A coisa passou-se num palácio, convento em tempos idos, ali para os lados da Rua de São Bento.
Tinha ido tratar de um assunto que não vem ao caso com um amigo que lá trabalha, M., caminhávamos por um longo corredor com uma porta envidraçada no meio, e vinha do outro lado uma senhora.
Como somos ambos do tempo de heteropatriarcado ele, que ia à frente, abriu a porta e esperámos que a senhora passasse antes de continuarmos o nosso caminho. A senhora passou pela porta aberta por ele sem uma palavra, de cumprimento e muito menos de agradecimento, sem sequer um olhar para a porta ou para o porteiro circunstancial que lha tinha aberto e segurava aberta para passar, sem nada. Não desviou o andar nem o olhar e seguiu em frente como se aquela porta e aquela gentinha não existissem no mundo dela. E depois de ela passar nós continuámos o nosso caminho e a nossa conversa, não sem eu ter agradecido ao M. por me ter aberto a porta.
Foi o que me pareceu. Mas eu tenho um metro e oitenta, e a senhora caminhava quase dois palmos abaixo.
[Aqui faço uma breve interrupção para esclarecer que, mesmo julgando muitas vezes pela primeira impressão, não gosto de julgar pela primeira impressão e exijo de mim mesmo confirmar tudo o que vou sabendo antes de o dar por sabido, até porque na minha infância nas redes sociais cheguei a matar a Simone de Oliveira e percebi rápida e definitivamente que nem tudo o que se diz é verdade. E rodeio-me de alguns cuidados para validar as informações que vou recolhendo, de que dei conta de alguns aqui.]
De modo que ao chegar a casa telefonei a M., que por não chegar a ter um metro e setenta usufruiu de uma panorâmica mais favorável do que a minha dos acontecimentos do corredor do palácio, e perguntei-lhe:
- M., será que me falhou alguma coisa por ir distraído, ou a senhora a quem seguraste a porta no corredor não agradeceu, nem sequer com um olhar, e seguiu em frente sem tugir nem mugir?
- Não estavas distraído. Ela é mesmo assim.
E, naquele dia, naquele palácio, tive a experíência inesquecível de me cruzar com uma verdadeira Senhora.
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