Os azougados moços da JSD resolveram fazer um cartaz sobre o comissário do PCP para o ensino, retratando de passagem o seu adjunto com as funções nominais de ministro da Educação, e a coisa ganhou alguma dimensão de escândalo na comunicação social: é bem capaz de durar mais três dias.
Não por causa do furibundo Mário Nogueira ter apresentado queixa: esta apenas amplifica o efeito publicitário pretendido pela JSD e se o tribunal tivesse o juízo que nestas questões de direito à opinião versus direito ao bom nome com frequência lhe falha, diria ao queixoso: xô, leve lá essas merdas para o espaço público que aqui há assuntos sérios para tratar. Mesmo porém que um juiz enxerido se lembrasse de dar provimento à queixa, não há qualquer hipótese de condenação em recurso. A Mário não basta viver à custa do contribuinte como ex-professor, quer também agravar a conta ocupando como litigante o aparelho da Justiça para se lavar da inexistente ofensa, e afirmar a razão que não tem.
Ofensa, de facto, não há: o eleitor médio poderá não saber exactamente o que distingue Estaline de Lenine, e os dois de Mao, e os três de Pol Pot, Enver Hoxha, Kim Il Sung ou qualquer outro comunista que, por ter chegado ao Poder, ensanguentou as páginas da história do séc. XX com a aplicação prática de uma teoria política criminosa. Mas sabe que são todos comunas.
São, de facto, e é também Mário Nogueira. E mesmo que as inúmeras capelas marxistas se digladiem em torno de maravalhas bizantinas que separam trotskistas de estalinistas, maoístas de revisionistas, e todos de todos, e tudo isso tenha apaixonado no passado, e continue a apaixonar agora legiões de herdeiros que julgam ter actualizado a doutrina, resta que não é apenas para o leigo que se parecem todos uns com os outros: um historiador sensato (isto é, não tributário de uma análise determinista da história) dirá que entre Lenine e Estaline há uma diferença de grau, de psicologia e de circunstâncias, não de essência. Ora, Mário, decerto, não se ofenderia se lhe chamassem leninista, é mesmo capaz, pauvre type, de ter orgulho nisso - porque se haverá de ofender por o compararem ao outro assassino em nome da razão de Estado?
A acusação de estalinista dirigida ao secretário-geral da FENPROF pode talvez ofender legitimamente o grande educador da classe operária Arnaldo de Matos, que em Portugal detém a representação daquela antiga marca do verdadeiro líder, mas Nogueira - não. E mesmo Arnaldo, que deve achar tudo isto coisa de fascistas e revisionistas ao serviço do imperialismo, também não teria o direito de se queixar porque o direito à opinião existe, e tem protecção constitucional, mas o direito a sentir-se ofendido, como tal, não, muito menos no espaço da opinião pública em que Nogueira circula.
O PCP, aliás, agremiação que acolhe no seu seio Nogueira e outros propagandistas de representação, nunca se demarcou seriamente do estalinismo e não faltam comunistas que abertamente confessam o seu respeito pelo histórico criminoso. E, mesmo que assim não fosse, sempre se poderia dizer, com incómoda verdade, que o sistema que permitiu a Estaline ser o que foi é precisamente o que o PCP defende agora.
Resta finalmente que o cartaz é, a vários títulos, insultuoso sim mas para os estalinistas: o bigode suburbano, os olhos de carneiro mal morto e o cabelo mal cortado não fazem justiça ao camarada Vissarionovich, que pode ter sido o maior criminoso da história (maior ainda que Hitler, na contabilidade de mortos) mas parecia, e era, um estadista; Nogueira apenas parece, mas não é, um sindicalista, que estes defendem os trabalhadores e Mário utiliza-lhes as lutas para promover aquilo que estes, como eleitores, há quatro décadas rejeitam.
Aos oito deputados da JSD presentes no grupo parlamentar do PSD pareceu relevante perguntar quanto nos custam os sindicatos "do sector da educação". Para efeitos práticos, queriam tornar pública a sua preocupação com os custos dos sindicatos dos professores. E conseguiram algumas proezas paralelas. A mais previsível foi provocar a pergunta de sinal contrário: "Quanto custa a JSD?". Mas as consequências da "intervenção" são maiores do que isto e levantam outras perguntas.
Onde é que a JSD quer chegar? Estes deputados sabem que os sindicalistas têm os ordenados pagos pela entidade patronal, e é nesta medida que o Estado contribui para as despesas dos sindicatos. Como também são as empresas privadas que pagam os ordenados aos seus sindicalistas, e consta que os da Auto-Europa não ganham nada mal. O resto é pago pelas cotas dos trabalhadores sindicalizados, e neste assunto a Assembleia da República não pode (nem deve) meter o nariz.
Talvez a JSD esteja convencida que os sindicatos são dispensáveis, o que é legítimo. Mas até hoje não se conhece à JSD uma posição sobre o assunto. Se assim for, devem os jovens deputados apresentar uma proposta política forte, coerente, e bem fundamentada. Talvez queiram desgastar, aos olhos da opinião pública, a imagem dos sindicatos. Argumentar, como parece ser a sua intenção, que os sindicatos são prejudiciais porque significam um custo demasiado elevado nas contas do país, seria politicamente pobre e filosoficamente patético. Fundamentar estas contas no peso que têm no Orçamento do Estado os ordenados dos sindicalistas é uma estratégia tosca, desatenta, e pueril.
Desconheço quais são os custos que a JSD considera "razoáveis". A actuação pública dos petizes leva-me a desconfiar que esses custos seriam zero. E ainda assim a existência de sindicatos permaneceria uma concessão incómoda àquilo que parecem entender como caprichos da democracia, uma vez que nunca lhes ouvi apontar nenhuma vantagem. Não sei com quem é que a JSD pretende que os governos portugueses passem a negociar as medidas que afectam o trabalho e a vida dos assalariados.
O papel dos sindicatos tem-se traduzido em custos incalculáveis para o país. Ninguém sabe dizer quanto perdemos com a greve dos estivadores. As sucessivas greves dos professores, uma espécie de maldição sazonal que cai sobre os portugueses várias vezes ao ano (com perspectivas de se intensificar), representam custos económicos e sociais que estão acima de todos os luxos.
Em 1969 o Reino Unido vivia um pesadelo nas mãos dos sindicatos e Barbara Castle, várias vezes ministra e um dos mais destacados membros do Partido Trabalhista, concebeu uma proposta chamada "In Place of Strife" que previa alterações profundas à lei da greve. Não conseguiu, enquanto esteve no governo, que o seu projecto fosse executado. Foi preciso esperar 10 anos, até que Margaret Thatcher foi eleita e aplicou quase todas as alterações contidas nesse documento. Entre outras regras, a partir daí as greves tinham obrigatoriamente de ser decididas, através de voto secreto, por todos os empregados da empresa. Como é evidente, esta alteração tirou poder aos sindicalistas e reforçou o poder dos trabalhadores.
Em Portugal, os sindicatos representam as corporações (com os danos à vista). E estes deputadinhos resolvem contabilizar os ordenados dos dirigentes sindicais. Fizessem eles o que lhes compete, que é conhecer a sociedade portuguesa e representar efectivamente os interesses dos trabalhadores (que são a esmagadora maioria da população), e cada euro gasto em Nogueiras e Avoilas seria abençoado.
Espera-se da Assembleia da República que represente o povo português. Compete-lhe contribuir para o alívio das nossas dores. Se é para reflectir a nossa fraqueza, a nossa ignorância, e a nossa pesporrência, proponho para a próxima legislatura que os lugares de deputado reservados à JSD sejam sorteados entre os cidadãos que escrevem nas caixas de comentários da internet. Calculo que "os custos" em moeda sejam equivalentes. E o espectáculo de cabaré ganha outro viço se representado por degenerados livres.
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