"Many forms of Government have been tried, and will be tried in this world of sin and woe. No one pretends that democracy is perfect or all-wise. Indeed it has been said that democracy is the worst form of Government except for all those other forms that have been tried from time to time.…", disse um velho amigo meu em mais um dia em que se achou particularmente disposto a filosofar.
É tão estranho que a democracia, em que os votos de um velhaco ou o de um ignorante valem tanto como os de um santo ou de um sábio, todos vivem em liberdade e seja o que Deus quiser, seja menos má do que todos os outros sistemas políticos, que tendem a ser liderados por sábios santos e esclarecidos dedicados a promover o bem de todos e onde os inimigos do povo e do bem-estar são cuidadosamente neutralizados, como que a economia de mercado, em que os agentes económicos são movidos exclusivamente pelo egoismo e pela ganância do lucro, permita às suas vítimas usufruir, apesar da maldade deles, de prosperidade como nunca se viu no passado nem no presente, inclusivamente nos sistemas instituídos para oferecer o bem-estar e a prosperidade a todos, mesmo os que não são fundados num mero empirismo voluntarioso mas sempre falível mas num ramo da ciência económica, o Socialismo Científico. Mas a evidência empírica de uma e da outra é tão esmagadora que é preciso alguma dose de falta de juízo para não a reconhecer.
Mas falta de juízo é coisa que não falta.
E a democracia, para além de todos os defeitos estruturais inerentes à sua natureza, ainda tem outro circunstancial: uma grande permeabilidade à rejeição. Se outros sistemas políticos se dotam de meios para assegurar a sobrevivência, sempre baseados na gestão da informação, para evitar a disseminação de ideias subversivas, e na restrição da liberdade, para evitar a sua prática, é muito fácil derrubar uma democracia: basta convencer metade mais um dos eleitores a optarem por uma coisa diferente.
E falta de juízo é coisa que não falta.
A gestão da informação é pois um dos campos de batalha dos zangados com a democracia e no mundo da globalização mediática travam-se batalhas épicas e globais por ela e as armas mais letais usadas nesta guerra são as teorias da conspiração, historietas baseadas em algum fundo factual real que explicam as ligações entre os factos com base em relações especulativas que não são sempre plausíveis, algumas são até simplesmente delirantes, mas que encontram sempre crédulos prontos a acolhê-las como boas, principalmente se lhes confirmarem receios ou convicções prévias.
Um exemplo ilustrativo de uma boa teoria da conspiração é a denúncia recente por um whistleblower da actividade da empresa privada Cambridge Analytica que, com base em grandes volumes de informação que lhe foram facultados pelo Facebook pensando que se destinavam a fins académicos, oferecia serviços comerciais de manipulação de resultados de eleições através da colocação cuidadosa de mensagens cientificamente geradas e dirigidas para condicionar a opinião de cada eleitor.
O conceito reune todos os factores críticos para constituir uma formidável teoria da conspiração: é revelado por um informador interno, tem escala global, tem poderes assustadores, tem interesses ocultos e passa a mensagem que a democracia é incapaz de representar a vontade do povo porque apenas representa o que lhe foi inoculado pelos seus manipuladores. E, acima de tudo, dá vontade de acreditar nela: os assessores do candidato populista que ganhou as eleições alegadamente graças a esta manipulação dos eleitores por a iniciativa fazer deles assessores geniais com um valor de mercado superlativo, os eleitores populistas que o elegeram pela superioridade na acção do populismo sobre a superioridade moral democracia que representa ganhar eleições manipulando eleitores, e os que perderam as eleições pelo conforto de as terem perdido, não por não as merecerem ganhar, mas porque o candidato que não merecia as ganhou à custa de batota.
Até eu tenho vontade de acreditar na teoria. Falta-me apenas acreditar que de facto os eleitores que elegeram o candidato populista decidiram o seu voto por terem sido cientificamente manipulados, manipulados são sempre os eleitores e é exactamente para oferecer uma oportunidade de os manipular fazendo acreditar no que os candidatos insinuam que há campanhas eleitorais, e não por a candidata incumbente ter, ao longo da campanha eleitoral e até ao fim, tido a postura demasiado confiante que lhe sugeriam as sondagens que lhe previam uma vitória folgada e menos esfoçada que o concorrente que, pelo mesmo motivo, lutou mais, e até ao fim? Estou até longe de acreditar que foi a Cambridge Analytica que deu a vitória ao candidato vencedor e que sem ela ele teria perdido. Ganhou porque se esforçou mais por ser o número dois na corrida.
Mas o facto de eu não acreditar não tira mérito a esta teoria da conspiração pela conjugação de factores que enumerei.
Regressando às guerras pela gestão da informação, um dos modos mais usados para aumentar a permeabilidade do público às teorias da conspiração é criar canais de comunicação alternativos à comunicação social instituída para as divulgar, simples blogues ou mesmo sites noticiosos com organização e estética semelhantes aos dos sites dos orgãos de comunicação social, e desacreditar esta para evitar que a informação fornecida pelos meios tradicionais lhe dê bases para duvidar delas. Os alt-media contra a mainstream media, na terminologia dos activistas dos primeiros, ou maistream merdia, feliz trocadilho que a língua portuguesa lhes ofereceu para clarificarem melhor o sentido das suas ideias.
Abrindo de novo um parêntesis pessoal, a informação veiculada pelos meios de comunição tradicional deve ser cuidadosamente interpretada. Há jornais com agendas políticas institucionais e há jornalistas com agendas políticas pessoais, nem todas coincidentes, mesmo quando se verificam tendências maioritárias, e todas as notícias podem ser objecto de alguma manipulação no sentido de, a partir dos factos que normalmente são reais, retirar interpretações e conclusões que são determinadas, não por eles, mas pela agenda política do jornal ou do jornalista. Cuidados básicos para não se deixar enganar por esta frequente tentativa de manipulação são, por exemplo, ter alguma cultura de base e sensibilidade à plausibilidade ou implausibilidade dos factos, verificar se os factos apresentados numa notícia são confirmados por notícias noutros jornais, se o título reflecte a informação contida no corpo da notícia ou se não passa de uma mensagem ideológica para enganar quem lê apenas os títulos, se comparativamente com toda a informação disponibilizada pelos outros jornais há uma filtragem de informação para sustentar aparentemente a mensagem que o jornalista pretende fazer passar. Em resumo, googlar abundantemente e pensar um bocadinho. Mas onde os mainstream media podem ter agendas políticas que recomendam cuidado na interpretação da informação que veiculam, os alt-media não passam de agendas politicas. O Breitbart tem exactamente as mesmas finalidades que o esquerda ponto net ou do Avante, que não são as mesmas do Diário de Notícias ou da Bola.
Regressando de novo ao tema, há estratégias mais eficazes do que outras para desacreditar os mainstream media. Uma alternativa laboriosa é pegar em notícias específicas e explicar detalhadamente como são manipuladas para enganar os leitores. É a estratégia bottom-up. Uma alternativa mais económica é convencer os leitores que tudo o que é noticiado por um jornal é falso. A estratégia top-down. É muito mais económica e em públicos reverentes e acríticos é possível conseguir resultados, e o exemplo mais acabado de sucesso neste exercício é a multidão que se recusa a acreditar em qualquer notícia do Correio da Manhã e toma por ignorante, por lumpen do leitor de jornais, qualquer leitor que não tenha a convicção que nesse jornal de massas é tudo falso.
Neste contexto das guerras pela gestão de informação todos os mainstream media são apontados como falsos, e o argumento mais forte para o demonstrar é que se recusam a noticiar as notícias que os alt-media noticiam e que provam a acentuada degeneração da democracia, ou do sistema, e recusam-se a noticiá-las para esconder a verdade aos leitores. Por mais que se folheiem os prestigiados Expresso ou Público, ou até o infecto Correio da Manhã, não se encontram as notícias da guerra civil que está a destruir a Escandinávia, nem das violações em massa de meninas alemãs por refugiados muçulmanos, nem da remoção das iluminações de Natal ou da imposição de ementas halal a todos os meninos das escolas andaluzas por exigência dos muçumanos. No limite informam-nos que a Junta de Freguesia de Belém tem optado por não instalar iluminações de Natal, mas dão-nos o falso pretexto de o fazer para desviar o dinheiro que elas custariam para iniciativas de solidariedade social. São temas censurados. Pior. Se temos amigos que foram recentemente à Escandinávia e lhes perguntamos pela guerra civil, dizem não a viram. Sabemos bem que é por as suas deslocações internas terem sido acompanhadas por controleiros que evitaram cuidadosamente que fossem aos campos de batalha, mas eles nem deram por isso e pensam que andaram livremente por onde queriam. Pobres inocentes. Andam-lhes, e andam-nos, a esconder a realidade.
Já os alt-media informam-nos diariamente destas realidades que os mainstream media nos escondem. Todos escondem? Todos. Com excepção dos russos, que furam este embargo para nos darem a conhecer o que se passa no mundo. Russia Today, Agência Sputnik, as sucessoras das velhas RIA Novosti e Voz da Rússia, são os únicos media tradicionais em que podemos confiar, os únicos que aceitam denunciar o demoronamento iminente do sistema.
Ora se acreditar em tudo o que os jornais dizem é demasiado crédulo e acrítico, não acreditar em nada é um bocado esquizofrénico. Uma amiga do Facebook, uma das pessoas mais informadas e lúcidas que não conheço, escreveu recentemente que as pessoas que acreditam nos boatos mais delirantes são também as que se recusam a acreditar em qualquer notícia de jornal, e que quanto mais da primeira, mais da segunda.
Esquizofrénico, delirante, já estou a insultar os activistas e os consumidores dos alt-media, e injustamente, como passo a provar com um caso exemplar.
Durante a crise dos mercados financeiros a Russia Today conseguiu desencantar uma whistleblower no Banco Mundial, a grande instituição no coração do sistema financeiro mundial, uma dirigente que tinha sido despedida da instituição por denunciar escândalos de corrupção e que explicou que a crise financeira global tinha sido propositadamente desencadeada pela elite financeira que domina o mundo para obter ganhos que ela explica, e escuso-me a repeti-la passando a convidar os leitores a ouvi-lo da boca dela.
A revelação do Russia Today abalou o mundo de uma maneira geral, e Portugal em particular por ter sido uma das vítimas desta conspiração financeira de elite mundial, e mesmo a referência de objectividade e rigor informativo que constitui o esquerda ponto net não deixou de dar voz a esta denúncia que mostrava preto no branco a origem da crise e o fundamento mais forte para renegarmos a dívida, reforçando a doutrina preconizada pelo célebre coordenador da ONU, o professor Artur Baptista da Silva, no Expresso do jornalista Nicolau Santos.
Além de denunciar a conspiração financeira, a whistleblower Karen Hudes explicou também o motivo pelo qual ela era escondida do mundo: as mentiras dos mainstream media que são dominados pela mesma elite que domina o mundo financeiro.
Mas Karen Hudes não se ficou por aqui. Talvez por se sentir inebriada pela projecção mediática que lhe estava a ser proporcionada depois de ter sido afastada e silenciada pelo Banco Mundial encheu-se de coragem e também denunciou que quem está na origem de todas as conspirações é uma second species de humanóides de origem extra-terrestre dotados de alta inteligência, baixa competência para as artes, e crânios oblongos que dominam o Vaticano, tese que se pode provar observando a forma oblonga das mitras ou das tiaras papais, os Jesuítas e ... o Banco Mundial!
Sim, a crise financeira foi provocada pelos extra-terrestres que dominam o Banco Mundial.
Pelo que, tendo ficado provado que qualquer insinuação de falta de juízo a quem renega os meios tradicionais e se informa pelos meios alternativos é injusta, encerro esta publicação a apresentar-lhes as mais sentidas desculpas por qualquer coisinha.
Eppur, falta de juízo é coisa que não falta.
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