Tal como o assassino que, no final da leitura da sentença no julgamento em que foi condenado a onze anos e meio de prisão por ter morto um jovem à facada e em plena sala de audiências fez o gesto de atirar um beijo na direção da mãe da vítima, os socialistas que, mesmo debaixo do escrutínio de uma investigação judicial durante a qual até estiveram sujeitos a prisão preventiva andam a saltitar de casa de testa de ferro em casa de testa de ferro, ou debaixo do escrutínio intenso a que é sujeito qualquer primeiro-ministro nomeiam amigos ou até melhores amigos para representar o Estado em negociações de processos de privatização para assegurar aos interesses que eles representam profissionalmente a tomada de posição no capital das empresas privatizadas, andam a gozar com a sociedade como se se soubessem abrangidos por uma imunidade qualquer e o descaramento com que gozam às claras não lhes trouxesse o risco de virem a sofrer qualquer tipo de penalização.
Cabe à justiça representar os nossos interesses investigando-os com diligência e rigor, recolhendo provas sólidas dos crimes que eles cometem e não meros indícios, suspeitas e teses que originam títulos sensacionalistas nos jornais mas em tribunal não asseguram condenações, e apresentando em tribunal processos devidamente fundamentados para que se possa fazer Justiça condenando-os a penas de prisão efectivas correspondentes aos crimes que cometem.
Porque a justiça que simula condenações aplicando medidas meramente administrativas intoleráveis para quem considera a liberdade um valor supremo que só pode ser negado por sentenças judiciais como a prisão preventiva, e consegue condenações nos jornais alimentando-os com informação parcial que nos jornais parece conclusiva mas avaliada com o rigor exigível nos tribunais não é, a justiça populista que investe no justicialismo mediático sem fazer o seu trabalho de garantir a condenação de criminosos em tribunal, não os parece assustar sequer a título de os incitar a serem minimamente dicretos no crime.
A lata deles ao fazê-lo às claras não é mais do que a avaliação que fazem da competência do sistema judicial que não receiam. E se calhar a culpa é nossa, que lhes andamos a alimentar o populismo justicialista mediático em vez de lhes exigir resultados.
No tempo em que já tinha uma boa rede de conhecimentos na justiça portuguesa, já tinha sido Ministro da Justiça, mas ainda não era suficientemente cauteloso para evitar ser escutado a organizar crimes, o actual Primeiro-Ministro António Costa foi apanhado pela justiça a organizar uma conspiração para abafar um caso judicial que envolvia o camarada de partido e Deputado Paulo Pedroso, juntamente com o actual Presidente da Assembleia da República Ferro Rodrigues, que na altura se tornou conhecido por uma frase lendária, o então Presidente da República Jorge Sampaio, e o então Procurador-Geral da República, que o anterior deveria sensibilizar no almoço que tinham marcado para esse dia para abafar o caso, impedindo o processo de chegar ao Tribunal de Instrução Criminal que estava fora do alcance da rede de influências dos conspiradores.
A conspiração saiu frustrada porque à hora do almoço o procurador já tinha chegado ao Tribunal de Instrução Criminal e entregue o processo e já não seria possível evitar que o entregasse, mas os conspiradores foram escutados a conspirar e, além de as escutas terem proporcionado reveladores retratos de cidadania dos intervenientes e um inesquecível momento de humor político, também justificaram a prisão preventiva do camarada investigado por comprovada tentativa de perturbação do inquérito, uma das razões previstas na lei para decretar prisão preventiva.
Mais tarde, durante o inquérito, uma das testemunhas ouvidas, um antigo director da Direcção Central de Combate ao Banditismo à época em que a Polícia Judiciária tinha sido tutelada pelo Ministro da Justiça António Costa, um dos homens da tal rede de conhecimentos, revelou que, num almoço com o antigo Ministro uma semana antes de o caso vir a público no dia em que o Deputado foi detido na Assembleia da República, ele lhe tinha revelado que o Deputado estava referenciado no caso Casa-Pia de Lisboa com indícios consistentes, e o seu camarada de partido Ferro Rodrigues também, mas com indícios menos consistentes.
O actual Primeiro-Ministro foi portanto apanhado a conspirar para interferir num processo judicial envolvendo as mais altas figuras do Estado, incluindo a mais alta de todas, o que constitui um crime, e a ter conhecimento antecipado de processos judiciais de que nessa altura não devia ter por estarem em segredo de justiça, o que constitui outro crime, mas por estes crimes não foi incomodado pela justiça, exceptuando os danos de reputação que lhe possam ter sido causados pela revelação mediática das escutas onde foi apanhado.
Danos que, a avaliar pelo seu percurso político e mediático subsequente, Ministro da Administração Interna e número dois do primeiro Governo José Sócrates, Presidente da Câmara de Lisboa quando o então presidente do PSD Luís Marques Mendes forçou a queda da Câmara PSD pela demissão dos Vereadores que lhe acolheram a ordem de demissão, comentador residente no canal de televisão do Pinto Balsemão, e finalmente secretário-geral do PS, para não falar de Primeiro-Ministro apesar da derrota eleitoral, não lhe parecem ter sido fatais.
E alguma coisa deve ter aprendido, porque, desde essas, nunca mais foi apanhado com a boca nas escutas.
Se a rede de conhecimentos na justiça lhe tem dado jeito, para além de almoços ocasionais com antigos colaboradores, não sabemos? O facto de não haver conhecimento público de ter sido mais alguma vez mais apanhado na malandragem pode ter um de três motivos: ou nunca mais andou na malandragem; ou continuou a andar mas aprendeu a comunicar sem recorrer a meios de comunicação interceptáveis ou interceptados pela investigação judicial; ou continuou, e foi interceptado, mas tem a sorte de daí não lhe terem sido criados problemas. A sorte constrói-se, como dizia o seleccionador nacional Luís Felipe Scolari.
Mas uma coisa sabemos. Sabemos que ele tomou conhecimento da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa de transferir para a justiça angolana o processo por corrupção do antigo Vice-Presidente de Angola Manuel Vicente uma semana antes da publicação do acordão. Sabemo-lo porque, todos os aldrabões têm aquele momento de descuido em que falam verdade correndo depois a desmenti-la com uma mentira para não habituar mal o público, ele revelou-o numa entrevista. O gabinete emitiu depois um comunicado a explicar que ele tinha dito na entrevista que sabia da transferência do processo há uma semana porque apenas tinha tido conhecimento no próprio dia mas pensava que a entrevista só seria transmitida na semana seguinte, explicação que deve ter sido suficiente para esclarecer os mais fiéis dos seus fiéis, os que não se importam de passar por tontinhos para mostrar a força da sua Fé no querido líder, e mostra que ele está em grande forma no exercício da aldrabice.
Não foi nada inesperado. Já percebemos que, pelo menos desde que passou pela pasta da Justiça, ele conhece algumas decisões judiciais antes de serem tornadas públicas. Tem artes de adivinhação. Ou então tem uma rede de magistrados que não se importam de o ir mantendo informado, directamente ou partilhando a informação com outros magistrados ou conhecidos que lha fazem chegar.
Isto é grave?
O Primeiro-Ministro não deve saber o resultado de uma decisão ou providência judicial um minuto que seja antes de ela ter sido tornado pública e, portanto, disponível para todos os cidadãos que estão interessados em tomar conhecimento dela. Mas tomar conhecimento de um acordão sem usar a informação recebida para qualquer iniciativa ou decisão, nomeadamente sem dar conhecimento público dela, não parece excessivamente grave. É como se o juiz tivesse confidenciado à mulher, ao jantar, neste caso vou mandar fazer buscas na casa do fulano, não achas que faço bem? e o segredo tivesse ficado ali entre eles.
Mas se fulano fosse das relações da mulher e a mulher aproveitasse a inconfidência para o avisar que ia haver buscas na casa dele já seria grave. A informação sobre o que a justiça anda a fazer permite aos malandros andar sempre um passo à frente dela e fazer as malandrices com impunidade.
E o Primeiro-Ministro é gente para usar a informação que lhe chega para ajudar amigos a fugir à justiça?
É. Já o fez.
Por isso, eu posso ficar indignado por ele nunca ter sido apanhado na malandragem mesmo quando eu desconfio que anda. Mas, surpreendido, não fico.
Em Portugal pode uma juiza de quem já foi provado em tribunal que um solicitador subornou para comprar uma sentença, e por se ter provado o crime o solicitador foi condenado a pena de prisão, se bem que a juiza nem sequer tenha sido submetida a julgamento porque o Supremo Tribunal de Justiça não considerou as provas que o condenaram a ele suficientemente credíveis para sequer a levar a ela a julgamento e arquivou o processo, chegar ao Supremo Tribunal de Justiça? Pode.
Em Portugal a magistratura funciona como uma corporação que protege os seus mesmo quando são apanhados a cometer crimes, mesmo crimes no exercício das suas funções de magistrados? Cada um que tire as conclusões que a sua consciência lhe ditar e que profira a sua opinião em público se considerar que em Portugal e liberdade de expressão é suficientemente respeitada para a poder proferir em público sem receio de ser penalizado por ela.
Em Portugal a magistratura confronta judicialmente cidadãos poderosos? Já confronta judicialmente cidadãos poderosos como governantes socialistas, grandes banqueiros ou dirigentes desportivos mas, no domínio de confrontar judicialmente magistrados judiciais, ainda tem tudo para provar. E não é pouco.
Há vinte anos, tinha acabado de deixar de ser primeiro-ministro o Professor Cavaco Silva, um solicitador foi levado a tribunal por ter subornado uma juiz de direito com quinze mil contos, bom dinheiro agora e uma pequena fortuna à época, para tomar uma decisão a favor de um seu cliente. Como é de preceito sempre que um processo criminal envolve juízes de direito, a participação da juiz foi separada do processo ao solicitador e deu origem a um processo autónomo levado à apreciação do Supremo Tribunal de Justiça para decidir sobre a sua submissão a julgamento.
No julgamento do solicitador os indícios existentes no processo foram considerados suficientemente sólidos para provar o crime de que era acusado, e ele foi condenado a pena de prisão. No STJ, os indícios existentes no processo foram considerados demasiado débeis para justificar sequer levar a juíza a julgamento, e o processo dela foi arquivado. O caso, que ainda teve umas sequelas nos jornais e noutros tribunais envolvendo jornalistas, um dos quais familiar da juíza, e indemnizações que não vêm ao caso, acabou com a condenação do solicitador por ter subornado a juiz e a ilibação desta por não haver nada que provasse que tinha sido subornada. Dois pesos, duas medidas.
No caso bem mais recente dos Vistos Gold, de que já foi deduzida a acusação mas ainda aguarda julgamento, também foram apanhados dois juízes de direito a alegadamente cometer crimes.
Um, com competências e responsabilidades no domínio dos serviços de informações, foi apanhado a alegadamente ajudar o principal réu a detectar e neutralizar os dispositivos de escutas que lhe tinham sido colocados no gabinete pela Polícia Judiciária. A ser verdade, cometeu um crime de perturbação do inquérito na forma consumada, crime que tem sido usado como argumento para sujeitar paletes de arguidos à situação, que não à pena, por ser uma decisão admnistrativa de um juiz de instrução e não uma decisão judicial de um tribunal, de prisão preventiva. O outro a alegadamente meter uma cunha ao principal réu para tentar vender a candidatos ao Visto Gold por uma pequena fortuna, três milhões de euros, um apartamento na cidade de Leiria onde nenhum apartamento vale sequer uma fracção do que vale o apartamento do amigo do José Sócrates no centro de Paris. A ser verdade, cometeu um crime de peculato na forma tentada.
O processo principal seguiu o seu percurso e acabou por resultar, pela força da solidez dos indícios, na acusação a uma data de gente, incluindo um ministro do governo anterior, e os processos autónomos aos dois magistrados submetidos à apreciação do STJ foram, também desta vez, arquivados pela força da debilidade dos indícios. Dois pesos, duas medidas. Mais uma vez.
E no intervalo entre estes dois casos não sei, porque não sou jornalista de tribunal, quantos mais terá havido em que magistrados judiciais foram dispensados de ir a julgamento por terem sido indiciados por crimes comuns por falta de solidez dos indícios que, no entanto foram considerados pelos tribunais que julgaram os outros participantes como suficientemente sólidos para constituirem provas dos crimes que indiciaram? Não sei, mas um único já seria demais.
Significa isto que alegadamente a magistratura judicial atribui a alguns dos seus membros, através da desvalorização subjectiva de indícios que no entanto são valorizados quando incidem sobre cidadãos comuns, uma imunidade na prática de crimes comuns que não está na lei nem há nenhum fundamento para aplicar? Alegadamente pode significar, mas quem sou eu, que nem sou juiz de direito nem sequer jurista, para julgar?
Vem isto agora a propósito do juiz desembargador que saltou para os títulos dos jornais por, com base numa mistura de preceitos bíblicos e um conceito de justiça medieval ou mesmo mais antiga, ter produzido um acordão onde considera, não apenas não condenáveis, como até louváveis, as agressões dos homens enganados às mulheres adúlteras que os enganam.
O caso tornou-se mediático, não por ser inédito, o mesmo juiz já tinha despachado com fundamentos semelhantes casos semelhantes, mas por se ter tornado mediático. E o Conselho Superior da Magistratura, o orgão disciplinar dos juízes composto por oito juízes, o presidente do STJ, um conselheiro, dois desembargadores e quatro juízes de direito, eleitos pelos juízes, dois vogais nomeados pelo PR e sete nomeados pela AR, ou seja, onde os juízes não têm formalmente a maioria se bem que se possa admitir que na prática acabem por ser eles a determinar a dinâmica de funcionamento do orgão, já se pronunciou e deu a entender que é possível que não faça nada, porque "nem todas as proclamações arcaicas têm relevância disciplinar". Isto num país em que se pondera com fundamento legal levar à justiça um comentador de televisão por dizer que não queria casar com as bloquistas, nem dadas, ou uma editora de livros escolares por lançar livros de exercícios para as férias em versões para menino e para menina. Dois pesos, duas medidas, para variar.
O que já se devia ter tirado disto tudo, e de tudo o que o precedeu até à origem dos tempos, é que, se calhar, ou talvez já se possa ir dizendo que certamente, a arquitectura actual do sistema disciplinar e judicial que sujeita os magistrados, baseado na fiscalização inter pares, não consegue responder simultaneamente à independência e irresponsabilidade que os magistrados devem ter para poderem administrar livremente a justiça, e à vigilância e exigência que a sociedade deve exercer sobre o trabalho deles. Em nenhuma área da actividade humana a auto-fiscalização é suficiente, mas apenas a fiscalização independente, e seria um milagre se funcionasse na justiça.
E eu já sou velho para acreditar em milagres.
É óbvio que a EDP obteve benefícios avultados do regime dos CMEC que lhe foi concedido pelo governo do José Sócrates.
É óbvio que a bolsa para leccionar uma cadeira na Universidade de Columbia concedida ao ministro Manuel Pinho quando saiu do governo (por ser parvo, sublinhe-se) é uma compensação por ter beneficiado a empresa enquanto foi governante, mesmo se não é tão óbvio como as nomeações para presidentes das empresas que fizeram enriquecer dos ex-ministros Ferreira do Amaral e Jorge Coelho.
O que não é tão óbvio é que haja matéria para uma condenação judicial dos envolvidos, mesmo se é apetecível vê-los condenados por ser óbvio que prevaricaram beneficiando a empresa e beneficiando-se a si próprios, e prejudicando todos os consumidores.
É que a justiça não condena pelo que é óbvio, condena pelo que é provado, e para provar a ligação entre dois factos é necessário mais do que a verificação de ela ser óbvia e de eles se terem sucedido um ao outro no tempo. Aliás, se funcionasse pelo que é óbvio, ou pelo que é óbvio para muita gente, muita gente considera obviamente corrupto o Pedro Passos Coelho, no entanto o mais honesto ex-primeiro-ministro de Portugal e o único que leva uma vida, e acumulou um património, de classe média, e ele poderia bem ser condenado por corrupção.
E provas de que os factos estão ligados por correntes de corrupção podem, por exemplo, consistir em registos de promessas, concretas (se isto correr bem a gente concede-te uma bolsa) ou mesmo genéricas (se isto correr bem para a gente também corre bem para ti), dos gestores da empresa aos governantes de que seriam beneficiados se o negócio se concretizasse. Não a minha convicção, que é de que estão mesmo ligados, ou a vossa.
De modo que os que têm uma confiança infinita nos agentes da justiça para moralizar a rebaldaria em que se deixou impunemente, também pela passividade da justiça, transformar a relação entre os negócios e a política em Portugal podem acreditar que efectivamente a justiça tem provas das suspeitas que tornou públicas ao fim destes anos todos e vai entregar ao tribunal um processo à prova de bala que resultará em condenações judiciais dos criminosos. Eu, que não a consigo ter, acredito que as têm se, e quando, as vir.
Se não tiverem é pena, porque mais uma vez os criminosos continuarão impunes.
Há décadas atrás, o advogado António Pinto Ribeiro foi o rosto mais mediático do Forum Justiça e Liberdades, uma associação de advogados que se dedicava a denunciar abusos e arbitrariedades da justiça e do estado portugueses que punham em causa direitos fundamentais e liberdades de cidadãos. Entretanto, o advogado transformou-se numa figura do regime, pelo menos nas suas fases socialistas, ora como administrador não-executivo de empresas com capital público, ora como governante, e o Forum deixou de ter uma voz pública para além de referências melancólicas em entrevistas. Que, aliás, vale a pena ler.
Mais recentemente tem germinado em Portugal um populismo judicialista, a reboque de a justiça ter passado a perseguir, às vezes exemplarmente, o que significa mais do que a medida certa e recorrendo a truques baixos que passam para além do rigor e da lealdade processual que deve ser característica da administração da justiça, alguns, repito, alguns, dos ricos e poderosos que durante décadas ela própria deixou andar descaradamente impunes.
Ter passado de os deixar impunes a persegui-los foi uma grande vitória da sociedade, mesmo se se pode suscitar alguma dúvida sobre a bondade da motivação para esta mudança, se se terá devido à nobre preocupação de fazer justiça? ou à menos nobre de limpar uma imagem pública de tolerância excessiva construída ao longo de décadas de passividade ou, pior ainda, de concessão implícita de imunidade pela mesma justiça que agora se mostra dura?
Mas a euforia com que a sociedade tem acolhido este recente rigor na perseguição aos ricos e poderosos pelos mesmos que até há poucos anos lhes davam rédea solta, e é preciso perceber que a primeira é a consequência directa da segunda, também a tem encorajado a fechar os olhos a abusos que a justiça continua a cometer. Como se os bananas que antes se desprezavam por fechar os olhos ao crime se tivessem transformado por milagre em justiceiros exemplares em quem se deve confiar cegamente e que é censurável criticar.
Quem é que, por fazer críticas à violação do segredo de justiça, que é um crime, pela própria justiça (e pelo menos as violações feitas em fases processuais em que só a justiça tem acesso ao processo são mesmo feitas pela justiça), nunca ouviu respostas como "agora estás a defender os pedófilos?" ou "agora és amigo do Sócrates e ele é um anjinho e a justiça é que é má?"? Ou aos avisos de que alguma justiça, a que salta para o palco mediático a divulgar a torto e a direito suspeitas e suposições como se fossem factos provados, parece mais esforçada em obter condenações na opinião pública, onde é fácil acreditar em tudo o que pareça plausível e confirme suspeitas prévias, do que nos tribunais, onde as suspeitas e suposições não passam disso e não têm valor se não forem provadas, e que a consequência disto é a censura social mas a imunidade judicial dos suspeitos? Eu ouvi.
Quem é que vê alarme social quando magistrados apanhados a cometer crimes em casos de corrupção mediáticos em que os restantes implicados são constituídos arguidos, acusados e, se a justiça acabar mesmo por funcionar como agora sugere que funciona, condenados em tribunal, são retirados do processo e alvo de processos autónomos que os tribunais superiores sistematicammente prescindem de levar a julgamento, oferecendo-lhes corporativamente uma impunidade que não está no espírito nem na letra da lei? Eu não vejo, excepto nalgumas das publicações que eu faço aqui e têm as mesmas consequências que o discurso de um bêbedo a um candeeiro de rua a altas horas da madrugada.
Quem é que se indigna com o facto de crimes económicos e fiscais, em que só está em causa dinheiro, receberem em tribunal condenações mais pesadas que muitos crimes de sangue, e dos mais terríveis, como violações ou homicídios, o que é o outro lado de os crimes de sangue serem penalizados de forma mais leve do que os crimes de dinheiro? Uma ínfima minoria, a das pessoas excêntricas como eu que dão mais valor à integridade e à vida humanas do que ao dinheiro, e logo são esmagadas pela censura dos que, ou porque atribuem aos crimes económicos as consequências mais terríficas que merecem as penalidades mais radicais, ou porque consideram que não se perde grande coisa quando se perdem vidas, consideram a indignação aberrante e os tribunais virtuosos.
Etc, etc, etc...
Qual é o segredo deste populismo judicialista que endeusa os magistrados e censura qualquer crítica que se lhes faça ou sequer dúvida sobre a excelência do trabalho que fazem? É o mesmo de todos os populismos. Parte de um problema sério que as pessoas levam a sério, a impunidade judicial dos ricos e poderosos, promete-lhe uma solução, passar a puni-los duramente, e usa muita comunicação para credibilizar a promessa com base na autenticidade do problema, e não na capacidade de o resolver. De tão entusiasmadas com a promessa de mudança, as pessoas não se dão à maçada de duvidar dela para perceber se é promessa credível ou enganosa, nesta caso específico nem sequer de reparar que a promessa de erradicar o problema vem dos mesmos que o causaram, e têm raiva a quem se dá. Com mais atenção, a credibilidade percebida da promessa assenta na presunção de que os que prometem são tão íntegros e capazes que conseguirão cumprir. Presunção que não é necessariamente comprovada pelos factos.
E qual é o resultado esperado desta inflexão da justiça no sentido de perseguir duramente quem antes deixava seguir em paz? É conseguir garantir condenações nos jornais, mas não necessariamente nos tribunais. Sendo que esta última não é muito grave se entretanto se conseguirem enumerar boas desculpas, como os excessos de garantismos da lei que os políticos eleitos fizeram, ou os alçapões que lhes deixaram, ou a falta de meios racionados pelos políticos austeritários. Ou melhor, é grave, porque a justiça continuará a não funcionar, mas não para os populistas que a prometem, porque a culpa cai em cima dos políticos.
O normal dos populismos.
Entretanto, no mundo real, vão sendo cometidos atentados a direitos fundamentais e às liberdades de cidadãos, nomeadamente à liberdade de expressão.
Do lado dos políticos, o José Sócrates tornou-se lendário por mandatar os advogados mais ilustres para colocarem processos judiciais pedindo indemnizações milionárias que arruinariam qualquer cidadão comum para aterrar os jornalistas que o criticavam. Surpresa nenhuma, é de políticos como ele que contamos com os magistrados para nos defenderem, e a boa notícia é que defenderam mesmo, os jornalistas acabaram absolvidos, e a liberdade de expressão acabou por vingar.
E do lado dos magistrados? Os magistrados também processam com pedidos de indemnização milionários jornalistas que os criticam. Mais requintado ainda, processam os jornalistas e as mulheres deles. A má notícia é que, sendo estes processos julgados por colegas dos magistrados que os colocam, a liberdade de expressão é atirada às malvas e os jornalistas, e as mulheres deles, acabam por ser condenados em tribunal.
A boa notícia são duas.
Uma, que o Tribunal Europeu, a que os cidadãos condenados pelos tribunais nacionais podem recorrer quando acham que não lhes foi feita justiça, tem privilegiado sistematicamente a liberdade de expressão ao direito dos estadistas e dos magistrados de não serem criticados pelos outros cidadãos. E tem condenado o estado português por desrespeitá-la.
Outra, que o advogado Francisco Teixeira da Mota, que já tinha intervenção pública no tempo do Forum Justiça e Liberdades, em que era impopular fazê-lo, também para denunciar abusos da justiça e do estado e atropelos aos direitos fundamentais e à liberdade dos cidadãos, continua a tê-la, agora que é de novo impopular fazê-lo. E vai dando conta dos casos que vê. Faz mais pela exigência de rigor na administração da justiça portuguesa sem o qual ela não faz justiça do que os justiceiros que dão espectáculo nos jornais em vez de trabalharem para obter condenações em tribunal e os que vêem neles a salvação.
Eu bem sei que depois de décadas da mais absoluta impunidade dos corruptos, dos poderosos e dos ricos, a população estava sequiosa de alguém que lhes pusesse a mão em cima.
Eu bem sei que a justiça portuguesa, num sentido lato que abrange desde os legisladores, aos orgãos de investigação criminal, às magistraturas, estava condenada ao descrédito absoluto se não desse um golpe de rins nesta impunidade que deixou correr ao longo de décadas.
Eu bem sei que nos últimos anos a justiça arrepiou caminho e começou a perseguir alguns dos realmente corruptos, dos realmente poderosos e dos realmente ricos, não tenho a certeza se, por vezes, não ultrapassando a boa administração da justiça para montar um espectáculo mediático à base de violações do segredo da justiça, de entrevistas a magistrados que deviam permanecer discretos e têm poderes que dispensam a popularidade, e da ampla divulgação de meras suspeitas da investigação ou hipóteses por provar como se fossem as acusações solidamente provadas.
Eu bem sei que neste tempo novo judicial em que a justiça passou a perseguir os corruptos, os poderosos e os ricos, quem critique a justiça ou questione se ela não ultrapassa por vezes os limites da legitimidade e mesmo da legalidade neste espectáculo mediático corre o risco de ser apontado como lacaio ao serviço dos corruptos, dos poderosos e dos ricos por todos os que passaram décadas a ambicionar vê-los um dia ser perseguidos e para quem qualquer condenação é sempre insuficiente para o que considera que eles merecem.
Eu bem sei que qualquer iniciativa de legisladores no sentido de impedir ou limitar os abusos, se é que os há, da investigação criminal será fulminada pela suspeita pública de constituir uma tentativa de os políticos se protegerem uns aos outros, o que constitui um incentivo muito sério para deixar correr a administração da justiça tal e qual ela está.
Mas, porra!*, não há mais ninguém que ache uma inversão de valores aberrante, perversa e mesmo desumana, autores de crimes de colarinho branco que não atentaram contra mais do que o dinheiro dos outros, ou o de todos nós, e por múltiplos e maiores que possam ser os crimes contra o dinheiro que tenham cometido, serem condenados judicialmente a penas mais pesadas do que autores de crimes horríveis contra a vida? Mais ninguém acha que se está a valorizar mais o dinheiro do que a vida?
Eu acho, e sinto nojo por isso.
* Para quem sabe que sou um minhoto de raízes e coração, caralho!
Conta a lenda que um primeiro ministro sem melhores amigos terá desabafado "Era só o que faltava, dar dinheiro dos contribuintes a esse vigarista" quando o Dono Disto Tudo lhe foi pedir algum para juntar as pontas no fim do mês e pagar as contas, e nesse dia, ao Dono Disto Tudo, os negócios ruiram e passou de DDT para CDC, ou Criminoso de Delito Comum.
Até aí tinha acumulado um património pessoal e familiar catita, mas muito longe de ser suficiente para cobrir sequer o fundo das crateras que tinha aberto no banco familiar e nas empresas geridas por amigos para tentar tapar a cratera ainda maior que tinham aberto no empreendedor grupo familiar as aventuras no mundo dos negócios que tinham dado para o torto.
Nunca tinha sido incomodado nessas aventuras pelos erradamente chamados reguladores da banca e do mercado de capitais, tal como os seus negócios desenvolvidos em diversos sectores de actividade, e a construção civil em áreas de paisagem protegida é um negócio como outro qualquer, nunca tinham sido beliscados pela burocracia que, a outros, infernizava há décadas a vida à mais pequena pretensão de substituir uma telha partida ou o vidro de uma janela numa casa de propriedade privada mas sujeita ao controlo da comunidade quando estava localizada numa zona onde a paisagem era protegida para mais tarde ele, e poucos como ele, poderem construir resorts que não tivessem a vista perturbada por casas de vizinhos pindéricas com marquises de alumínio. Nem por estes reguladores todos, nem pela justiça. Um cavalheiro de outros tempos, em que a palavra e um passou-bem de um cavalheiro era garantia suficiente da idoneidade de qualquer negócio e lhe abria todas as portas. Todas até à desse primeiro ministro que, pela primeira vez, não lhe abriu a porta nem lhe colocou à disposição a chave dos nossos cofres.
O colapso do grupo familiar e, em cascata, do banco familiar, fez vítimas. Empresas geridas por amigos que lhe tinham confiado pequenas fortunas, que é um eufemismo de grandes fortunas, amigos que lhe tinham confiado as suas poupanças, e ele tendia a ter amigos de bastante poupança, mas também anónimos a quem, sem os tais reguladores tugirem nem mugirem, o banco tinha vendido gato por lebre. Todos ficaram a arder.
Para resumir e isto não ficar demasiado longo com detalhes, a justiça, que nunca o tinha incomodado enquanto foi o DDT, correu a tratá-lo como um CDC e arrestou os bens dele e da família, entre os quais a belíssima casa da Comporta que ilustra esta publicação, para garantir uma pequena fracção, a que era possível cobrir pelo valor dos bens arrestados, das indemnizações que um dia a justiça tratará de mandar pagar aos credores do banco e aos lesados.
Chegados aqui, acabaram de chegar duas notícias excelentes para os contribuintes.
A primeira é que o melhor amigo do primeiro ministro, que tem negociado em nome do Estado a procura de soluções para problemas onde estão em jogo interesses de outros amigos do primeiro ministro, além do interesse público, sendo que, normalmente, quando mais se puxa a manta para um dos lados, o dos amigos, mais o outro, o dos contribuintes, fica ao frio, acabou de chegar a acordo com os lesados do BES para uma solução que lhes vai garantir a recuperação de uma parte do dinheiro que perderam. Recupera o emigrante e o dono do minimercado que perderam as poupanças de uma vida enganados pelos seus gestores de conta, que as televisões nos mostram de vez em quando, recuperam os amigos e familiares como o Ricardo Araújo Pereira ou o Miguel Sousa Tavares que tinham perdido bastante, mas não tudo, devido a praticarem estratégias de investimento diversificado e espalharem as poupanças por várias instituições e até, talvez? por várias praças financeiras. Quem vai pagar? A massa falida, os bens arrestados à família, etc, etc, etc.., a conversa habitual. Quem vai realmente pagar, uma vez que isto não chega a ser próximo de suficiente? Os contribuintes.
Bem hajam, António Costa e o seu melhor amigo, por nos darem a oportunidade de resolvermos com o nosso dinheiro os problemas destas pessoas.
Mas há mais uma boa notícia. A casita de Comporta, a tal que foi arrestada e vale mais de um milhão de euros, não sei se em valor se mercado, se em valor patrimonial e nesse caso vale ainda mais em valor de mercado, construída entre 2008 e 2011 sem grandes obstáculos da Câmara Municipal de Grândola gerida pela vereação, quem mais? socialista, nem das diversas entidades licenciadoras do governo, quem mais? socialista do José Sócrates, afinal parece que é ilegal. E a justiça, a mesma que nunca o incomodou enquanto foi o DDT mas, mal caiu em desgraça, correu a zurzir nele para nos demonstrar que para a justiça não há DDTs e somos todos iguais, pediu a demolição da casita. É verdade que, se a casa for demolida, o milhão ou mais de euros da receita da sua venda futura, que contribuiria para pagar as indemnizações aos lesados do BES, se evapora, e essa parte da indemnização ficará também por conta dos contribuintes. Mas é por uma boa causa, a protecção do ambiente.
Bem haja, justiça portuguesa, por nos dar a oportunidade de resolvermos com o nosso próprio dinheiro os problemas do ambiente.
Os comandos são treinados para fazerem coisas que nem eu nem os leitores conseguiriamos fazer, mesmo que um dia perdessemos o juízo e ousassemos tentar. Por exemplo, resgatar um refém de um bando de talibans prontos a matar tudo o que mexe aprisionado numa caverna algures nas montanhas do Afganistão. Ou, num processo revolucionário de transição para a democracia ou para a ditadura, neutralizar unidades militares que aprisionam e torturam inimigos de forças políticas extremistas sem nenhuma representatividade popular que, por via da força da rua, estão na mó de cima. Coisas feias que podem envolver o risco de ser morto, e ser mesmo morto quando se falha, e a necessidade de matar. De ser mau.
A justiça está em vias de declarar inapropriado, e até carregado de crimes, o treino de comandos baseado no abuso de autoridade e nas ofensas à integridade física e à personalidade motivadas pelo "ódio patológico, irracional" dos instrutores aos instruendos que consideram inferiores por ainda não fazerem parte do grupo de comandos cuja supremacia apregoam. Acho bem. Também não gostaria de descobrir que os meus filhos tinham sido tratados deste modo nas escolas que frequentaram. Nem eu próprio, apesar de ser do tempo em que cada erro no Ditado era cotado com uma reguada na mão, fui alguma vez sujeito a tratos desses, talvez por ter tido a sorte de não fazer muitos erros. Dignidade acima de tudo.
Chegado aqui, e sendo certo que considero que o treino de comandos não deve matar nem incapacitar candidatos, devo confessar que não tenho nenhuma ideia clara de que treino é necessário ministrar para conseguir transformar jovens voluntariosos candidatos a uma força de elite em militares com coragem, força, resiliência e resistência suficientes para conseguirem desempenhar com sucesso missões de dificuldade e perigosidade extremas em que a mais pequena falha ou insuficiência pode resultar na morte deles e no incucesso da missão, muitas vezes insucesso da missão significando outras mortes de inocentes que a missão pretendia proteger? Haverá alternativas ao treino duríssimo e, pelos vistos, carregado de ilegalidades como agressões e injúrias, mesmo que não sejam derivadas, como diz a justiça, de ódio patológico e irracional aos candidatos, mas cometidas racionalmente para os habituar a operar em situações de stress extremo? Tenhamos esperança que sim.
Em alternativa, talvez os comandos pudessem fazer um treino fisicamente mais leve, mas lúdico e estimulante, que até candidatas ao Miss Portuguesa pudessem frequentar, mais baseado em estratégias de aprendizagem inovadoras, no respeito pelo indivíduo e na aceitação do outro e das diferenças do que na supremacia do grupo e na sobrevivência pessoal a todo o custo em situações limite, preferencialmente com a possibilidade de acumular créditos em unidades curriculares em acampamentos livres de hierarquias e de opressões onde pudessem desafiar os papéis do género e os pudores em experiências de tocar em pessoas do mesmo género, binário ou não, e expandir os horizontes da percepção através da inalação de substâncias psicoactivas, não deixando de oferecer passagem administrativa aos instruendos quando fossem apanhados a copiar nos exames para não os traumatizar, como acontece na formação de outras corporações. Em suma, talvez se pudessem formar comandos felizes em vez de comandos maus. Podia-se até substituir a designação Comandos, com a sua carga desigual e hierárquica, por uma mais igualitária, como por exemplo Confrades. Isso sim, seria muito bom.
É verdade que, se por uma volta qualquer do destino fosse eu que um dia me apanhasse refém de um bando de talibans na tal caverna escondida nas montanhas do Afganistão, preferiria ser resgatado por um grupo de comandos maus que entrassem por ali dentro a liquidar os raptores e a retirar-me de lá vivo, a ser resgatado por um de procuradores que mandassem notificar os raptores do crime que estavam a cometer e das medidas de coação, ou por um de confrades pacifistas que incentivassem a resolução da situação através do diálogo, do respeito mútuo e, talvez, da partilha de um charro.
Mas isto sou eu que sou egoísta e penso mais na minha sobrevivência do que na felicidade deles.
Exceptuando um processo judicial de cobrança de uma dívida comercial de que fui autor, e ganhei, se bem que depois não tenha conseguido receber a dívida, porque as sentenças judiciais que determinam o pagamento de dívidas, ao contrário das criminais, não são de acolhimento obrigatório pelos réus, nem a justiça faz nada para os encorajar a cumpri-las, e alguns familiares com profissões judiciais, não tenho tido ao longo da vida grande exposição directa ao mundo da justiça, nem como magistrado, nem como operador judicial, nem como cliente, activo nem passivo. E estou muito bem assim, como se prova adiante.
Pelo que a minha estatística é provavelmente tendenciosa, porque meramente baseada nos casos que chegam aos jornais. E, nos casos que chegam aos jornais, a justiça portuguesa parece ter o hábito de deter arguidos à quinta-feira, e levá-los para outra cidade, para serem presentes ao juiz de instrução apenas na sexta, depois de trazidos de volta à cidade de origem, pelo que uma noite na prisão nunca ninguém lhes tirará, quando não na segunda ou terça seguintes, mantendo-os presos durante quase uma semana. Por vezes, rumores não confirmados sugerem que nem banho podem tomar nem mudar de roupa durante esse dia ou dias de espera.
Existem certamente alguns bons motivos para, em circunstâncias muito específicas, um magistrado ordenar a detenção imediata de arguidos antes do dia em que tem preparação ou disponibilidade para os interrogar, fazendo-os passar uma ou mais noites na prisão: evitar a consumação de um crime iminente; ou a fuga de um arguido; ou a destruição de provas. Mas, noutras circunstâncias, não consigo imaginar motivos que não sejam uma desprezível falta de respeito pelos direitos dos cidadãos e, acima de tudo, pela liberdade dos cidadãos.
Nestes casos a detenção antes de tempo parece uma praxe destinada a integrá-los no sistema prisional, habituando-os desde a primeira hora do seu processo, ou de antes da primeira hora se se considerar início do processo o primeiro contacto com o magistrado à ordem de quem são detidos, à privação de liberdade, não para cumprimento de uma pena judicial que só foi decretada depois de correr um processo nos termos exigidos pela lei e pelos princípios do estado de direito, nem sequer com uma medida de prisão preventiva decretada de acordo com as exigências legais para a sua aplicação, que de facto são nenhumas, mas adiante, mas por um mero acto administrativo para os manter disponíveis para quando o magistrado tiver preparação, ou disponibilidade, ou vontade para os receber.
Uma praxe que denota que, na sua hierarquia de valores, ou por natureza, ou por formação profissional, ou até por deformação profissional, estes magistrados colocam a liberdade (dos arguidos) atrás da conveniência administrativa (dos tribunais) ou até da (sua própria) conveniência pessoal. Além de parecerem pouco esforçados a tentar montar uma operação logística, que raramente será tarefa impossível, que garanta a audição dos arguidos sem os ter feito antes passar pela prisão.
Uma praxe violenta para quem, ao contrário deles, coloca a liberdade acima dos valores usados para fundamentar estas privações de liberdade pré-penais e até pré-processuais, para não falar de quem é forçado a passar a sua primeira noite, ou série de noites, na prisão, que, vista de fora, não parece uma coisa muito diferente de ser sequestrado por bandidos.
Mas, como eu não sou comunista, nem sindicalista, nem judeu, fico aqui bem caladinho. Desta vez calhou aos Comandos. Mas eu também não sou Comando. Oxalá não me calhe um dia a mim.
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