Para que a Câmara Municipal de Lisboa me aprove um projecto, tenho de apresentar as cores de todos os elementos das fachadas (com as respectivas referências no catálogo RAL). Se a Câmara aprovar aquelas cores (o que não é certo), o proprietário não pode alterá-las sem um pedido de autorização prévia, que obriga à apresentação e apreciação de novo processo de Licenciamento. No entanto, discute-se placidamente a "liberdade de expressão" dos "artistas" de graffiti.
Aparentemente, o governo planeia passar a sujeitar estas "intervenções" a uma aprovação pelas câmaras municipais. Os "artistas" mostram-se naturalmente contrariados: "Epá, eu conde chego aqui é que sei o que é que o meu espírito quer pintar". E vão logo avisando: "Puto, a mim ninguém me vai impedir de pintar a Anjelamérquel a mandar nos plíticos, meu!".
Pressupõe-se que as câmaras municipais, munidas dos desenhos (e sabe Deus de quantas mais "peças" que irão "instruir o processo" de acordo com "a regulamentação aplicável") vão apreciar os pedidos. Com base no gosto, porque não podem fundamentar a decisão em mais nenhum critério, vão aprovar uns e indeferir outros. No fim, só falta cobrar a taxazinha e emitir a respectiva licença.
Quem distingue as obras de "arte" do lixo? Quem separa as "maravilhas" que "enriquecem" as cidades das simples selvajarias que destroem as fachadas dos edifícios? No entender deste governo "liberal" (já não uso "ultra" nem "neo" porque este post não é uma galhofa), as câmaras municipais estão em condições para decidir.
Pessoalmente, considero que os graffitis são quase sempre um nojo. E os marmanjos que os pintam são vândalos puros que, em lugar de colo, mereciam dos cidadãos decentes, se não castigo, o mais absoluto desdém. Mas isto é o que eu penso, e o que eu penso vale tanto como o que pensa qualquer "artista", de graffiti ou de outra "arte", e por isso não deve transformar-se em decreto.
Eu sou arquitecta. Faço essencialmente reabilitação. Sou obrigada por lei a ser membro da Ordem dos Arquitectos. E a Ordem dos Arquitectos tem a obrigação de me vigiar (não vigia: só me cobra quotas principescas e ocupa-se de fechar, em nome dos arquitectos, péssimos negócios legislativos com o Estado), de garantir que eu sei fazer arquitectura, e de me punir se eu não cumprir a lei (designadamente, expulsando-me e impedindo-me de exercer a minha profissão). Como tal, nenhuma outra entidade pública devia ser autorizada a emitir pareceres, com base no gosto, sobre os meus projectos.
Não se trata da minha "liberdade de expressão" nem da minha "arte". Trata-se da vontade dos meus clientes, que são cidadãos particulares e se dispõem, do seu bolso e de livre vontade, a reabilitar os centros históricos. E trata-se da minha experiência, da minha cultura, do meu estudo, e da minha responsabilidade profissional. Não reconheço a nenhum burocrata qualquer superioridade que o habilite a emitir juízos estéticos sobre o meu trabalho.
Conhecendo os riscos, estou disponível para aceitar, no capítulo dos graffitis, a seguinte solução: Podem expressar-se, pintar, escavacar o que entenderem desde que autorizados pelos proprietários dos edifícios. Por maioria de razão, exijo para os arquitectos a aplicação do mesmo princípio.
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