Quinta-feira, 28 de Março de 2019

Marcelo e Cavaco, ou a porcelana moldada e a pedra esculpida

Quando na última remodelação do governo António Costa, e por causa da promoção a ministra da secretária de Estado e filha do ministro José Vieira da Silva, Mariana Vieira da Silva, se tornou evidente que a endogamia que é a marca do primeiro-ministro desde sempre só tem tendência para se agravar com a ascensão a posições com mais poder e a aproximação do fim da legislatura, o presidente Marcelo correu a branqueá-la, afirmando que a nomeação de pessoas das mesmas famílias no seio do governo se devia a razões de mérito.

Não foi a primeira vez, nem será a última, que se terá precipitado ao colocar a mão por baixo do primeiro-ministro amparando-o em trapalhadas, asneiras ou sacanices puras e duras sem antecipar que esse apoio lhe poderia vir a trazer a ele custos políticos. Mas a falta de vergonha e descaramento dos socialistas do costismo, talvez encorajados pelo branqueamento normalmente assegurado pelo mais alto magistrado da nação, transformaram em poucos dias o que pode ter parecido uma excentricidade, um sintoma de uma constipação passageira, num bacanal de nomeações de irmãos, filhos, mulheres e amigos uns dos outros, uma pandemia com todas as condições para se tornar mortífera.

Não para ele.

Quando se apercebeu que o branqueamento da endogamia no governo socialista António Costa lhe podia custar caro a ele, o presidente Macelo fez exactamente aquilo que se pode, com um já bom grau de confiança, esperar dele como nulidade política mais do que comprovada: salvar o coiro. Acobardou-se e escondeu-se por trás da sombra do presidente Cavaco, explicando que "...se limitou a aceitar a designação feita pelo Presidente Cavaco Silva, que foi a de nomear quatro membros do Governo com relações familiares, todos com assento no Conselho de Ministros ... partindo do princípio de que o Presidente Cavaco Silva, ao nomear aqueles governantes, tinha ponderado a qualidade das carreiras e o mérito para o exercício das funções".

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Escolheu mal o alvo. Ao contrário dele, o presidente Cavaco Silva não cresceu a fazer travessuras à avó nem partidas ao dono do jornal que lhe deu emprego desde jovem, cresceu, como explica nas suas memórias, e debaixo da responsabilidade de ser o primeiro da família em cuja educação os pais investiram as poupanças em vez de as investirem na compra de propriedades agrícolas como era hábito no mundo onde cresceu, a passar as férias grandes a trabalhar no campo no único ano em que chumbou. Ao contrário dele, que foi moldado em porcelana, foi esculpido na pedra. E não se costuma ficar, e não se ficou.

E respondeu, respeitando a fórmula tradicional "entendo que não devo fazer qualquer comentário porque já foi dito tudo ou quase tudo e eu não acrescentaria nada de novo", para disparar comentários letais a tudo o que já tinha sido dito como "...Nos últimos dias aprendi bastante sobre as relações familiares entre membros do Governo e confesso que era bastante ignorante em relação a quase tudo aquilo que foi revelado..." e "... não me recordo de ter conhecimento completo - já foi há muitos anos - entre relações familiares dentro do Governo, mas, por aquilo que li, não há comparação possível em relação ao Governo a que dei posse em 2015. E, segundo li também na comunicação social, parece que não há comparação em nenhum outro país democrático desenvolvido", e ainda que o presidente da república, nomeando embora os membros do governo, não pode interferir nas escolhas do primeiro-ministro para não correr o risco de vir a ser responsabilizado por qualquer coisa que corra mal na governação a pretexto de não ter deixado o primeiro-ministro escolher livremente os seus ministros. E aproveitou para esclarecer que, "por curiosidade fui verificar a composição dos meus três governos durante os dez anos em que fui primeiro-ministro e não detectei lá nenhuma ligação familiar". Poderia ter acrescentado que entre todas as pessoas que fizeram parte desses três governos, entre ministros e ajudantes de ministro, houve uma única que tratava por "tu", a colega de trabalho no Banco de Portugal e comadre Manuela Ferreira Leite. Não teve governos de família e amigos.

Traduzindo, esclareceu que quando indigitou o primeiro-ministro tinha esgotado todas as possibilidades legais de o evitar sem abrir uma crise política insustentável, que não fugiu a deixar claro na altura que não estava de acordo com a fórmula governativa montada pelo primeiro-ministro com o objectivo único de se salvar de uma morte política certa por ter perdido as eleições depois de prometer ao partido que as ganharia por muitos, que a escolha dos membros do governo é da responsabilidade do primeiro-ministro, e que ao dar-lhes posse não tinha feito, nem podia fazer, qualquer juízo de valor sobre a sua competência. E que no momento da tomada de posse não tinha qualquer informação factual que lhe permitisse antecipar o bacanal em que se transformou nos últimos meses, e descaradamente a partir da última remodelação, o jogo de nomeações de familiares e amigos e familiares de amigos como chefes de gabinete ou assessores para os gabinetes governamentais.

E escavacou o biombo atrás do qual se tinha escondido o presidente Marcelo, no argumento da nomeação porque não tinha legitimidade para intervir nas escolhas do primeiro-ministro, e no do mérito porque não lhes tinha avaliado mérito para lhes dar posse.

Pode ter dado ao presidente Marcelo uma lição útil, a de, nas troca-tintas e chico-espertices que vive a fazer e de que vive politicamente, se meter com quem tenha a estatura dele e evitar os de estatura maior. Que brinque com figurinhas de porcelana mas evite as estátuas de pedra, que se caem em cima das figurinhas as deixam em cacos.

É duvidoso que o presidente Marcelo tenha apreendido a lição.

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 00:57
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Terça-feira, 19 de Março de 2019

Marcelo

A Marcelo chamei, no facebook, um “básico”. Uma boa amiga (feminista, das que me restam – algumas, mais radicais, já me puseram a um canto, sob a cominação de “machista”) discordou, achando que ele, de básico, não tem nada.

 

Não tem, de facto. O escrever à flor dos dedos nem sempre propicia a melhor escolha das palavras.

 

Pior: outras pessoas cuja opinião respeito, e que ademais conheceram o homem pessoalmente, descrevem-no como “brilhante”.

 

À minha amiga, que não me comprou o discurso, respondi como segue. E como ninguém duvida de que Marcelo se vai recandidatar, e que a recandidatura será um passeio, parece-me a altura boa para me repetir e explicar como vejo a peça. Razões por que, além de um perverso gosto meio masoquista de me ver isolado na opinião, aqui vai:

 

Marcelo sempre me pareceu um equívoco: não tem, numa vida de escrita e de magistrado da opinião, um dito original, uma frase ou pensamento que não seja uma cedência ao ar do tempo, uma recomendação de um livro que valha a pena porque provavelmente nunca leu senão badanas ou best-sellers; não tem sobre o país, a UE e o mundo senão ideias comuns a qualquer medíocre recém-licenciado em relações internacionais; e o brilhantismo que se lhe reconhece em táctica política decorre da manipulação, em que é mestre, e do faro político para lhe permitir cambalhotas com validade a seis meses. É brilhante - um brilho de lantejoulas. E a sua simpatia, que se toma por natural, não é mais do que um expediente de angariação da admiração de multidões beatas para lhe lisonjear o ego desmedido - quem gosta de toda a gente não gosta de ninguém. A ideia que tem da estabilidade é que é um fim em si e não um meio, porque não sabe para quê. Não é comunista, é crente (provavelmente para garantir a salvação, que aquela peça não dá ponto sem nó) e daria um bom rei constitucional. É um péssimo presidente e deixará, provavelmente, boa memória, como deixam frequentemente os bons vendedores de banha da cobra que não foram descobertos.

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publicado por José Meireles Graça às 21:14
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Terça-feira, 24 de Outubro de 2017

Encosta a tua cabecinha ao meu ombro e chora

Marcelo deu um violento raspanete ao Governo, há dias, e o que se chama a direita reconciliou-se com ele.

 

Eu também: pareceu-me que o calculismo de Costa e as suas declarações desastradas, o cinismo das duas seitas que lhe sustentam o consulado, o modo controlo de danos da comunicação social a ruir à medida que as horas passavam, os erros de casting evidentes da ministra Urbano e das personagens que povoavam o aparelho da protecção civil, tudo fazia um contraste demasiado evidente com o colapso do Estado, o número de mortes sem precedentes, e o imenso desespero dessa gente mal lavada e pobreta, nas suas casas de blocos de cimento rematados aqui e além com azulejos de mau gosto que o fogo consumiu. A mesma gente que Marcelo não hesitava em abraçar por entre lágrimas e que ficava, e fica, genuinamente grata pela atenção presidencial, que interpretava como sinal da solidariedade que a comunidade lhe devia, e que o Governo não cessou de trair.

 

Perguntado por um amigo que sabe que tenho por Marcelo uma consideração, digamos assim, muito moderada, sobre o que pensava da forma como se conduziu, disse-lhe aprovadoramente que Marcelo agiu como um rei popular.

 

Foi de facto assim. Costa percebeu a mensagem e fez o que sabe fazer: despiu a pele de bonomia ou arrogância que lhe é natural, consoante as situações, e vestiu a de contrito e comovido cidadão com que se apresentou no Parlamento.

 

Isso, é claro, não chegava. E há dias lá vieram as medidas do Governo que garantirão o dispêndio de incontáveis milhões, que não se resolverá satisfatoriamente o problema, e que teremos novas grandes desgraças daqui a uma dúzia de anos (v.g, a série de posts que Henrique Pereira dos Santos não cessa de dedicar a este assunto, por exemplo este).

 

Deixemos Costa, as suas moscambilhas, a sua patética corte, e o séquito de comentadores que não lhe vê nas proclamações a vacuidade que lá está, mas vê o sentido de Estado e a clarividência na gestão da economia que lá não estão, que eu quero é falar de Marcelo.

 

Esteve bem, já disse. Mas Marcelo não tem, nem sobre a vida rural nem sobre coisa alguma da res publica, nenhuma ideia que preste. Importa portanto saber por que razão acertou e se isso representa alguma mudança grávida de consequências positivas.

 

Convirá talvez lembrar que aquando dos incêndios de Pedrogão a primeira reacção do nosso monarca foi dizer que "o que se fez foi o máximo que podia ser feito". Isto quando era patente, e há muito, para quem lesse quem valesse a pena ser lido, que as únicas coisas realmente feitas eram um rosário de asneiras. Marcelo, que não é um homem bem informado senão de rodilhices que tenham que ver com tácticas políticas, e mesmo essas apenas de curto ou médio prazo, é todavia um grande farejador - a isso deve a carreira, o sucesso e taxas de aprovação sem precedentes.

 

Não compro o sentimentalismo dos abraços, das selfies, e todo o folclore enjoativo associado aos afectos. Nem acho que esse seja um fundamento sólido para qualquer mudança que valha a pena, e menos ainda para quaisquer reformas, que para serem úteis desagradarão a muitos, senão à maioria.

 

Mas suponho que à força de andar no meio do povo miúdo, e de ver de perto o espectáculo indecoroso de um país desconhecido abandonado à sua sorte, Marcelo, que é um intuitivo, percebeu que dar cobertura ao Governo era a negação de uma interpretação correcta do sentimento popular. E ele está para isso, para interpretar o sentimento popular, e, não sabendo mais nada, isso sabe fazer bem.

 

Então, pode a direita contar com ele? Marcelo mudou? Sim e não: não, se Costa recuperar, como creio fará, a credibilidade seriamente beliscada; sim, se os danos tiverem sido permanentes.

 

Para já, a chuva dos milhões, de mais a mais com a imprudente garantia de que não contarão para o défice (um tipo de música que, caindo em ouvidos socialistas, é um passe-vite quase certo para o deboche), abafará a revolta e comprará votos transviados; a corrupção, como de costume, abocanhará o seu quinhão; e as reformas desenhadas, mais a área ardida que não arderá de novo senão quando a legislatura for outra, e outras as restantes circunstâncias: tudo garantirá que a geringonça tem pela frente mais do mesmo, até onde a vista alcança.

 

Quer dizer que o novo Marcelo que a paisagem física destruída revelou só renascerá quando a economia der de si, ou quando por qualquer outra razão a paisagem política mostrar labaredas e fumo.

 

Até lá conviria persuadirmo-nos de que vivemos numa monarquia electiva: o rei está acima dos partidos; ou abaixo; ou ao lado; em suma, onde estiverem os populares que lhe chorem no ombro, desde que em quantidade suficiente.

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publicado por José Meireles Graça às 11:58
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Quarta-feira, 20 de Setembro de 2017

Vai morrer, ó velha!

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Um grupo de jovens da Juventude Socialista filmou, e depois apareceu publicado nas redes sociais, um vídeo durante uma acção de campanha da candidatura do PS às eleições autárquicas do município de Penafiel em que, do andar de cima de um autocarro sem tampa, e ao passar por uma senhora de idade que agitava uma bandeira partidária de outro partido, talvez do CDS? um dos jovens socialistas lhe gritou, como informam os jornais,

  • "Vai morrer, ó velha... PS! PS! PS! Vai-te fo***, velha do car****! Havia de te dar um ataque!",

que eu estou em condições de transcrever para a afirmação real "Vai morrer, ó velha... PS! PS! PS! Vai-te foder, velha do caralho! Havia de te dar um ataque!". Num aparte, curiosamente não encontrei a notícia no Público, certamente por não ter sido suficientemente diligente na pesquisa.

A Juventude Socialista varreu o assunto para debaixo do tapete com um comunicado em que condenou a atitude imprópria e irreflectida do jovem e apresentou um pedido de desculpas à visada e à comunidade penafidelense, e ao mesmo tempo condenou a publicação do vídeo através "de um perfil falso", o que explica ser o "expediente habitual para fazer campanha suja". Condenou os excessos da irreverência generosa da juventude, mas também a maldade da mão que sai detrás do arbusto, nas palavras sábias de um anterior primeiro-ministro de Portugal, que os expôs publicamente. Tudo está bem quando acaba bem.

Mas estará tudo bem?

"Vai morrer, ó velha!" é quase um mimo comparado com as boçalidades que se lêem regularmente nas redes sociais, com as que são publicadas, moderadas por alguma prudência e muitas vezes disfarçadas de exercício de humor, na comunicação social, onde se encontram regularmente apelos à morte de pessoas e até sugestões de soluções para a concretizar, como contratar um pistoleiro do cinema para as balear nos testículos, e até com alguma propaganda partidária, onde o apelo à morte, neste caso de traidores, assume traços heróicos e patrióticos que o tornam, mais do que uma possibilidade, um imperativo cívico.

Esta radicalização do discurso e banalização do apelo à morte por parte de estratos sociais antes aparentemente civilizados verifica-se principalmente desde o início da legislatura anterior, quando foi preciso recorrer a soluções muito penosas para muita gente para tentar, e acabar por conseguir, mas não era nada evidente para muita gente que se conseguisse e, para alguma, era mesmo evidente que não se conseguiria, retirar Portugal do lixo, não no sentido que atribuem ao termo as agências de notação quando a dívida soberana é de duvidoso reembolso, mas no da falência e do risco iminente de desmoronamento do Estado e da sociedade que o anterior governo socialista tinha conseguido provocar.

E é mais do que reforçado pelos modos brutais que o próprio primeiro-ministro usa quando se dirige à oposição, quer em intervenções públicas, quer em entrevistas, quer, ainda mais claramente, no próprio parlamento a que presta contas da actividade do governo.

As coisas são o que são, e a radicalização progressiva das relações entre forças políticas diferentes que se tem observado, não circunstancialmente, mas como um movimento estruturado e objectivado, e se traduz, já, num crescente apelo à violência, para já verbal, resultará no que resultar e eu não sei prever.

Mas, no passado, nunca resultou em coisa boa e resultou frequentemente em fascismos. E, curiosamente, mais vezes em fascismos de direita do que em fascismos de esquerda, ou socialismos, o que não indicia grande inteligência de quem a promove à esquerda. Mas longe vão os tempos em que toda a inteligência e cultura, e já agora moralidade, se encontravam na esquerda, e toda a direita era estúpida, pelo menos até ter aparecido um centrista a quem era concedido, excepcionalmente e sem constituir exemplo, o benefício de ser considerado inteligente, o saudoso Francisco Lucas Pires. Inteligente e nunca radical, acrescento eu. De modo que ver a esquerda a ser pouco inteligente na radicalização e no apelo à violência não é novidade nenhuma nos tempos que correm, em que alguma falta de inteligência é um grande activo para se conseguir acreditar nas quimeras que ela promete e os enganos com que mascara a realidade para ir parecendo que as está a conseguir criar.

Mas, mesmo sem ser capaz de prever para onde nos levará esta radicalização, uma coisa, ou duas, posso, até eu, anónimo desinformado, concluir.

Quando um comentador que nasceu na esquerda radical, depois se integrou no PSD que o encheu de honras e prebendas e onde se tornou até um liberal radical que colocava em causa a própria existência do estado social europeu, e quando o PSD deixou de lhe dar a importância que acha que merece não se desligou da filiação do partido mas regressou a um estilo de intervenção pública de social democrata radical que voltou a deliciar a esquerda radical de onde saltara para a direita que hoje apelida de radical, diz que esta radicalização da vida política através de "citações falsas ou manipuladas, boatos, calúnias e insultos" é "um fenómeno novo e não adianta dizer que o mesmo existe à esquerda, porque não é verdade", mente.

E quando um político hoje em dia baseia o seu populismo na descrispação por que finge lutar e que se gaba de ter conseguido está simplesmente a aldrabar o país.

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 12:23
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Terça-feira, 12 de Setembro de 2017

Virar à direita

João Marques de Almeida escreveu um artigo a defender uma tese extraordinária: "Será uma questão de tempo até as esquerdas começarem a atacar Marcelo por ser um Presidente de direita. E, nessa altura, as direitas terão que o defender, apesar das divergências actuais".

 

E por que razão as esquerdas não o fizeram até agora, se o autor dá como adquirido que Marcelo é um Presidente de direita? A resposta é óbvia: porque convém ao PS não hostilizar o Presidente porque não ganharia nada com isso; porque não houve até agora nada, absolutamente nada, de essencial na acção política do Presidente que contrariasse os interesses da geringonça, lhe sapasse (a ela, à geringonça) a propaganda, lhe evidenciasse as contradições e manifestasse ao menos alguma desconfiança pela conversão do PCP à democracia burguesa, cuja defesa faz parte do código genético do PSD; e porque, convindo ao PCP e ao BE não hostilizar excessivamente o PS para garantirem a sua quota no bolo do poder, estendem essa tolerância interesseira, naturalmente, a uma presidência que tem protegido a geringonça com mais eficácia, se possível, do que a que seria assegurada por Maria de Belém ou Sampaio da Nóvoa.

 

Mesmo que no futuro as coisas venham a mudar, e mudar elas vão, cabe perguntar que propósito serve esta admoestação à oposição, que esconde mal não morrer de amores por este presidente. Vejamos o desenvolvimento da argumentação do autor:

 

"Marcelo Rebelo de Sousa é um político de direita dos pés à cabeça. Diria mesmo que está de certo modo mais à direita do que o seu antecessor, Cavaco Silva, e do que o actual líder do PSD, Passos Coelho. De uma família das elites dirigentes do Estado Novo, o Presidente recebeu uma educação de direita. Foi educado nos valores católicos, patriotas, da ordem e da autoridade. O que não aconteceu com Cavaco nem com Passos Coelho. Mesmo sem o 25 de Abril, o seu destino seria uma vida política de sucesso no antigo regime. Nunca se lhe conheceram simpatias socialistas ou actividades de oposição ao Estado Novo. Estava confortável no Portugal em que nasceu e em que foi educado".

 

É verdade que Marcelo teria tido uma vida política de sucesso no antigo regime, não fora a Abrilada. Mas daí tanto se pode concluir que era um homem de direita como que era um homem da Situação. A história que se conta (e que não estou certo de que seja verdadeira, nem importa porque casa bem com a personagem, de que trotava atrás de Caetano na Universidade lisonjeando incansavelmente a vaidade do Professor - um graxista, em suma) é uma vinheta da sua personalidade: há que agradar a quem manda. E tudo, absolutamente tudo, no percurso de Marcelo, evidencia que é genuinamente um homem que quer agradar a quem manda. Quem manda desde o estabelecimento da democracia é a opinião: a pública, que por sua vez é em boa parte moldada pela publicada. E portanto o homem anseia desde sempre agradar às duas.

 

Comunista, em qualquer das variantes, não é nem nunca foi, o que evidentemente não chega para qualificar ninguém como de direita. E foi do PSD porque farejou com alguma razão que o partido tinha futuro, o trajecto lhe era mais fácil com gente que conhecia de outras andanças, e no CDS a dissociação do seu passado de pessoa demasiado próxima do regime deposto seria mais trabalhosa. Fazer carreira política na democracia implica pertencer a partidos: na primeira hora escolheu o mais conveniente. Processo de intenção meu, claro; e processo de intenção também de quem tenha opinião diferente.

 

Não creio que Cavaco, e disso deu abundantes sinais, coonestasse sem estrebuchar a aliança com comunistas; não me parece que visse com tolerância as manobras orçamentais e financeiras de Centeno, patentemente aldrabonas; e não acho que Passos nutra por Marcelo a evidente antipatia que tem, aliás recíproca, por estar mais à esquerda do que Marcelo - semelhante alegação desafia os factos e o senso. Aliás, Passos é um obstáculo a uma futura coligação com Costa, que justamente abomina, e Marcelo não abomina ninguém, apreciando as águas turvas do consenso. Dizer-se que Marcelo "de certo modo" está mais à direita do que os dois só pode aceitar-se se se achar que ser muito católico, ir à missinha, e ter em tempos sido um moço recebido com simpatia nas casas dos próceres do antigo regime, traça uma marca indelével de direita.

 

"Todavia, Rebelo de Sousa nunca foi um homem de afirmar as suas identidades ideológicas. Nesse sentido, tem sentido um constrangimento claro em afirmar a sua identidade política, tal como as principais figuras da direita portuguesa. Grande parte da direita em Portugal ainda carrega o fardo do Estado Novo".

 

Como é geralmente sabido desde Freud, por vezes um charuto é apenas um charuto. A razão pela qual Marcelo nunca afirmou as suas identidades ideológicas não é constrangimento - o homem muitas coisas é mas constrangido não. Não, nunca afirmou a sua identidade ideológica porque não tem.

 

Se perguntado, dirá que é democrata, europeísta, patriota, a favor do Braga, lisboeta e celoricense, não convindo porém aprofundar nenhuma dessas pertenças, porque se fosse absolutamente necessário teria outras. Suponho que goste de todo o tipo de música desde que seja boa (mas não se lhe pergunte o que é música boa), de boa literatura, que é a dos clássicos porque o são e dos contemporâneos porque sim, de boa pintura que é a popular porque está perto do povo e a outra porque os críticos aprovam, e de boa mesa embora não desdenhe alimentar-se de sanduíches. Dorme pouco não porque lhe pesem na consciência as aldrabices e rodilhices pelas quais se tornou famoso (como a história, aliás deliciosa, da vichyssoise) mas porque o seu cérebro inquieto não cessa de cogitar maneiras de levar a água ao seu moinho. Esse moinho foi toda a vida o sucesso na carreira política e é hoje a popularidade, que imagina ser a medida de um estadista bem sucedido.

 

A direita em Portugal não carrega o fardo do Estado Novo, isso é uma fantasia - o regime democrático já leva o mesmo tempo que aquele durou e a maior parte das pessoas que constituem o que se chama a direita ou não era nascida ou ainda não era adulta no 25 de Abril. O que a direita carrega é o fardo de o regime democrático ter comprado, e continuar a comprar, a dependência do Estado de uma quantidade crescente de cidadãos, o que implica que a reforma que um dia será inevitável terá que se fazer contra os interesses imediatos de uma mole imensa. A reforma é o que a direita quer mas não pode fazer; e a não-reforma é o que esquerda deseja para não se negar a si mesma. Mesmo sem meter comunistas ou os dementes do BE na equação, que esses querem ainda coisas terceiras.

 

"O percurso público de Marcelo, desde 1974, mostra um político onde se misturam a democracia cristã, sobretudo nas questões sociais, um conservadorismo moral e um liberalismo político e económico".

 

Liberalismo económico?! Marcelo escreveu milhares e milhares de artigos, falou durante anos e anos na televisão. Os textos não resistiriam a uma publicação em livro, seria uma xaropada; e as homilias, por muito sucesso que tivessem tido, não deixaram qualquer rasto na memória colectiva, excepto a simpatia do autor e os seus inegáveis dotes de comunicador. Mas estou certo de que qualquer um dos meus amigos genuinamente liberais, académicos ou não, afiançará que textos social-democratas haverá bastantes; em defesa do liberalismo só no sentido em que o que não seja socialista passa por liberal, e no de que em tanta tralha se pode encontrar tudo, como nos almanaques.

 

"A proximidade pessoal de Marcelo a figuras maiores da esquerda, nomeadamente o PM António Costa, não significa que não seja de direita. Há de resto um lado muito civilizado e liberal nesta atitude de Marcelo. As diferenças políticas não devem impedir boas relações pessoais. Marca de um democrata tolerante".

 

A proximidade pessoal de Marcelo significa que o homem é, pessoalmente, muito dado. Melhor para ele, e para quem tiver que lidar com ele. Politicamente, significa nada. Já colar-se sistematicamente ao discurso governamental, mesmo quando tal não lhe é requerido, e fazê-lo com evidente entusiasmo, tem um significado político, que é este: Marcelo concorda com o governo e não com a oposição, gostaria que o líder que ganhou as eleições fosse substituído por outro mais flexível, acha que a melhor maneira de lidar com um PS em alta nas sondagens é adoptar um discurso colaboracionista que facilite no futuro uma coligação ao centro, e entende que com pequenos acertos daqui e dacolá a trajectória do país está muito bem como está.

 

A única convulsão que o levaria a mudar de posição seria uma alteração da opinião pública que diminuísse seriamente a popularidade do governo e a sua própria. Aí Marcelo mostraria a sua marca identitária de direita, que João Marques de Almeida vê e eu não.

 

Pode bem acontecer que seja, não digo que não,

 

"... uma questão de tempo até as esquerdas começarem a atacá-lo por ser um Presidente de direita. E, nessa altura, as direitas terão que o defender, apesar das divergências actuais".

 

Mas, entretanto, não se faz mister que se poupe o Presidente da esquerda, que é o que Marcelo é, sob pretexto de que

 

"Não precisa [assim] de virar à direita. Já lá está".

 

Não está. Marcelo está onde estiverem os eleitores, e são estes que virarão, ou não, à direita. O homem apenas finge liderar a multidão da qual é escravo. Não perceber isto, e pretender que se silencie a divergência, não tem no plano dos princípios qualquer valor. No da estratégia tem algum: favorece o PS.

publicado por José Meireles Graça às 11:45
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Quinta-feira, 9 de Março de 2017

As explicações sobre a censura da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas ao professor Jaime Nogueira Pinto

2017-03-08 Marcelo explicações Nogueira Pinto.jp

O doutor Rebelo de Sousa pediu explicações à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa sobre a censura à conferência do professor Jaime Nogueira Pinto por pressão, formal e através da ameaça de agressões, da associação de estudantes liderada por dirigentes bloquistas. Fica-lhe bem, mesmo que a reacção dele neste caso não tenha sido tão rápida como tem sido haitual, talvez por, ao contrário do que tem sido habitual, e como foi por exemplo na piadola que dirigiu à doutora Teodora Cardoso, ter preferido combinar a resposta antes de fazer a pergunta?

Ó senhor doutor Rebelo de Sousa, essas explicações até eu lhas posso dar!

Desde que perdeu em Novembro de 1975 a capacidade para fazer o gosto ao dedo, e à natureza democrática social-fascista do seu ódio às liberdades civis, nos domínios da censura, dos saneamentos e da intimidação pela violência verbal e física, a esquerdalhada esperava uma oportunidade de o Partido Socialista ser conquistado pelos seus deserdados que lá se foram insinuando ao longo de décadas na procura de uma vida melhor e mais próxima do poder e da distribuição de benefícios que o exercício do poder facilita, o que finalmente sucedeu com a ascensão do António Costa ao controlo do partido, e com a substituição do Presidente da República, o mais alto magistrado da nação responsável por garantir a preservação dos direitos constitucionais, por uma figura apatetada que confunde a preservação dos direitos constitucionais com um concurso de miss simpatia para conquistar, através da distribuição de afectos aos próprios e de alfinetadas aos que eles odeiam, a afeição dos que os violam.

O que explica este surto de brigadas facistas a impedir com sucesso a livre expressão dos inimigos da sua revolução através de ameaças verbais e físicas, e a cedência das instituições públicas à sua intimidação violenta, é justamente o encorajamento à intimidação decorrente da ausência de um verdadeiro Presidente da República e do abandono do país à maioria minoria que circunstancialmente se instalou no poder onde prevalecem estes saudosistas do PREC.

O que explica o cancelamento é o modo como exerce as funções presidenciais. Erga-se, se ainda é capaz!

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 11:06
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Sexta-feira, 3 de Março de 2017

Magistratura de influência

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Uma das funções tradicional, que não constitucionalmente, atribuídas ao Presidente da República no sistema político português é a magistratura de influência, ou seja, a utilização da autoridade e da credibilidade que lhe advêm de, simultaneamente, ser o supremo magistrado da nação, de ser dotado da maturidade e ponderação desejáveis e expectáveis num presidente, de ser capaz da equidistância que o eleva acima das querelas partidárias ou entre facções e o faz ser ouvido por todos, e da escassez e gravidade das intervenções públicas que atribuem a cada palavra que profere um peso institucional, para influenciar as posições das diversas entidades políticas, mesmo aquelas que não tem poderes formais de influenciar.

Acontece que o doutor Rebelo de Sousa está carregado de qualidades, mas infelizmente de nenhuma destas, com a excepção óbvia, para mal dos nossos pecados, da primeira, que é inerente ao cargo para que foi eleito. Pelo que o seu exercício de magistratura de influência não pode ser muito eficaz, não por sua culpa, mas por culpa das qualidades que a natureza, ou Deus para os crentes que ele gosta de citar, lhe deu. Falha que mais que compensa com o apoio incondicional ao governo através da dispensa permanente e abundante de afectividade de que, essa sim, a natureza o dotou abundantemente.

Mas, mais infelizmente ainda, a falha na magistratura de influência do doutor Rebelo de Sousa não fica por aqui.

De um ponto de partida em que só um deles dizia graçolas ordinárias, chegou-se a um ponto de chegada em que tanto o primeiro-ministro como o presidente da república as dizem. O que significa que a magistratura de influência fez ricochete e funcionou no sentido oposto ao desejável e expectável, resultou numa magistratura de se deixar influenciar.

Coisa para os cientistas do comportamento tentarem explicar, mas que um cantor já falecido sintetizava muito bem no verso "Quando a cabeça não tem juízo...".

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 15:15
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Quarta-feira, 15 de Fevereiro de 2017

E o rei dos sapos?

2017-02-15 Costa garante a Domingues.jpg

No pântano a água anda agitada e, com a agitação da água, solta-se o lodo do fundo e fica cada vez mais turvo.

Mas, se lá no fundo está tudo cada vez mais turvo, cá em cima, no fundo, é claro como a água. É um jogo de cadeiras romanas. Na primeira jogada o mundo era todo deles, até os engolidores de sapos estavam com eles, e prometeram mundos e fundos a quem colaborasse.

Quando a coisa deu para o torto, os sapos puseram-se todos ao fresco e sacrificaram o banqueiro, o único que ficou apeado. Até lhe exigiram que entregasse a declaração. Ficou para a história como o oportunista cujo principal objectivo na vida era esconder o seu património da população que lhe ia pagar o ordenado. Um sacana! Pode não ter sido brilhante como estratégia de jogo ter queimado alguém que sabia mais do que dizia, mas quando se tem o rei na barriga a teoria dos jogos deixa fazer tudo, e tudo acabar bem. E, de facto, na primeira jogada foi ele que saiu do jogo. Mas o jogo não acabou.

A segunda jogada foi mais renhida. Apareceram comunicações à superfície, esconderam-se as comunicações de novo no lodo, mas há sempre um Correio da Manhã que as consegue descobrir, e, no que parecia um jogo em que já havia cadeiras para todos, com todos a torcer para a coisa ficar por ali, até porque havia coisas mais importantes para tratar e não havia documentos a comprometer os jogadores ainda na roda, veio-se a reveler que não, que afinal faltava uma cadeira, e que mais um dos jogadores ia ter que ficar apeado.

Quem? Obviamente, o mais totó, o que tinha sido incumbido pelos outros de conduzir a marosca sem, por não ser político nem advogado, se prevenir contra deixar provas documentais espalhadas pela cena do crime. E deixou, será ele a saltar fora. E é uma boa estratégia de jogo jogar fora o jogador que conhece mais por dentro o processo e sabe o que cada um dos que restam sabiam, mesmo sem ter os documentozinhos assinados a provar o que eles sabiam? Pode não ser...

E o jogo acaba aqui? Não, este jogo só acaba quando todos os sapos ficarem apeados, inclusivamente o último. Os dois jogadores que restam são virtuosos naquilo a que se chama o tacticismo político. Qualquer deles merece ficar em jogo até ao fim, mas um deles vai ter que perder nesta jogada. Qual deles? O Correio da Manhã ditará com as suas fugas de informação a conta-gotas. Mas um deles foi à vinha enquanto o outro ficava à porta, é mais provável que seja o que foi à vinha a saltar. O futuro o dirá.

Neste jogo só há uma coisa fatal como o destino. Tanto os que saltam, como os que ficam, estão cheios de lama até ao pescoço.

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 14:49
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Sexta-feira, 10 de Fevereiro de 2017

Manuela Rebelo de Sousa não rima com ética

2017-02-10 MFL política de verdade.jpg

O governo meteu-se numa grande trapalhada.

Encheu-se de brio e decidiu escolher para liderar a CGD um gestor profissional. O homem já se tinha reformado, e bem, que os gestores profissionais da banca reformam-se cedo, e bem, mas mesmo assim levava caro para voltar a trabalhar, e não estava disposto a aceitar o lugar a não ser que o isentassem de apresentar ao Tribunal Constitucional a declaração de património e rendimentos que segue directamente para as páginas do Correio da Manhã. A intenção de manter o seu património e rendimentos ao abrigo da curiosidade alheia fica mal num gestor da CGD, e é ilegal, mas é completamente ética e legítima em qualquer outro cidadão, assim como a decisão de declinar o convite se não fosse satisfeita. Mas o governo, levado pelo brio, e inebriado pela missão de fazer Portugal porreiro de novo e livre da austeridade, decidiu fazer-lhe a vontade com um arranjinho legal para o isentar dessa exposição. Melhor ainda, delegou nos advogados do banqueiro a melhor redacção para a lei que publicou com essa finalidade. Quando a coisa foi tornada pública, ainda ensaiou um argumentário na linha de é preciso ir buscar os melhores e aliciá-los com condições concorrenciais com o mercado, mas acabou por perceber que com a medida corria mais risco de se tornar impopular do que estava disposto a correr, e abandonou o banqueiro e a sua intenção de manter o património e os rendimentos em privado à sua sorte. Começou a negar que tivesse tido intenção de isentar o banqueiro da declaração e passou mesmo a dizer publicamente que era claro que o banqueiro teria que os declarar. O banqueiro acabou por se demitir pouco depois de entrar em funções, causando um embaraço ao governo, não por ter enganado o país com a combinação secreta com o banqueiro, nem por ter depois enganado o banqueiro renegando a combinação secreta, mas por ter desde a primeira hora declarado o virar de página na CGD como uma bandeira política, e se ter passado um ano sem virar página nenhuma. Mas de cara lavada por, segundo o próprio, nunca ter acedido à pressão do banqueiro para alterar a lei à medida das suas aspirações pessoais.

Mas na melhor cara lavada cai a nódoa, e têm-se vindo a descobrir trocas de correspondência que provam que o governo tinha mesmo prometido ao banqueiro remover-lhe a obrigação de apresentar a declaração, que o decreto que a intentava remover tinha sido redigido em colaboração com os advogados do banqueiro, e que o governo tinha mentido ao país ao negar tudo isto. Nada de contraditório com o nível habitual de ética deste governo desde que se começou a formar, e nada de embaraçoso, que é tão embaraçoso para este governo ser apanhado a mentir e a traficar interesses públicos por privados como para o Donald Trump ser apanhado a fazer pleneamento fiscal: é, pelo contrário, motivo de orgulho por ter conseguido arranjar maneiras de enganar os outros.

Mas neste caso concreto havia um detalhe que, mesmo sem ser embaraçoso, podia trazer transtornos: além de, como o primeiro ministro e o secretário de estado, ter mentido a todo o país, o ministro também tinha mentido na comissão de inquérito no parlamento. Uns alegarão que é mais grave mentir ao país do que a uma comissão parlamentar. Mas, à luz da lei, é mais grave mentir ao parlamento do que ao país, porque enquanto mentir ao país só tem consequências políticas, o que significa que um bom equilibrista se consegue aguentar à bronca sendo mesmo apanhado a mentir, e é olhar para o Sócrates para ver a prova desta asserção, mentir a uma comissão parlamentar pode ter consequências penais. É motivo de orgulho, mas pode ser um incómodo.

Apanhado numa grande trapalhada, logo recebeu o apoio do doutor Rebelo de Sousa que, com um passado de jurisconsulto de prestígio, interrompeu o seu programa de comentário diário sobre a actualidade política para lhe oferecer as linhas mestras de uma boa estratégia de defesa: sem um papelinho assinado  por governantes, não se pode provar que o governo assumiu o compromisso com o banqueiro. É uma linha de defesa genial, e tanto se aplica para livrar das garras da justiça governantes corruptos que não passaram recibo do prémio como violadores que não escreveram uma carta à vítima a confirmar a violação. O jurisconsulto ilustre teria dado um advogado de primeira linha se não se tivesse dedicado ao comentariado diário.

Mas, mesmo tendo a trincheira jurídica para se defender da acusação de mentira à comissão parlamentar já eregida, havia ainda que, que vivemos em democracia e a opinião pública acaba por ser regularmente vertida em votos, acalmar do povo o gran sussurro. Disso se ocupou a turma da propaganda do costume, desta vez liderada pelo recém nomeado director-adjunto de informação da RTP: a questão da mentira do ministro é um fait-divers, um assunto com que não se devia perder tempo que é precioso para discutir assuntos muito mais importantes para o país. Passa-se um pano sobre o assunto e não se fala mais nisso. Boa? Se não é boa é, pelo menos, o melhor quer se pode arranjar, e formou-se um coro a esconjurar a discussão com este argumento.

A drª Manuela Ferreira Leite, ex-presidente da Comissão Política Nacional do PSD, tal como o doutor Rebelo de Sousa, também juntou a sua voz a este movimento que apela ao branqueamento do caso das promessas ilegais feitas por governantes a um banqueiro, das declarações públicas dos governantes a anunciá-las, do acolhimento das sugestões dos advogados do banqueiro para redigir a lei para as legalizar, do recuo dos governantes quando perceberam que a medida afinal era impopular e lhes podia custar mais do que render, e do estado de negação absoluta em que entraram depois deste recuo desmentindo tudo, mesmo o que está documentado, para arrumar o assunto a tempo de salvar a pele dos aldrabões que começaram por albrabar o país cozinhando leis com o banqueiro, depois aldrabaram o banqueiro abandonando o compromisso, e agora aldrabam toda a gente negando tudo, a pretexto de não ser um assunto importante e haver outros mais importantes para discutir.

De facto há coisas mais importantes do que este caso específico, tão importantes que ele é apenas um mero caso específico de uma realidade geral. Há governantes que assumem em segredo compromissos ilegais com interesses privados. Há governantes que delegam nesses interesses privados a própria redacção das leis que legalizam a satisfação desses compromissos. Há governantes que enganam o país, e também enganam os privados com quem enganam o país assumindo compromissos secretos. Há governantes que negam, mesmo quando há provas a comprovar, as trafulhices que fizeram. Mas isto não tem nada de especial, é o dia-a-dia da política que em democracia se tende a resolver, se não de imediato, pelo menos com o tempo. Mas há ex-presidentes do maior partido da oposição, que no caso actual é o maior partido português medido pelos votos conseguidos nas eleições legislativas, a branquear estas pouca-vergonhas, fornecendo aos vigaristas sugestões para se defenderem formalmente contra a evidência dos factos, ou sugerindo que se deixe a vigarice ficar impune porque há coisas mais importantes para se discutir.

E o mundo está cheio de Trump e Le Pen à espreita de oportunidades como esta para dizer aos eleitores que o sistema está podre (como se estivesse mais do que uma fracção do grau de podridão a que pode ascender com eles) e estão todos feitos uns com os outros (o que não é sempre verdade mas, neste caso, e dadas estas posições, até parece que é).

Não, drª Manuela Ferreira Leite. Isto não é uma trica entre duas pessoas. Isto, incluindo os seus comentários a desvalorizá-lo, é uma ameaça à democracia.

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 22:39
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Terça-feira, 7 de Fevereiro de 2017

Tenha vergonha, doutor Rebelo de Sousa!

2017-02-07 Mercelo troika banca.jpg

O doutor Rebelo de Sousa vem a público apontar mais uma falha da troika.

Sabemos muito bem que a crítica não é dirigida à troika, mas faz parte de um pacote de críticas ao governo anterior por não ter resolvido os problemas da banca, recitado, em uníssono ou com variações, com os socialistas, os bloquistas e, em menor grau, os comunistas.

Um pacote inteligente. Quanto mais se discutir o problema da resolução do problema, menos se discute o problema da origem do problema, as vigarices concertadas pelo anterior primeiro ministro socialista para financiar as políticas económicas do seu governo, ou apenas para fazer chegar dinheiro aos seus amigos, ou ambas, envolvendo maioritariamente a CGD, banco público tutelado pelo governo, a tolerância do regulador, mas também outros grupos financeiros que, entre o deve e o haver de cruzamentos de interesses variados, encontravam estímulo para também apoiarem as políticas económicas do governo. E quando a discussão se orienta para a origem do problema, por exemplo na comissãos parlamentar de inquérito aos negócios ruinosos da CGD, barram-na na medida das suas possibilidades e dos limites da legalidade.

E ganham todos com este concerto. Os socialistas por encobrirem as vigarices que promoveram e arruinaram a banca, pública e privada. Os bloquistas e comunistas por encobrirem que é tanto ou mais fácil arruinar bancos públicos, com os mecanismos de regulação que têm e a sua porosidade aos interesses privados dos governantes, como privados, quando caem nas garras de pequenos grupos de accionistas de referência determinados a usá-los para financiarem as suas aventuras negociais e empresariais privadas. O doutor Rebelo de Sousa porque tem que se livrar do líder da oposição antes das próximas eleições presidenciais e do seu provável desapoio explícito, que é muito diferente do anterior apoio discreto pela máquina do partido a pedido do candidato sem apoio oficial que levantasse dúvidas sobre a independência do candidato, à sua recandidatura.

Unidos nos interesses e no propósito, também facilmente encontram mensagens comuns, e as críticas à troika, atingindo o governo que implementou o programa acordado entre o anterior gocerno socialista e as instituições da troika, são um dos temas mais comuns.

Só que são tão estúpidas como desonestas. A troika enviou para cá meia dúzia de funcionários entre técnicos e dirigentes, ou que fossem duas dúzias, que trabalharam com a informação que lhes foi dada pelo governo (Sócrates) e pelas instituições com quem reuniram, não trouxe batalhões de auditores para passarem a pente fino balanços de bancos, validando se cada crédito era cobrável ou incobrável, se a apreciação que dele faziam os auditores e reguladores era realista ou optimista, nem andaram a fazer contagens de armazém em empresas para validar os seus balanços. Quando alguém sugere que a troika falhou na detecção da verdadeira situação da banca não está interessado na detecção da verdadeira situação da banca, mas na ocultação da verdadeira situação da banca. Ainda hoje, como se tem visto no esforço para esconder a da CGD.

O doutor Rebelo de Sousa lamenta que a troika não tenha descoberto há mais tempo as fragilidades da banca.

Pois eu lamento que não as tenha descoberto há mais tempo o mais notável comentador televisivo dos últimos quarenta anos, próximo, por amizade e mesmo parentesco, do grupo de vigaristas que, logo a seguir à quadrilha Sócrates, Constâncio, Santos Ferreira e Vara, que conseguiram atirar a gigante CGD ao tapete, maiores prejuízos causou à banca portuguesa, os banqueiros do BES, ou que se sabia delas se calou muito caladinho, não se sabe se para proteger os amigos e parentes eventualmente envolvidos neles. É que, se da sua posição de observação privilegiada próximo dos principais actores, e de arauto de influência absolutamente firmada na opinião pública a nível de até ter feito tombar governos, as tivesse denunciado em tempo, muito dinheiro de poupanças de gente séria teria sido poupado a ser derretido em negócios familiares dos banqueiros, muito dinheiro dos contribuintes teria sido poupado a indemnizar estes lesados pelas vigarices que os banqueiros lhes fizeram, e muito mais seria poupado se eventualmente os socialistas, bloquistas e comunistas vierem a conseguir levar avante a sua intenção de nacionalizar o banco.

Tenha vergonha, doutor Rebelo de Sousa!

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 18:20
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