O magnífico Luis Delgado foi hoje convidado a deixar cair sobre os portugueses os seus comentários às "tensões no seio da coligação" (corre o boato que até lhe pagam para isso). Faço os possíveis por não perder, sempre que tenho tarefas domésticas compatíveis. Esta noite apanhou-me sentada no sofá, em frente à televisão, com um alguidar em cima dos joelhos a tirar o fio ao feijão-verde.
Conheço pessoas que, como eu, gostam de acompanhar programas imbecis ao fim do dia que é "para espairecer", ou "para descansar a cabeça", e assim se justifica a presença das telenovelas, dos concursos de perguntas, dos jogos de bola, dos documentários da BBC, do Prós & Prós, das "mesas redondas", e das "entrevistas de fundo" nas casas de alguns portugueses depois do jantar. Tenho as minhas preferências. Inclino-me para a "Quadratura do Círculo" (confesso que não resisto às momices de Pacheco Pereira, que é quem mais me diverte), para o "Expresso da Meia-Noite" (eles garantem uma boa média de politólogos por semana), e para aquelas emissões relativamente curtas, a seguir aos noticiários, em que as raparigas contratadas pivoteiam comentadores "presentes em estúdio". Se for dia de Luis Delgado, dou logo o serão por ganho.
Recordo com doçura o dia em que este loiro de crâneo sedutor alertou o país para a existência de "empresas de utilidades", que eram, no seu entender, a EDP, a PT, e a GALP (entre outras), com poder para fazer coisas diabólicas. Mas o risco era muito reduzido, porque se essas empresas "se atrevessem" a alterar a sua residência fiscal para fora do país "seria uma revolta social de todo o tamanho", e "o facebook dava cabo delas". Foi a 3 de Setembro de 2011, sei bem, que suspirei de alívio enquanto me entretinha a descascar ervilhas.
Hoje, Luis Delgado estava mais apreensivo. Parecia-lhe inacreditável que o primeiro-ministro "não tivesse mão" no seu parceiro de coligação, uma vez que este representava um partido muito mais pequeno. Era inadmissível que Pedro Passos Coelho estivesse, desta maneira, subalternizado por Paulo Portas. E sugeria "em estúdio" uma série de descomposturas que ele, Luis Delgado, teria dado a Paulo Portas caso estivesse no lugar do primeiro-ministro: "Eu tinha-o chamado e tinha-lhe feito apenas 3 perguntas" - e punha Paulo Portas na ordem. "Mainada".
Gostei de o ouvir. Eu estava apoquentada porque me parecia inacreditável que o primeiro-ministro se apresentasse subalternizado por Vítor Gaspar, um funcionário contratado por ambos. Mas eu não sou como dizem que são todas as mulheres: não consigo fazer duas coisas ao mesmo tempo. Ou me ocupo do país ou tiro o fio ao feijão-verde.
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