Acho bem a greve de hoje, pela mesma razão que compreendo a necessidade das válvulas nas panelas de pressão. E quanto mais entusiastas forem os jornalistas, criativos os cartazes, veementes os insultos, confiantes os comunistas que dirigem a coisa e os socialistas que se lhes colaram, bem como a massa anónima de funcionários que está em luta - melhor. A greve é uma festa, pá.
Porque realmente quem não está a trabalhar são funcionários públicos, e uns quantos do sector privado que ou são comunistas, ou têm genuínas razões de queixa, ou não têm outro remédio porque não se podem deslocar. E, sendo as coisas assim, para a maioria das funções (as excepções óbvias são a saúde e os transportes), um dia a mais ou a menos não faz diferença. E até, no que toca a uma quantidade razoável de funcionários, se entrassem definitivamente em greve seria um grande benefício, não para eles, coitados, que não escolheram povoar serviços inúteis ou daninhos, mas para quem é obrigado a sustentá-los.
Isto é, em parte, retórica, claro. Que, conforme ficou demonstrado com a recentíssima greve dos professores, a berrata e a intimidação surtem algum efeito, ao contrário do que imaginei sucederia.
Mas uma coisa é os professores fazerem uma listinha de reivindicações e darem um chega-pr'a-lá na reforma, nos outros funcionários e na troica, e outra os gerais, incluindo portanto os privados, fazerem o mesmo. Porque, se são todos, não fica ninguém para comprimir. Donde se deduz que os Arménios desta vida, e na circunstância os idiotas que lhes servem de compagnons de route, o que querem é agitação e instabilidade, reivindicando eleições não porque imaginem que as vão ganhar, mas porque o PS não fará nada de substancialmente diferente. E, não fazendo, confiam em que, de exclusão em exclusão, as massas se voltem para eles, sob a lúcida direcção do camarada Jerónimo.
Jerónimo, meu chapa, esquece: não vai suceder. Esta multidão que engrola a Grââândola vai-te cravar um facalhão nas costas nas eleições próximas, e nas seguintes, e nas outras, dando-te uma vitória histórica, com pouco mais de 10% dos votos. E mesmo acrescentando os votinhos do teu alter-ego verde, e os dos teus doentes infantis bicéfalos, não chega.
Entretanto, vamos cantando neste dia de comunhão, e chorando nos restantes.
Os Portugueses, na hora de votar, não se afastam do Centrão - nunca se afastaram do Centrão. E o que as sondagens mostram, mais uma vez, é que, se houvesse eleições agora, trocavam este governo, que não está a fazer o que disse que faria, por um governo do PS, que não faria aquilo que diz.
Cada qual é livre de interpretar a alma popular como entende. Por mim, acho que o Povo sabe perfeitamente que está a ser aldrabado, e conta com isso. O PCP, o MRPP, até mesmo o BE, tendem a ser perfeitamente coerentes - mas não vão além de 15%. Talvez chegassem aos 20%, se o eleitorado decidisse dar um murro na mesa, e a esquerda da rua veria a Revolução logo ali ao dobrar da esquina. Mas a esquerda da rua vê sempre a Revolução já a seguir, logo que a burguesia acabe de se enforcar com a corda das suas contradições.
Por ora, estamos em suspenso: o PS não quer a batata quente do Governo, Seguro espera que a "Europa" resolva o problema de alguma forma para ele ser herdeiro de um Poder perfeitamente balizado, e o Governo espera que algures no futuro se desate o nó desta situação impossível, ou se encontre um equilíbrio que não sabe bem onde está. Na sombra, vários putativos salvadores da Pátria, como o edil Costa ou o agora discreto Assis, ou ainda o filósofo Carrilho, esperam - Seguro está só a segurar o lugar para ele não arrefecer.
Todos eles contam com a "Europa", desde que esta infeliz deusa se dê ao trabalho de seguir o caminho que melhor lhes serve os interesses, coisa que para já está muito relutante em fazer.
É neste pano de fundo que se inscreve a greve geral europeia. Nas palavras oportunas de Daniel Oliveira: "Nuns casos, a greve serve para, através dos prejuízos que causa ao empregador, obrigá-lo a recuar numa imposição que se considera abusiva. Essas greves devem ser feitas antes das decisões estarem tomadas e por tempo suficiente para que o prejuízo seja tal que obrigue a uma negociação ou a um recuo. Outras greves são uma forma de manifestar uma posição. É o que geralmente acontece com as greves gerais."
Mais claro não se pode ser: "manifestar uma posição". A posição da esquerda dos países aflitos, e que é esta: quereis uma moeda única? Nós também. Mas isso cria desequilíbrios permanentes, e nós queremos governar com défices, por isso fazem favor de transferir caroço.
Fiz greve uma vez na vida: quando me recusei a contribuir com um dia de trabalho para a Nação. Mas se esta fantasia de agora tivesse a mais remota hipótese de sucesso, VV. Exªs teriam aqui um grevista de primeira apanha. Até seria capaz de ir de braço dado com um moço com aspecto de fedayeen e dizer-lhe, comovido: se isto não é povo, onde é que está o povo, pá?
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