Há um consenso mais ou menos generalizado: não houve nenhum virar significativo da página da austeridade, apenas trombeteadas restituições de cortes ao funcionalismo, reformados e pensionistas, compensadas por um aumento dos impostos indirectos e das taxas, aqueles a diluir, já se vê, por um número muito maior de destinatários.
Bom negócio eleitoral, como as sondagens mostram. E boa armadilha para os dois pés comunas do tripé geringôncico, que se esganiçam a denunciar o esquema, ambos a reclamar mais défice para contentar os respectivos eleitorados, e ambos silenciando o excesso de reivindicação por a um se permitir que mine o aparelho de Estado, à espera de melhores dias, e ao outro que sonhe em comer eleitores ao PS por, aprovando no essencial tudo, fazer uma grande berrata como se estivesse na oposição ao módico de rigor que o PS aplica.
O pano de fundo é de crescimento económico, e este tem permitido, via aumento de receitas fiscais e diminuição de despesas sociais, que o défice diminua, para alegria dos patrões europeus. E até a dívida pública já começou a diminuir um pouquinho na realidade, e muito na propaganda, pelo engenhoso processo de trocar dívida velha por nova a taxas inferiores, cortesia do BCE e dos reembolsos minorcas ao FMI, mil vezes anunciados.
Aquele crescimento, por sua vez, decorre das várias agências involuntárias da AICEP, que vão colocando bombas por aqui e por ali sob a designação de ISIS e Al-Qaeda, e que afugentam os turistas para cá, das guerras que o islamismo, as primaveras árabes e o americanismo inventaram e que tornaram insalubres vastas regiões do planeta com boas praias, do labor de anónimos na indústria exportadora que começaram há anos a fazer o bypass ao Estado, com crescentes resultados que o fim da crise no exterior facilitou, e do petróleo que afinal não estava para acabar, estava apenas à espera de novas técnicas para ser explorado.
O conjunto é uma reedição das vacas gordas que Guterres desperdiçou, com as inevitáveis diferenças de pessoas e circunstâncias: Guterres era um pusilânime, sério, católico e socialista, Costa é um manipulador, troca-tintas, agnóstico excepto se fosse preciso ser outra coisa, e igualmente socialista; a Europa perdeu a alma que julgava que tinha, e rabeia à procura dela; a dívida é muito maior; em vez de Sampaio, um saco de vento parlapatão com fumos de intelectual, temos Marcelo, o consolador-mor do Reino, do qual apenas se sabe para já que tem tantas tácticas a ocupar a verborreica cabeça que se duvida tenha alguma estratégia para o país; e no lugar do cardeal Pina Moura, felizmente desaparecido, e de Guilherme Oliveira Martins, que se teme reapareça, temos o celebrado Centeno.
Este Centeno tem presidido alegremente à vigarice institucionalizada que são hoje as contas públicas, tendo substituído as promessas de crescimento através do consumo, com que o PS perdeu as eleições mas ganhou aliados leprosos, pela compra de votos de muitos com aumentos de impostos embutidos nos preços para todos; fazendo aprovar orçamentos que são tão ferozmente discutidos quanto incumpridos na sua execução, via cativações; e mimetizando na perfeição os tiques do chefe, que nunca hesitou em degradar o debate político com recurso a todo o tipo de mentiras e truques, tudo embrulhado numa retórica chula e numa oratória reles.
A “Europa”, claro, não sabe nem precisa de saber detalhes: o que sabe é que o défice cai, o produto sobe e se os comunistas apoiam este milagre, cujo santo é Centeno, este bem pode ir para presidente do Eurogrupo, que casos de sucesso destes fazem uma excelente montra para o projecto europeu.
Depois, Centeno já deu mostras de ser flexível, isto é, fazer o que lhe mandam; de emprestar o seu lustro académico (enfim, ao menos um tanto mais consistente do que o do seu infeliz antecessor Dieselcoiso) ao seu abjecto servilismo; e de vir completo com um ar permanentemente aparvalhado, que o pode ajudar nos serpenteios da função, por se imaginar ingénuo quem é retintamente manhoso.
Como quem manda na Europa são os grandes, é natural que se escolham para líderes nominais naturais dos países pequenos, para dar uma impressão de equilíbrio, pelo que Centeno não teve dificuldades de maior em bater os outros três candidatos, da Eslováquia, da Letónia e do Luxemburgo. E não é impossível que, apesar da irrelevância do cargo, ainda o venhamos a ver, para embaraço dos geringonços domésticos, a ser obrigado a usar, lá fora, da franqueza que poupa cá dentro.
Que acham de Centeno os colegas dele cá, em particular os que o antecederam na pasta das Finanças? Acham coisas extraordinárias.
Miguel Cadilhe vê “que Mário Centeno tem ideias bastante assentes, sólidas”. E verifica “com agrado que Centeno está com vontade de mudar as posições da eurocracia, os conceitos que vigoraram até agora e que, sinceramente, precisam de uma revisão”.
Sim senhor, é um ambicioso programa, ainda que alguns cépticos possam timidamente dizer que nem sequer em Portugal a geringonça se aguentaria com as mudanças que Centeno quer alegadamente introduzir na supervisão dos mecanismos do euro. E que, já que estamos no capítulo das grandes realizações, Centeno podia aproveitar para resolver de vez o problema do aquecimento global, se se der o caso de ter ideias igualmente firmes na matéria.
Jorge Braga de Macedo confessa as suas dúvidas: “Um presidente português do Eurogrupo conseguiria situar-nos onde estamos, a oeste, motivando a nossa diferencialidade? Não vai sequer tentar”.
São dúvidas insidiosas, e mesmo eu, que tenho sobre as capacidades de Centeno as maiores reservas, acho que não terá grandes dificuldades em situar-nos onde estamos, a oeste. Já quanto à diferencialidade, se Jorge quer com isso dizer que Centeno não vai tentar elevar os conhecimentos de matemática dos portugueses, vejo-me obrigado a concordar, mesmo que não perceba porque haveria o presidente do Eurogrupo de se dar a um tal trabalho.
“Neste quadro em que é crucial criar soluções duradouras e eficientes para a zona euro, Centeno está na posição de poder conseguir fazer vingar até alguns pontos de vista que são melhores para Portugal”, diz Eduardo Catroga com unção. Diz isto e outras coisas inócuas e redondas, a tal ponto que se poderia julgar que não foi este Catroga, mas um homónimo, que negociou pelo PSD o memorando de entendimento.
Bagão Félix não é catedrático de economia ou finanças mas nem por isso está menos entusiasmado que os seus confrades: “É também o justo prémio para Mário Centeno. Tem sabido cultivar uma certa ideia de entendimento entre países do Sul e do Norte. Pouca gente tem feito isso nos últimos anos. Tem um capital de confiança elevado”.
O capital de Centeno é de moeda falsa. Que Bagão, que foi ministro das Finanças pelo CDS, finja não saber isto ou, pior, que o não saiba, é bem a demonstração do novelo em que o CDS se deixa com frequência enredar: pode-se ser socialista e ao mesmo tempo ir à missinha e ser contra o aborto; mas, sendo socialista, não se deveria estar no CDS.
Teixeira dos Santos, o catedrático ao leme da embarcação quando ela naufragou, não deveria, por uma questão de higiene, ser ouvido sobre questões económicas. Mas enfim, ei-lo declarando que “Mário Centeno a presidir ao Eurogrupo é importante porque lhe dá mais força para ser capaz de gerir e de resistir a essas pressões e de manter os resultados alcançados e consolidar este quadro de crescimento com um quadro de maior estabilidade orçamental, de défices mais reduzidos e uma trajetória de redução da dívida que é fundamental para o país. Há que resistir às reivindicações que possam pôr isto em risco, a prazo. É preciso ter força política para o fazer.”
Traduzindo, a autoridade de Centeno sai reforçada junto dos seus parceiros comunistas pelo facto de doravante ter na lapela o pin de presidente do Eurogrupo. Teixeira, Teixeira, pessoas há que veriam com bons olhos que te dedicasses à filatelia ou ao colecionismo de soldadinhos de chumbo, áreas em que decerto poderias atingir um altíssimo grau de expertise.
Já houve, desde o 25 de Abril, 28 ministros das Finanças, com esta ou outras designações. Destes cinco entrevistados quatro pertencem ao que se chama a direita. Mas, com excepção de Braga de Macedo, que por escrever no dialecto em uso na tribo dos adiantados mentais, não se percebe bem o que diz, mas se adivinha ter umas quantas reservas, dizem todos a mesma coisa.
Talvez nos outros onze ainda vivos se pudesse encontrar algum disposto a aliviar-se de um módico de franqueza ou lucidez. João Salgueiro quem sabe, Maria Luís decerto.
Mas estes não. E cabe perguntar: o que move toda esta gente, devotos evidentes da Igreja do Elogio Mútuo?
O que os move é o estatuto socioeconómico que atingiram, ou esperam atingir, e que depende entre nós da boa relação que se tem com o Estado, isto é, com quem o representa.
E Portugal, vai longe com esta gente que detém as alavancas do poder económico?
Não.
O Partido Socialista já foi o partido de gente
agora, desde que o António Costa tomou o partido à bruta, mas de quem nasce bruto não se pode esperar diferente, é um partido de fantoches e ventríloquos, patetas em funções de responsabilidade sem preparação nem dignidade para as assumir e que não sabem o que hão-de dizer a papaguear o que lhes dizem para dizer outros patetas em funções de responsabilidade sem preparação nem dignidade para as assumir e que também não sabem o que hão-de dizer mas têm ascendente sobre os primeiros para os fazer dizer aquilo que lhes mandam dizer. Nivelados pelo chefe, e exibindo como única competência a de tentarem ser tão ordinários como ele.
Um esgoto a céu aberto.
No seu estilo tão próprio de fazer política, o estilo ácaro em que se dedica a apontar regularmente aquilo que irrita a oposição, o primeiro-ministro António Costa saiu em defesa do ministro Mário Centeno, em quem delegou o trabalho sujo de
até porque
dizendo publicamente,
Em resumo, ele rouba mas faz.
* E consegui escrever o parágrafo mais comprido do mundo sem se parecer com um parágrafo.
A sabedoria convencional diz-nos que a táctica seguida inicialmente pelo PSD de martelar incessantemente a ilegitimidade originária do governo Costa, que só nasceu porque apoiado numa maioria com comunistas que não foi aventada na campanha eleitoral nem tinha precedentes, foi arrastada durante demasiado tempo. Já o CDS, após Portas ter anunciado o óbvio (óbvio quer dizer que se tornou fácil de ver para toda a gente depois de o ter dito), isto é, que de futuro só seriam possíveis governos de direita com maioria absoluta, deixou rapidamente cair a lamúria.
O eleitorado vive no presente e quer que lhe garantam o próximo fim do mês melhor que o de há um ano, e para o resto do futuro contenta-se com promessas vagas desde que risonhas - o que lá vai lá vai. É por as coisas serem assim, e o PS ser delas um óptimo intérprete, que as sondagens que andam por aí não penalizam o governo golpista, donde pessoas de representação deduzem que o PSD e o CDS se devem esforricar em projectos, iniciativas e propostas alternativas.
Tretas. Que no campeonato da diarreia legislativa, lançamento de novos serviços públicos, manutenção dos existentes, dinamização da economia a golpes de subsídios e voluntarismo, desarme de conflitos sociais com cedências, e criação artificial de um clima de optimismo - o PS ganha, e o PSD muito, e o CDS alguma coisa, sempre o acompanharam no esforço, com excepção do tempo da tutela da troica.
É por as coisas serem assim que a dívida pública chegou ao nível a que chegou, e que não pára de crescer, a despeito da propaganda sobre a suposta redução do défice, na qual as instâncias europeias fingem acreditar (para explicar a discrepância - a dívida cresce mais do que proporcionalmente ao défice apresentado - os economistas dizem candidamente que não percebem); e que, a menos que surja um basta! dos credores, sob a forma de juros incomportáveis, ou um basta! dos comunistas, por perderem cada vez mais votos a troco de cada vez menos novas cedências, Costa continuará de vitória em vitória até à derrota final. Que infelizmente será também a do país.
Até lá, o regime vai apodrecendo. E a novela bufa destes dias em torno do banco público, que cobre de lama o presidente da República, cuja hiperactividade, incontinência verbal, e ausência completa do mais elementar sentido de Estado, estavam à espera de uma oportunidade para se tornarem evidentes, mesmo para o mais furioso apreciador de selfies parvas; que desprestigia o Parlamento, por as necessidades da coligação se terem sobreposto aos poderes de uma comissão de inquérito, eliminando o elemento de contrapoder que estas alguma vez tiveram; que impede que o cidadão conheça os nomes dos responsáveis, e dos beneficiários, do descalabro que fez com que aquele banco precise de cinco mil milhões de reforço de capital, sem que se perceba que parte é que cabe à crise, que parte cabe a exigências dos dementes de Frankfurt, e que parte cabe a salteadores e ineptos; e que trouxe para a praça pública uma litania de personagens menores, desde bancários de imaginária competência pagos a peso de ouro com dinheiro público, ministros que subcontratam a feitura de leis a privados que delas directa e exclusivamente beneficiam, apresentando a conta ao contribuinte, para já não falar de alguns parlamentares televisivos que se prostituem em nome da disciplina partidária ou da estratégia de um bem maior, e de comentadores cuja independência está comprometida pela necessidade de agradarem ao governo:
Vem provar que o pecado original deste governo, isto é, o apoio de comunistas (os que são e os que fingem não ser), não tem apenas o preço das reversões, da conservação deletéria do poder dos sindicatos, e da paralisia de qualquer esforço sério de reforma.
Mesmo sendo Costa um depositário de todas as ideias erradas que levaram à falência do país, às quais faz as entorses necessárias para os nossos patrões europeus continuarem a bancar o forró, e mesmo sendo um mentiroso contumaz, como abundantemente já demonstrou, nunca um governo minoritário da PàF, com a abstenção do PS, ou até mesmo incluindo alguns socialistas mais apresentáveis na boa sociedade, levaria o país a estes extremos de abjecção.
Não é que uma tal solução pudesse resolver os nossos problemas; nem eles jamais começarão a ser resolvidos senão quando a esquerda - toda - for varrida do universo decisório. Até lá, a chamada direita faria bem em pensar com paciência no day after; e ocasionalmente lembrar-se, e lembrar-nos, que Costa tem lepra - contraiu-a logo a seguir às últimas eleições.
No pântano a água anda agitada e, com a agitação da água, solta-se o lodo do fundo e fica cada vez mais turvo.
Mas, se lá no fundo está tudo cada vez mais turvo, cá em cima, no fundo, é claro como a água. É um jogo de cadeiras romanas. Na primeira jogada o mundo era todo deles, até os engolidores de sapos estavam com eles, e prometeram mundos e fundos a quem colaborasse.
Quando a coisa deu para o torto, os sapos puseram-se todos ao fresco e sacrificaram o banqueiro, o único que ficou apeado. Até lhe exigiram que entregasse a declaração. Ficou para a história como o oportunista cujo principal objectivo na vida era esconder o seu património da população que lhe ia pagar o ordenado. Um sacana! Pode não ter sido brilhante como estratégia de jogo ter queimado alguém que sabia mais do que dizia, mas quando se tem o rei na barriga a teoria dos jogos deixa fazer tudo, e tudo acabar bem. E, de facto, na primeira jogada foi ele que saiu do jogo. Mas o jogo não acabou.
A segunda jogada foi mais renhida. Apareceram comunicações à superfície, esconderam-se as comunicações de novo no lodo, mas há sempre um Correio da Manhã que as consegue descobrir, e, no que parecia um jogo em que já havia cadeiras para todos, com todos a torcer para a coisa ficar por ali, até porque havia coisas mais importantes para tratar e não havia documentos a comprometer os jogadores ainda na roda, veio-se a reveler que não, que afinal faltava uma cadeira, e que mais um dos jogadores ia ter que ficar apeado.
Quem? Obviamente, o mais totó, o que tinha sido incumbido pelos outros de conduzir a marosca sem, por não ser político nem advogado, se prevenir contra deixar provas documentais espalhadas pela cena do crime. E deixou, será ele a saltar fora. E é uma boa estratégia de jogo jogar fora o jogador que conhece mais por dentro o processo e sabe o que cada um dos que restam sabiam, mesmo sem ter os documentozinhos assinados a provar o que eles sabiam? Pode não ser...
E o jogo acaba aqui? Não, este jogo só acaba quando todos os sapos ficarem apeados, inclusivamente o último. Os dois jogadores que restam são virtuosos naquilo a que se chama o tacticismo político. Qualquer deles merece ficar em jogo até ao fim, mas um deles vai ter que perder nesta jogada. Qual deles? O Correio da Manhã ditará com as suas fugas de informação a conta-gotas. Mas um deles foi à vinha enquanto o outro ficava à porta, é mais provável que seja o que foi à vinha a saltar. O futuro o dirá.
Neste jogo só há uma coisa fatal como o destino. Tanto os que saltam, como os que ficam, estão cheios de lama até ao pescoço.
O ministro das finanças acabou de anunciar que está na iminência de resolver o problema da limpeza do balanço dos bancos sem custos para os contribuintes.
É uma boa notícia, e à primeira vista até parece simples e credível. Afinal, a limpeza da banca é uma mera operação contabilística em que créditos incobráveis que estavam contabilizados no balanço pelo seu valor nominal, ou por um valor inferior ao nominal se já tivessem sido parcialmente provisionados para uma eventual dificuldade de cobrança, passam a estar contabilizados pelo valor de zero, aquilo que se espera que se venha a arrecadar deles, sendo a redução do valor de cada crédito lançada nos resultados como um prejuízo. No ano em que é feita a limpeza o banco apresenta o prejuízo correspondente a esta redução, mas não fica mais rico nem mais pobre, com mais nem menos dinheiro nos cofres. É uma operação no papel.
Infelizmente, não é disto que se fala quando se fala da limpeza do balanço dos bancos. O que se designa por limpeza do balanço é compensar os bancos pelos créditos incobráveis que, por azar, falta de prudência ou mera trafulhice, concederam no passado, como se tivessem concedido créditos isentos de risco e de reembolso garantido em vez de créditos de risco que muitas vezes recompensaram a peso de ouro os banqueiros que os concederam. Anular o valor no balanço dos créditos incobráveis, mas compensá-los com entradas em dinheiro ou outros activos com o valor por que eles estavam contabilizados, sem valerem. É uma operação que envolve a entrada de dinheiro, verde ou de outras cores e feitios.
E de onde é que vem esse dinheiro? Por mais historietas que se inventem a sugerir que ele aparece vindo de algures no sistema, ou que cai do céu, não aparece nem cai, resulta mesmo de dinheiro ou outros activos que são transferidos de alguém que existe neste mundo real para os bancos beneficiários.
E quem? Os contribuintes dos países-formiguinha do centro e norte da Europa estão fartos de dar para os países-cigarra do sul, e os populistas estão atentos a qualquer deslize que irrite os eleitores, de modo que os governos, por mais boa vontade e espírito de solidariedade europeia de que estejam imbuídos, têm as mãos atadas e não vão pagar. Não se pode ir buscar à banca, porque é preciso ir buscar para a banca. Os ricos que estão sempre disponíveis para pagar mais impostos nas fantasias da esquerda folclórica, se o têm por taxar, já o têm a salvo. Restam os contribuintes portugueses. Mesmo que se criem redes impenetráveis de circulação do dinheiro, on- e off-shore, é a eles que, finalmente, acabará por ser apresentada a factura.
Esta revelação do ministro das finanças é, pois, uma excelente anedota.
Tão boa, tão boa, que nos pode matar de riso.
Ao contrário de outras anedotas mortais celebrizadas pela história, esta não matou o seu autor, talvez por ser tão ingénuo que não tenha conseguido atingir a sua própria piada? Felizmente, o Jornal de Negócios reservou a anedota completa para assinantes, negando, e deste modo salvando a vida, a sua leitura integral aos leitores ocasionais.
* Vai Portugal ser a próxima Grécia?
O ministro das finanças português Mário Centeno deu ao jornal alemão Bild uma entrevista onde, de acordo com os jornais portugueses, e para citar apenas alguns exemplos, pressiona Europa a debater perdão da dívida grega, defende alívio da dívida da Grécia com ou sem FMI, defende revisão do Plano de Estabilidade e Crescimento, diz que regras para a dívida têm muito para melhorar, e que até a Reuters noticiou como Portugal finance minister says EU should discuss Greek debt relief, Bild reports. Como comprovam os títulos dos jornais portugueses, a Europa rende-se ao esplendor deste notável português, de quem aguarda sofregamente as sugestões para conseguir sobreviver neste mundo minado, e ele usa o seu esplendor, não em proveito próprio nem no dos portugueses que ele governa, mas para interferir a favor dos mais aflitos, os gregos. Um senhor.
Já o Bild adoptou para a entrevista o título Wird Portugal das nächste Griechenland?, que significa, é fácil de adivinhar mesmo sem ter aprendido Alemão, Vai Portugal ser a próxima Grécia?, uma versão em linguagem jornalística do tradicional Estás aqui, estás a dar com os burrinhos na água.
Os jornais alemães gostam de, de vez em quando, entrevistar doidos que governam países do Club Med, não para sensibilizarem os alemães para a pressão deles para lhes aliviarem a dívida e as dos outros países do clube, continuando a conceder-lhes crédito sem se preocuparem se ele vai chegar a ser reembolsado ou sequer se vai ser usado para resolverem de modo sustentável os problemas que os levaram a essa dependência do crédito, mas para os prepararem para, no dia que o governo alemão decidir cortar a esses países, que repõem rendimentos aos cidadãos e contribuintes mais ricos com o dinheiro que não têm mas pedem emprestado, o abastecimento de dinheiro fácil e barato que lhes dá uma ilusão de prosperidade que não têm e os estimula a gastar o que não têm, perceberem os motivos do corte com o passado. Como se fosse necessário fazê-lo? como se houvesse mais algum alemão para além da Angela Merkel e do Wolfgang Schäuble, que são no entanto fustigados pelos governantes europeus mais idiotas como a origem dos problemas financeiros que eles próprios, ou outros como eles, criaram com a sua irresponsabilidade e o seu populismo, que precisasse de ser convencido que é um fardo inútil continuar a usar o seu dinheiro para financiar demagogos como eles?
E, mesmo sem atingir os níveis de comédia do Yanis Varoufakis, o ministro Mário Centeno não os desiludiu, e retribuiu a entrevista com graçolas como:
Nas mãos de uma espécie de village idiots que fazem caretas e manguitos àqueles a quem pedem esmolas por nossa conta, isto só nos pode correr bem.
O Ministério das Finanças não quer mostrar todos os números que permitem avaliar o Orçamento. Só o fará contrariado, sabe Deus em que condições, depois de a UTAO dizer que isto assim é ilegal.
No gabinete do primeiro-ministro há mais um doutor (ou engenheiro?) da mula russa. Não se percebe o motivo: para exercer cargos políticos não é obrigatório ter um título académico. Ou percebe: esta gente sem experiência nem currículo não tem outra maneira de se fazer respeitar socialmente. E assim arranja uma licenciatura falsa, que dura até ser descoberta, para forçar um estatuto e fingir uma superioridade igual à de qualquer um. Verdadeira ou de fancaria, quem é que hoje em Portugal não tem uma licenciatura?
Os senhores administradores do banco do Estado são deixados em sossego, dispensados de entregar declarações de rendimentos e de interesses; quem recebe as pensões mínimas prepara-se para ficar sujeito a "condição de recursos", que o mesmo é dizer que o Estado não lhes dá uma moeda sem antes lhes virar a vida do avesso. Talvez levem uma sopa em troca da privacidade.
Bruxelas, incompreensivelmente, não acredita nas contas do governo. Exige informação adicional para decidir se lhes aprova o papel ou nos corta os víveres.
Ao princípio, quando as esquerdas se entenderam nesta “posição”, parecia que íamos ficar entregues a um comando de oportunistas desmoralizados. Pouco a pouco as dúvidas desaparecem.
Não tenho dúvidas que Mário Centeno mentiu descaradamente em comissão de inquérito e é um aldrabão patético. Nada que não se soubesse: é coautor de um estudo que salienta os riscos de aumento do desemprego quando haja aumentos do salário mínimo sem consideração pela produtividade mas nem por isso deixou de aceitar o convite para integrar um governo que tem na matéria um ponto de vista voluntarista diametralmente oposto, numa pasta em que esta questão é central.
Teria aceitado, igualmente, se o convite tivesse partido de uma coligação dita de direita, e defenderia com empenho um Orçamento diferente do que apresentou, e diria coisas diferentes das que diz.
Não nos deve isto surpreender: nunca ninguém alegou incompetência técnica de Teixeira dos Santos, que permitiu que o país fosse conduzido ao maior descalabro económico da sua história e portanto só pode ter havido uma razão pela qual acompanhou Sócrates na demência despesista - é que o preço da coerência num ministro das Finanças é a demissão. Como se demonstrou com Campos e Cunha, que bateu com a porta quando se apercebeu que Sócrates era Sócrates, com isso dando provas de ter melhor critério que os seus colegas da Academia, e pior do que as pessoas de senso, que teriam começado por não aceitar o convite.
Campos não é porém a regra: difícil é encontrar professor de economia, e até economista, que desdenhe ser ministro das Finanças; e que, diligentemente, no exercício de funções, deixe de dar a cobertura do palavreado da seita ao asneirol que o partido convidante patrocina.
Isto é assim, não sendo as razões difíceis de perceber: a notoriedade é aliciante, o jogo político fascinante, e a condição de ex-ministro das Finanças garante, com algum empenho, que o ordenadozinho de professor é arredondado com prebendas, ganchos e sinecuras. E se, no desempenho futuro das exigentes funções de conselheiro, facilitador ou estrela de TV, houver algum deslize, paciência: um tacho vale bem uma missa burlesca.
Ignoro como remediar este estado de coisas, salvo a instauração de uma sociedade comunista, na qual só se pode fazer carreira no Partido e não há outra argumentação que a da propaganda oficial.
Mas estou certo de que pôr o ministério público a supervisionar as aldrabices dos políticos, sejam eles autênticos ou, como Centeno, de arribação, é uma péssima ideia. Os senhores magistrados não são, nem podem ser, imunes aos encantos da exposição mediática, nem têm sobre a classe política opiniões mais lisonjeiras do que as do eleitorado, junto do qual apreciariam decerto, e bem precisam, ser mais populares. E, de resto, têm como toda a gente opiniões políticas - há aí alguém que acredite que a actual Procuradora-Geral navega nas mesmas águas turvas do seu antecessor? - que inevitavelmente tingirão os seus juízos quando se esteja a falar de crimes semânticos, de opinião ou de má-fé em declarações políticas.
Nas comissões de inquérito os cidadãos que não sejam actores políticos em exercício são, é claro, obrigados à verdade. Os políticos no activo têm, porém, mesmo aí, o privilégio da aldrabice porque o juiz é outro - é o eleitorado.
O mesmo eleitorado a que a magistratura quererá, se puder, agradar.
A iniciativa do PSD de denunciar Centeno ao Ministério Público pelo crime de declarações falsas é assim um clamoroso erro, não menos porque vai criar um precedente perigoso: hoje o magistrado, com um par de isentas asas nas costas, vai decidir se o político mentiu na Comissão; e amanhã se o fez no Parlamento, ou na campanha eleitoral, ou nos jornais. E daí é só um passo até termos magistrados de direita, e esquerda, e centro.
Separação de poderes, senhores estrategas do PSD, já ouviram falar?
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