Claro que defende - são putas do mesmo bordel. Ambos são pagos a peso de ouro, ambos tomam decisões que afectam a vida de milhões de pessoas, ambos são inamovíveis, nenhum dos dois tem a mais remota ideia sobre como vai a absurda construção do Euro desembocar num sistema operacional para o espaço europeu sem construir um Estado federal que fatias crescentes dos eleitorados rejeitam - era o que mais faltava se fossem imputáveis.
Não que nas nossa sociedades não haja poderes inamovíveis e inimputáveis - os juízes, por exemplo. Mas estes só são inimputáveis no estrito âmbito das decisões que tomem sobre os processos que têm debaixo do nariz, que aliás não escolhem, e mesmo assim sujeitas a recurso. Pode haver, e há, abusos, pode a capacidade de recorrer estar condicionada - e está - por falta de recursos financeiros de quem se sente injustiçado, mas ou os juízes são independentes e inimputáveis ou os cidadãos vêm cerceado o seu direito e a sua esperança de não serem vítimas dos mais poderosos e do Estado - o estatuto dos juízes é essencial a uma sociedade democrática.
E os bancos centrais gozam de independência porque o legislador reconheceu que, se assim não fosse, a tentação dos governos para tripudiarem sobre o valor da moeda e interferirem no funcionamento do sistema financeiro poderia ser demasiada - o legislador, às vezes, sabe que há bens que importa proteger para além das mudanças de pessoas e de partidos que circunstancialmente ocupam as cadeiras do Poder Executivo. As mesmas razões de prudência e realismo, aliás, justificam o estatuto de várias Entidades Reguladoras (que estas apenas finjam funcionar e não sirvam o propósito para que foram criadas são outros quinhentos).
Ninguém aceitaria que um juiz lavrasse uma sentença sem a fundamentar - a fundamentação é o que explica à parte decaída porque decaiu e permite o recurso.
Há poucas esperanças de que a Comissão de Inquérito sobre o BANIF vá apurar seja o que for, mas uma coisa é certa: há uma parte vencida, que é o contribuinte português, que vai arder - já está a arder - com três mil milhões; há uma parte ganhadora, que é o Santander, ainda que num montante substancialmente inferior; e houve um juiz, que foi o BCE.
Quanto à sentença, não a conhecemos nos seus fundamentos - o BANIF tinha que ser liquidado naquela altura porque sim, é o que sabemos. Recurso não poderia de todo o modo haver porque a falência de todo o sistema bancário é o resultado de um sistema disfuncional e milhares de decisões de crédito que esse sistema induziu a gestores gananciosos sempre, e quase sempre ineptos.
Claro que há talvez nisto tudo uma justiça poética: foi o eleitor que assegurou, e continua a garantir, que quem defende défices (e portanto aumento da dívida pública) chegue ao Poder, que se colocou nas mãos dos credores; e, se estes abusarem, e nos tomarem como cobaias de experiências desesperadas, não tem mais que se queixar senão de si mesmo.
Dir-se-á que, mesmo que o Estado tivesse as suas contas sãs, nem por isso os bancos teriam deixado de financiar, como irresponsavelmente fizeram, a construção civil e o consumo. Mas não foi o Estado que atribuiu vantagens fiscais à compra de habitação, e estrangulou o mercado de arrendamento? E não foram responsáveis políticos, incluindo Constâncio, ex-Governador do Banco de Portugal, hoje um português relapso homiziado no BCE, que garantiram que, com o Euro, o problema da dívida externa era coisa do passado?
Resta que um módico de decência deveria aconselhar Constâncio a comparecer: pode-se ter apostado a carreira num equívoco, ter previsto o oposto do que veio a acontecer, servir com silenciosa e canina fidelidade dirigentes tão diferentes como Draghi e o seu antecessor, ser um, mais um, socialista sem nenhuma ideia que preste para o País - mas não se devia poder ofender sem consequências o Parlamento. Não por causa de quem lá está, que em boa parte é farinha do mesmo saco, e às vezes pior. Mas porque o Parlamento representa o País: aqui ao leme sou mais do que eu, disse o piloto de Pessoa.
Os deputados são mais do que são, mesmo que o não saibam. Constâncio, esse, não sabe de certeza: a minha pátria é a minha língua, deve dizer ele, em inglês, que é a língua de trabalho de quem lhe paga.
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