segundos que me pareceram minutos, com ar provavelmente aparvalhado, ao fim dos quais me saiu um inútil "lamento muito".
E pensei palavras ainda mais feias, e eu passei todas as férias grandes da infância e da adolescência em Melgaço e lá aprendem-se algumas, dos anormais que, em Portugal e por esse mundo fora, admiram o regime venezuelano, louvam o regime venezuelano, sonham um dia implantar cá um regime como o venezuelano, participaram também, a troco de honorários milionários pagos com dinheiro que agora o regime não tem para comprar papel higiénico nem remédios, na construção da vertente de organização e propaganda daquela catástrofe humanitária, e mereciam ser largados nas ruas da Venezuela para serem assassinados no lugar de cidadãos pacatos e trabalhadores como o pai daquela menina que, com uns 20 anos, tem mais vida vivida do que eles todos somados. A puta que os pariu!
No dia 30 de Maio de 2012 escrevi e publiquei um texto chamado “O autarca sensível”, contando a história de uma decisão tomada uns anos antes pelo presidente da Câmara Municipal de Lisboa. Não disse, mas digo agora, que o herói se chamava João Soares - a partir de hoje, o nosso abençoado ministro da cultura.
Republico:
“Nesta altura do ano rebentam as flores dos jacarandás. A cidade fica muito bonita, cheia de manchas azuis que estão primeiro penduradas nas árvores, decorando as fachadas, recortadas nas ruas, entretendo o trânsito. Depois estão no alcatrão, nos relvados, nas calçadas, nas varandas, nos telhados, e no tecido de memórias azuis que tenho no meu cérebro, em cima de um móvel de canto onde guardo os anos felizes que passei na Câmara Municipal de Lisboa.
As casas de banho novas do Parque Eduardo VII estavam quase acabadas. Só faltava decidir sobre a pintura final. Chamada a dar o meu palpite, desloquei-me à obra e pedi ao empreiteiro que fizesse um teste com três cores diferentes, numa parte da parede exterior do conjunto. Passados uns dias, após a secagem das amostras, voltei à obra para uma reunião com "os responsáveis". A fim de tomar a decisão, apresentaram-se o arquitecto (o projecto não era meu), o construtor, uma série de vereadores, e o próprio presidente da Câmara, que não quis faltar uma vez que estava "pessoalmente muito empenhado" no processo e queria assegurar-se que tudo estaria pronto para inaugurar na Feira do Livro, dali a uma semana ou duas.
Foram os últimos a chegar, e vinham do lado de cima. Ouviam com atenção a aula de história que o presidente desenvolvia, gesticulando, parando para apontar, provocando gargalhadas espontâneas e acenos de cabeça. Pareciam um grupo de crianças, as gravatas a esvoaçar, os casacos desapertados como os bibes no recreio. "De maneira que isto, por aqui fora, era tudo putas", foi a parte que ouvi quando já estavam a poucos metros.
De seguida, deram-se as apresentações. Trocaram-se apertos de mão e os vereadores trocaram olhares cúmplices e divertidos. De pé, todos dispostos em bateria, semicerraram os olhos e fizeram silêncio por uns segundos, contemplando os rectângulos de tinta colorida, concentrados a apreciar. Da boca socialista do presidente que, apesar de calado, nunca tinha chegado a fechá-la, saiu uma decisão: "Vermelho está fora de questão. Epá, para vermelho já me basta as gajas uma vez por mês".
Aturdida com a sensibilidade do poeta, com o coração enaltecido por sentir os destinos da cidade entregues a este homem enorme, distraí-me das razões que levaram à exclusão da outra cor. Mas foi assim que em Lisboa, ao fundo do Parque Eduardo VII, para servir a Feira do Livro e os aflitos do ano inteiro, nasceu um edifício de casas de banho da cor das flores dos jacarandás.”
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