Sadiq Khan, presidente da câmara de Londres, declarou que os ataques terroristas da semana passada na ponte de Londres e no mercado de Borough foram deliberados e cobardes, não esquecendo de incluir a habitual referência à inocência das vítimas.
Estas palavras de circunstância conseguiram combinar o erro com a banalidade, acha Theodore Dalrymple, no essencial porque não se imaginam atentados que não sejam deliberados, se há vítimas a respeito das quais se invoca a inocência conviria indicar que vítimas é que poderiam ser culpadas naquele contexto, e os terroristas cobardes não são com toda a certeza, porque o que podiam razoavelmente esperar era a morte, mesmo que no Além os esperassem 72 virgens.
Fiz um comentário foleiro lá no sítio, salientando que as opiniões divergem, por haver quem ache que as virgens são apenas 42, que o stock delas já deve estar por esta altura substancialmente reduzido, e que aqueles loucos terroristas deveriam saber que uma única virgem, mesmo que apaixonada, é o cabo dos trabalhos, sendo largamente preferível uma mulher experiente e receptiva.
Piadas minhas à parte, Dalrymple tem razão. E foi ligeiramente mais meigo com Theresa May mas sem deixar de frisar que o clássico "os nossos pensamentos e orações estão com as famílias" é uma evidente aldrabice e o "já basta o que basta" uma incógnita, por não explicar o que tenciona fazer.
Sobre o que é preciso fazer, opiniões, há muitas: o major-general Carlos Martins Branco, por exemplo, que não conheço mas em cujas declarações tropecei por acaso na SicN, disse umas coisas terra-a-terra que me pareceram sensatas. E suponho que não abundou em considerandos porque as televisões têm o tempo tomado para as grosserias dos dirigentes desportivos, os intermináveis "debates" dos respectivos comentadores, os abraços, selfies e discursos ocos do nosso mercurial presidente, e todo o restante lixo com que os espectadores mobilam o vazio que têm nas cabeças.
Disse coisas práticas, e outras serão precisas. Do que não precisamos é de teorias grandiosas e impraticáveis. Rui Ramos, um excelente autor que sigo com gosto, proveito e geral concordância, acha que "os europeus têm de conceber a Europa como parte do mundo do Médio Oriente e Norte de África, e de reconhecer que a viabilidade do modo de vida ocidental passa por o tornar viável em toda essa região".
Acha isto porque constata que a integração da comunidade muçulmana intra-muros europeia é impossível (por se filiar numa tradição civilizacional diferente) e por haver uma clivagem nas sociedades europeias, entre "o que afirma a tradição cristã e iluminista e o Estado de direito" e "o que nega e desvaloriza tudo isso como uma abjecção sexista e racista, e reconhece ao jihadismo o direito de retaliação das 'vítimas".
Esta Europa dividida é incapaz de resolver as suas contradições, pensa Ramos. Apesar disso, deve ir fora de portas matar no ovo a serpente que tem cá dentro. Como isso se fará, fica por explicar; e fica por explicar também por que motivo o Médio Oriente e o Norte de África têm de ter o seu futuro inextricavelmente ligado ao nosso (salvo no caso de Israel).
Na realidade, de substantivo na argumentação sobra que é impossível que a Europa com os seus 191 milhões de habitantes se defenda dos 489 milhões que tem o norte de África e a Ásia ocidental; e a necessidade da eliminação dos "focos de galvanização e treino do terrorismo", aparentemente com operações militares, visto que "era assim que pensava George W. Bush".
Por que razão a diferença de populações haverá de ser relevante, se evitarmos invasões de imigrantes, não se percebe; e Bush filho assim pensava, de facto, faltando apenas demonstrar que tenha tido bons resultados.
Por mim, sem nenhuma reserva de princípio no que toca a acções militares (com que forças armadas, já agora?), prefiro acreditar que nem a diferença entre europeus que se descrevem como mais ou menos crentes na tradição cristã e iluminista é tão significativa como se supõe, nem a ameaça que o islamismo, como corpo estranho a essa tradição, representa, deixará de despertar reacções crescentes, como já está a suceder, nem creio que o problema seja insolúvel, precisamente porque ainda é, dentro de portas, sobretudo um conjunto de casos de polícia. Não têm sido assim vistos por pusilanimidade dos políticos, teorias delirantes do politicamente correcto e da equivalência das culturas que uma parte da intelectualidade defende, tudo coisas a corrigir á medida que as opiniões públicas vão afinando o seu ponto de vista, por constatarem que têm sido lideradas por patetas que confundem tolerância com suicídio civilizacional.
Talvez nesta maré tenhamos alguma coisa a aprender, mas com Israel, que está cercado de inimigos muito mais numerosos e tem alguns dentro de portas. Com Bush filho ̶ não me parece.
Terá havido uma sondagem segundo a qual 31% dos londrinos se sentiriam "desconfortáveis" com um presidente de Câmara muçulmano. Não obstante, Sadiq Khan, Trabalhista, foi eleito por 1.310.000 votos, contra os 994.000 do candidato Conservador.
Apurei que muçulmanos em Londres são à volta de 12%; que na campanha a crença religiosa não foi tema dominante ou sequer importante, salvo para os corifeus da esquerda ganirem queixas de islamofobia e racismo à menor insinuação de que a obediência religiosa de Sadiq talvez não fosse exactamente a melhor das recomendações; e que mais de metade dos eleitores não votou.
Mas devia. Que um trabalhista vá fazer disparates está na ordem natural das coisas, ainda que não seja impossível que saiba fazer contas - à medida que se avança para Norte os socialistas vão demonstrando uma fé cada vez menor na virtude da despesa pública, pelo que a generalização a partir da nossa experiência doméstica comporta algum risco de injustiça. Há porém mais vida para além do défice, conforme o dito célebre do presidente da República que num dia inspirado trocou a habitual vacuidade pela asneira. Havia, de facto - no caso era a bancarrota.
No caso dos londrinos há a vida cultural, os costumes, o comércio, os museus, os teatros, as salas de concerto, os monumentos, o cosmopolitismo, e uma quantidade de outras coisas que fazem de Londres - Londres. E há também a liberdade de cada um dizer o que quer, ver o que quer e fazer o que quer, dentro dos limites da lei.
O nosso muçulmano já deu porém sinal de si, precisamente no sentido de proibir que os publicitários mostrem mulheres esculturais seminuas em cartazes no metro, para vender produtos.
O palavreado oficial não é o da relação medieval que o Islão tem com os direitos das mulheres, a sexualidade e a nudez: é o de defender as pobres londrinas de expectativas impossíveis, não vá aquelas indefesas mulheres acreditarem que por consumirem uma porcaria de um suplemento alimentar ficam com o corpo que a modelo exibe; e protegê-las da vergonha pela diferença que separa os corpos das feias, das gordas, das velhas e das assim-assim - que são a esmagadora maioria - da perfeição, provavelmente artificial, que o cartaz exibe.
Este discurso terá possivelmente o apoio da variedade feminista das mulheres que entendem que os esforços, e os artifícios, para agradar a homens são uma manifestação de inferioridade; a conivência daquelas pessoas que nunca aceitaram senão com desconforto a derrota das igrejas cristãs na libertação sexual que a pílula e os anos sessenta promoveram; e a ruidosa concordância de várias capelas de esquerda ansiosas por proteger o cidadão da publicidade enganosa, do consumismo, da coisificação da mulher e dos alimentos industrializados.
É muita gente. E portanto Sadiq é bem capaz de levar a sua avante. Mas mal: porque, estabelecido o princípio de que a autoridade tem a lucidez e a clarividência que às pessoas fazem falta, e assente que estas têm o direito de se sentirem ofendidas por verem imagens que lhes lembram as suas imperfeições, amanhã proíbem-se as imagens de jogadores de futebol em roupa interior, não vão as esposas desprezarem os seus maridos barrigudos; depois os anúncios a, por exemplo, preservativos, não vão os jovens ter ideias lúbricas; e do metro passa-se para a publicidade à superfície, e da rua para a televisão, e desta para os jornais e revistas, e em todo o lado para a limitação da liberdade de expressão, cujo exercício ofende quem se deixa ofender e magoa quem se deixa magoar.
Já tínhamos o paleio politicamente correcto, uma autofiscalizarão parva da linguagem para não ferir susceptibilidades de minorias, detestável regressão civilizacional que a esquerda americana originou, exportou para o resto do Ocidente e está minando as universidades e a livre expressão do pensamento onde ela exista.
Temos agora, nos seus primórdios, a versão sarracena.
Valha-nos Deus. Ou Alá.
O improvável binómio WAR-ART, segundo aprendi recentemente, é muito intrincado e a relação entre ambos tem muito de salvífico.
Em recente visita à National Gallery (Londres), uma amiga falou-me da "Picture of the Month" que era exposta numa das salas do museu durante os últimos anos da Segunda Grande Guerra. O assunto interessou-me e quis saber mais...
Nos meses que se seguiram à declaração de Guerra, Londres preparou-se para a violenta chegada desta até si: foram construídos abrigos anti aéreos, muitas crianças foram evacuadas e máscaras de gás distribuídas pela população. Também a coleção da National Gallery tinha que ser posta a salvo e muitas foram as soluções estudadas.
Para começar levou-se a cabo um levantamento das casas, em zonas menos propensas a bombardeamentos, que pudessem albergar as obras. Mas havia muitas restrições práticas, desde logo quanto à largura das portas, espaço na casa, condições de temperatura e humidade. Muitas das experiências não correram bem..."The owner is nice, ruled by his wife, a tartar, anxious to have NG pictures instead of refugees or worse"- um exemplo de uma anotação à margem de uma das casas visitadas.
Surgiu então a possibilidade da coleção ser levada para o Canadá, mas Churchill - no seu estilo carismático- opôs-se dizendo :"Hide them in caves and cellars, but not one picture shall leave this island". E ainda bem que foi assim, porque muitos foram os barcos bombardeados durante a travessia do Atlântico.
Finalmente, depois de meses de planeamento, a coleção acabou por ser transportada para o País de Gales, onde ficou protegida em minas abandondas, secretamente.
O diretor do museu - Kenneth Clark, então nos seus thirties- foi responsável por muitas destas decisões e também a ele se deve a visão do "Picture of the Month", iniciada em 1942.
A NG tinha-se mantido aberta ao público e, embora despojada da sua coleção, albergava concertos - os famosos Lunch-Time Concerts by Myra Hess, que duraram os 6 anos do London Blitz - e algumas exposições quer de obras de colecionadores privados, quer de artistas recentes - a quem Clark queria preservar dos horrores da guerra e da provável morte.
Mas, com a aquisição do quadro "Margareth de Geer" (Rembrandt) e o sucesso da sua mostra por 3 semanas numa sala - otherwise empty - da Galeria, surgiu a a questão: porque não repetir esta experiência, numa base regular, a partir da coleção permanente?
E assim aconteceu. O primeiro quadro foi de Ticiano, "Noli Me Tangere". E muitos outros se sucederam, acompanhados pelo ritmo seguro dos concertos da hora de almoço.
A NG tornou-se num "defiant outpost of culture right in the middle of a bombed and shattered metropolis" (Herbert Read). No meio do pó, dos destroços de Londres, do cinzento dominante: a cor vibrante, a estética, o sentido da permanência.
In wartimes, art can save.
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