Hoje o Gremlin Literário vai-se dedicar ao serviço público de apoio à criação literária, oferecendo um conjunto de preciosas sugestões aos jovens escritores e editores que queiram escrever e editar um best-seller, atingindo rapidamente um sucesso de vendas que lhes permita acumularem dinheiro a tempo de o pôr a salvo num paraíso fiscal antes que a ministra das finanças em exercício perca a vergonha de o ir buscar.
O sexo vende. Ninguém está interessado em saber o que é que o escritor pensa, ou sente, ou as conversas que teve com outras pessoas. A gajada quer é sexo. Querem um sucesso de vendas? Escrevam sobre sexo.
Além do conteúdo do livro, o marketing é essencial. Se o livro fala sobre sexo mas o público não sabe, não vai a correr comprá-lo, e o livro nunca será um best-seller. O filme "The Seven Year Itch", cuja personagem principal é justamente um editor, mostra um bom inventário de técnicas de melhorar o potencial de vendas de um livro apimentando-o, e aconselha-se o seu visionamento aos jovens escritores e editores com ambições de sucesso.
O lançamento do livro é crucial para garantir o sucesso de vendas, principalmente quando se querem resultados rápidos. Quanto mais reacções apaixonadas suscitar, sejam de voyeurismo, sejam de indignação, mais vai mais rapidamente vender. Que é o que se quer.
Como conseguir essa reacção do público? Não queremos enganar ninguém com sugestões ligeiras, opinativas e não baseadas em factos, de modo que vamo-nos basear no estudo científico empírico para escolher as soluções que funcionam comprovadamente.
O livro "Eu e os Políticos" do jornalista arquitecto José António Saraiva, é já um caso de sucesso, apesar de ainda não ter sido lançado. É o relato de conversas privadas que políticos tiveram com o jornalista ao longo dos anos sem acautelarem se corriam o risco de um dia ele vir a publicar as coisas que lhe estavam a dizer, toda a gente sabe que há conversas que expõem a vida sexual de pessoas famosas, não se sabendo se é só uma de um político a falar da homossexualidade do irmão, se é o tema central de quase todas as conversas, como se pode deduzir dos títulos de todos os jornais que falam do livro, e relata conversas com pessoas que, por já terem morrido, não estão cá para contradizer que lhe disseram o que ele diz que lhe disseram. E vai ser apresentado pelo Pedro Passos Coelho, que aceitou o convite do autor sem conhecer o conteúdo da obra mas já fez saber que, tendo aceitado, não voltará com a palavra atrás e não deixará de o apresentar. Esta conjugação de circunstâncias suscitou uma explosão de reacções de indignação que garantem que o livro vai ter vendas fenomenais, que vai ser um best-seller.
Mas qual destes três factores é mais determinante para o sucesso que o livro está a ter medido pela indignação que suscita?
Sujeitar pessoas famosas ao voyeurismo do público sem o seu consentimento parece um excelente motivo para ultraje e indignação, para além de ser um excelente apelo ao voyeurismo.
Mas este não é o primeiro livro que expõe a vida sexual de pessoas famosas sem o consentimento delas. Nos últimos anos, foram lançados, pelo menos, o "Bilhete de Identidade" da socióloga Maria Filomena Mónica, que descrevia (não me peçam para confessar que não o li e que isto não é mais do que conhecimento de diz-que-disse) o desempenho dos seus vários maridos (pelo menos os anteriores) e namorados na cama, sem o consentimento deles, e "Os Homossexuais no Estado Novo", da jornalista São José Almeida do Diário do Governo Público, que revela listagens e histórias de pessoas famosas do Estado Novo que, sem o terem assumido em vida, eram afinal homossexuais.
Nenhum destes livros suscitou a indignação do "Eu e os Políticos", de modo que não será a exposição da vida sexual de pessoas famosas sem o consentimento delas o factor chave para o sucesso de vendas desejado pelos nossos jovens escritores e editores.
Citar conversas privadas com pessoas que já morreram também é um excelento motivo de indignação. É mais cobarde do que citar conversas privadas com pessoas vivas, que podem contradizer a citação ou, simplesmente, desprezar o autor da citação por violar a privacidade dessas conversas.
Mas, também neste domínio, o "Eu e os políticos" está longe de ser inédito. "Os homossexuais e o Estado Novo" é, todo ele, baseado em testemunhos e relatos de pessoas que já morreram. "O Botequim da Liberdade", livro do escritor Fernando Dacosta a recordar conversas com a grande Natália Correia é todo isso mesmo, a citação de conversas privadas com uma pessoa que já morreu. Tem até citações que tudo leva a crer que sejam imaginárias, como a crítica ao neoliberalismo, que traduz a orientação política actual dele, supostamente feita por ela, que morreu muitos anos antes de o termo "neoliberalismo" se ter começado a usar, nomeadamente com o sentido que tem hoje. Mas ela não está viva para contradizer o autor do livro.
Indignação? Zero. A citação de pessoas que já morreram não é também um factor suficiente para levantar a onde de indignação necessária para fazer do livro um best-seller.
O livro "Eu e os políticos", com sucesso de vendas já garantido pelos níveis de indignação conseguidos mesmo antes do lançamento, vai ser apresentado pelo Pedro Passos Coelho. O "Bilhete de Identidade" foi apresentado nos nossos vizinhos do Grémio Literário pelo Rui Ramos, o João Bénard da Costa e o Lourenço Correia de Matos. Um horror, indignação zero. E "Os homossexuais e o Estado Novo" pela Raquel Freire e a Ana Luísa Amaral. Nem se deu pelo lançamento.
Afinal, o único factor distintivo do estrondoso nível de indignação que vai garantir o sucesso de vendas do "Eu e os Políticos" é, não a exposição da vida sexual de pessoas famosas sem o seu consentimento, nem a citação de pessoas que já não estão vivas para confirmar ou renegar as afirmações que lhes são atribuídas, mas sim a apresentação pelo Pedro Passos Coelho.
E é este o conselho, relembramos que fundamentado num estudo científico empírico, que deixamos aos jovens escritores e editores que querem atingir um sucesso de vendas rápido através de uma explosão de indignação que torne os seus livros conhecidos e apetecíveis:
Bons livros e melhores sucessos!
Começou por aceitar a encomenda extravagante e impudente do jornal Expresso para escrever um prolongamento d'Os Maias. Alguém disse na altura que "com um bocado de caridade" se podia considerar, entre os prolongadores contratados, Rentes de Carvalho como o único legível. Pareceu-me uma crítica exagerada, mas agora que li o livrinho percebo que era justa e até bondosa.
Das piores possibilidades (duvido que houvesse "boas”, e foi isso que o Expresso ignorou), Rentes de Carvalho escolheu situar, já velhos, Carlos da Maia e João da Ega numa quinta do Douro, e empenhou-se em caracterizar aquilo que imagina ter sido "o falar do povo" nas conversas fastidiosas, irrelevantes, e em discurso directo, com os criados. Como se isto não fosse ilícito suficiente, assassinou todo o carácter ficcional de Carlos da Maia atribuindo-lhe “preocupações sociais”, por artes infanto-juvenis de umas reflexões sobre “desigualdades”.
Hoje publica no Tempo Contado (um dos poucos blogs que visito com regularidade e cautela) um texto (entre aspas porquê?) que descreve com detalhe a aventura de um idiota português que se enrola em esbórnia com um grupo de motards alemães a arrotar sauerkraut e cerveja morna.
Recomendo que evitem a leitura, talvez o exercício mais repelente dos meus últimos meses. Não posso suspeitar que as “autoridades” da “crítica” “literária” portuguesa estejam a caminho de premiar Rentes de Carvalho; já o premiaram (há uns meses?) e eu - com leviandade - aplaudi.
Alguém se lembra a que livro pertence este trecho? Trata-se de um livro português para crianças escrito em 1963:
"– Ainda tens talvez outra hipótese. Invocar o parágrafo
100 do artigo 4579 do Regulamento Interno e requerer
a concessão que todos os Homens de Representação
Pública costumam obter automaticamente em virtude
das exigências estéticas do seu cargo. Isto é: em certos
casos especiais, os cirurgiões, em vez de degolarem os felizardos,
sugam‑lhes os cérebros por palhinhas, deixando
a casca por fora intacta, para inglês ver… Oh!, espera,
espera! Não te vás embora ainda. Escuta. Também podes
requerer a substituição da cabeça. Por uma melancia, por
exemplo. Ou uma bola de futebol que é o enxerto mais
vulgar. Ou uma bolinha de ténis que fica sempre tão bem
nas pessoas finas, elegantes, esbeltas… Espera. Ouve."
E este? É, parece-me, o correspondente estrangeiro:
"But I don't want to go among mad people," (...) remarked.
"Oh, you can't help that," said the (...): "we're all mad here. I'm mad. You're mad."
"How do you know I'm mad?" said (...).
"You must be," said the (...), "or you wouldn't have come here."
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