Um assessor de um gabinete governamental, além de tirar fotografias em pose de empreendedor com os braços cruzados, ganha entre três mil e tal e quatro mil e tal euros por mês.
Se for um puto, ou uma puta, que também as há, que nunca fez na vida a ponta de um corno para além da militância partidária, às vezes nem estudou, é uma fortuna. Se for alguém com uma carreira profissional sólida pode ser uma ninharia. O que os move quando se dedicam à causa pública para além do natural apelo de a servir?
O porta-voz da ANTRAM, André Matias de Almeida, antes dos 30 anos já coleccionava lugares de nomeação política em empresas e instituições públicas controladas pelo amigo, o falecido secretário de Estado da Indústria João Vasconcelos. Cargos que ajudam a compôr o fim do mês dos titulares mas nada de especial, a não ser atestarem a sua condição de boys.
Contratado para porta-voz pela ANTRAM, a Associação Nacional de Transportadores Públicos Rodoviários de Mercadorias, os patrões dos motoristas de transporte de combustível que iniciaram hoje a greve, conseguiu colocar ao serviço da associação todo o governo, as instituiçoes tuteladas pelo governo como a GNR e a Polícia de Intervenção, e mais tarde talvez a direcção-geral dos Serviços Prisionais, toda a máquina socialista dedicada a investigar e expôr os podres de quem se mete com o PS, e ainda o presidente da República que nunca deixa passar uma oportunidade de aparecer como figurante nas encenações do governo actual de António Costa, ora ameaçando os motoristas de consequências a que a impopularidade da greve os poderá sujeitar, ora incitando os automobilistas a abastecerem antecipadamente as suas viaturas e a participarem nas zaragatas nas filas para os postos de abastecimento antes do início da greve.
Quanto vale então um boy para uma confederação patronal? Vale tudo, principalmente num regime em que vale tudo. A ANTRAM não podia ter escolhido melhor.
Marcelo promulgou com dúvidas o aumento do salário mínimo na função pública para 635 Euros, por ser superior ao salário mínimo em vigor para o sector privado, de 600 Euros.
É sempre bom ter dúvidas, porque a dúvida aguça o engenho. Mas neste caso são desnecessárias, porque a diferenciação faz todo o sentido.
No privado, se o negócio não sustentar salários mais altos esgota-se o dinheiro dos fregueses, depois o dinheiro que os sócios estão dispostos a colocar na empresa, e por fim esgota-se tudo e a empresa fecha e os empregados ficam desempregados.
Na função pública, quando os salários aumentam mais do que a conta certa há sempre dinheiro dos contribuintes, e quando os governos receiam espremer demais os contribuintes por causa das eleições haverá o dinheiro dos contribuintes futuros para pagarem a dívida que é contraída para pagar estes salários, de modo que o dinheiro nunca se esgota e os empregados nunca ficam desempregados.
Simples, não é? Ó senhor presidente, deixe-se de dúvidas e assine lá essa merda para não fazer esperar o senhor primeiro-ministro.
Eu hoje vou-vos revelar um segredo que peço que tratem discretamente, nomeadamente evitando divulgá-lo nas redes sociais.
Por junto, fui para aí uma dúzia de vezes ver futebol no estádio. Mais ou menos meia-dúzia quando era miúdo, a maioria deles com o vizinho do lado dos meus pais que era sócio do Benfica e nos levava, uma vezes a mim outras ao meu irmão, à Catedral da Luz, uma vez com o marido de uma colega da minha mãe que era sócio do Sporting ao Estádio de Alvalade, e uma vez com o meu pai ver um Portugal-Suécia no belíssimo Estádio Nacional que, se bem me lembro, Portugal perdeu por 2-4. E outra meia-dúzia ver jogos da Selecção Nacional quando a minha filha chegou à idade de se interessar por futebol. O que significa que não vale a pena perguntarem-me o que é um lateral ou se é mais ofensivo jogar em 4-3-3 ou em 2-5-3, que eu não consigo mais do que inventar uma resposta pela pinta da pergunta, porque não sei de ciência certa. Por favor, tratem esta informação discretamente.
Mas hoje vou falar de bola.
Qual deles é o melhor?
Mas tenho um activo que impressiona as gerações mais jovens, que o confundem com uma competência: vi jogar em campo o Eusébio e vi jogar em campo o Cristiano Ronaldo.
E por isso já aconteceu perguntarem-me a opinião sobre qual dos dois joga melhor. Pergunta a que eu, para não decepcionar o jovem que se ilude com a minha ciência desportiva e deposita em mim a esperança de o ajudar a resolver este importante dilema, não fujo a responder e respondo assim.
O Cristiano Ronaldo tem uma capacidade atlética como o Eusébio nunca teve. Mas também é verdade que se o Eusébio tivesse hoje a idade que o Cristiano Ronaldo tem também teria provavelmente uma capacidade atlética como nunca teve quando tinha essa idade.
O Cristiano Ronaldo trabalha que nem um cão e tem uma força de vontade extraordinária quando está determinado a ganhar, e está normalmente, exactamente como o Eusébio trabalhava que nem um cão e tinha uma força de vontade extraordinária quando estava determinado a ganhar, e estava normalmente. E quando, depois e apesar de deixar tudo o que tinha no campo, perdia, chorava como uma criança injustiçada, porque tinha sido mesmo injustiçado.
O Cristiano Ronaldo tem um talento extraordinário, e o Eusébio também tinha. E posso exemplificar os dois. Reparei pela primeira vez na existência do Cristiano Ronaldo nos dois jogos finais do Euro 2004, que vi completos por estar de férias, e lembro-me de me ter impressionado com as fintas e movimentos endiabrados que fazia, e de ter comentado essa impressão junto de amigos com quem me cruzava habitualmente nas férias, que vinham do Porto e diminuiram o talento do rapaz dizendo que fazia uns rodriguinhos mas não concretizava. Eles podiam saber de triangulações e jogadas em profundidade, podiam até assinar a Sport-TV, mas a história deu-me razão e tirou-a à tirada infeliz deles, que eu desconfio que se devia ao facto de o Cristiano Ronaldo ser do Sporting, como eu era e eles sabiam, e não do Porto, como eles eram todos, e até tinham tomado o Scolari de ponta por ter substituído o Baía pelo Ricardo, opção que se acabou por revelar genial nos quartos de final com a Inglaterra numa noite em que o torneio de Bridge no Centro de Bridge de Lisboa foi cancelado para se ver a bola. E num dessa meia-dúzia de jogos que vi em criança vi o Eusébio marcar um golo de canto directo contra o Porto, e ainda hoje me lembro da trajectória improvável que fez a bola curvar, ao cair sobre a pequena-área na frente da baliza, do arco comum de projecção horizontal recta que tinha seguido desde o pontapé até chegar à frente da baliza, para uma curva acentuada que a fez entrar inesperadamente. Uma trajectória substancialmente diferente na natureza da curvatura do livre que o Cristiano Ronaldo marcou contra a Espanha neste mundial, em que a bola iniciou a trajectória numa direcção que a levaria ao lado da baliza mas toda a trajectória foi uma curva suave que a levou para dentro da baliza. No canto, a bola só curvou, acentuada e repentinamente, quando chegou à frente da baliza. Eu não faço cálculos de aerodinâmica há muitas décadas, e não tomem isto por ciência certa, mas especulo que a bola pode ter sido atirada com um efeito muito poderoso mas que não a fez curvar enquanto teve velocidade, e quando reduziu a velocidade ao cair na pequena área o efeito pode-se ter tornado preponderante para a fazer curvar. Seja porque motivo tenha sido, foi um golo do caraças.
Mas não me lembro de o Eusébio ter falhado um penalti, e já vi o Cristiano Ronaldo falhar um ao vivo no Estádio da Luz e outro em directo neste Mundial contra o Irão, e muito menos de ter dado alguma cotovelada na cara de um adversário, e no entanto era regularmente massacrado com violência pelos adversários. Como se não fosse bem um humano a reger-se pelas regras dos humanos, como se para ganhar lhe bastasse jogar à bola como sabia. Como se fosse um gentleman.
E ver tipos que não são capazes de fazer uma conta de subtrair a calcular, com a cabeça ou com os pés, trajectórias exóticas que nem a Ciência Física consegue deduzir nem nenhum Físico consegue simular em computador, como ver miúdos que cresceram em favelas onde a lei que impera é a da selva a crescerem para se tornarem gentlemen sportsmen é capaz de ser aquilo a que se chama a magia do futebol.
O Salvador Sobral deu uma entrevista.
O Salvador Sobral deu uma entrevista a uma televisão espanhola. E o que disse ele?
- Eu sou o Ronaldo da música mas pago impostos.
Grande lata! Um palerma malcriado, esquerdopata e drogado a ousar comparar-se com o Cristiano Ronaldo? E isto é uma selecção muito filtrada para não ultrapassar as fronteiras da civilidade dos comentários que vi nas redes sociais. Eu próprio não fiquei indiferente à parvoíce das afirmações dele, embora dando um desconto ao relato da comparação, que admiti ser uma adaptação de um diálogo que imaginei antes assim:
- Tu és o Ronaldo da música? - Sou, mas pago impostos.
E deixei no meu Facebook um comentário demolidor, não da megalomania que atribuí a um mero exercício de ironia para responder a uma pergunta parva, mas à crítica implícita do cantor aos problemas fiscais do Cristiano Ronaldo, escrevendo "Estas palermices ficam bem a uma estrela de variedades que nasceu em berço de ouro e que, além de ter uma irmã gira e talentosa, é conhecido por dizer piadolas palermas com uma descontração desconcertante. Mas o Cristiano Ronaldo que cresceu com os dentes tortos e uma coragem inimaginável da mãe já deve ter pago numa vida só mais impostos do que toda a linhagem somada dos Condes, Viscondes, Barões e Senhores de Sobral que deu ao menino o berço de oiro onde nasceu e os dentes certinhos, incluindo os banqueiros.".
O Salvador Sobral tem de facto algum historial de afirmações um bocado palermas que parecem exercícios catalogáveis na categoria que noutros tempos se designava como politicamente incorrecta, hoje em dia os conservadores assumem que politicamente incorrectos são eles e que tudo o que tenha inspiração socialista ou liberal (no sentido que os anglo-saxónicos dão ao termo) é apenas politicamente correcto, termo que passou aliás a ser usado como um insulto ainda mais injurioso que comuna para os despachar sintetica e expeditamente em qualquer discussão, ou noutros tempos ainda mais recuados mas que eu sou suficientemente velho para recordar, para escandalizar os burgueses.
Tal como o soissante-huitard Daniel Cohn-Bandit fazia um exercício de puro mau-gosto quando em 1975 sugeria no seu livro "Le Grand Bazar" jogos sexuais entre crianças e de crianças com adultos no jardim de infância onde trabalhava, de que mais tarde se veio a arrepender quando as palermices escritas para escandalizar os burgueses que as tomassem por descrições de práticas reais em vez de meras provocações para os assustar passaram a ser interpretadas como a confissão de antigos crimes de pedofilia num contexto em que a pedofilia ascendeu na hierarquia dos crimes aos níveis mais odiosos, o Salvador Sobral também tem tido diversas tiradas de puro mau-gosto, como quando disse num concerto de apoio e angariação de fundos para as vítimas de Pedrogão Grande "Eu sinto que posso fazer qualquer coisa que vocês batem palmas. Vou mandar um peido a ver o que acontece", que aliás parece uma apreciação bem fundamentada da sua experiência de passagem rápida do anonimato ao estrelato e um lamento à falta de sentido crítico e de exigência que o novo estatuto parece despertar no seu próprio público, ou "A coca ajuda-me muito" noutra entrevista a outro programa de televisão espanhola. Não passam de palermices politicamente incorrectas, coisa de que não vem grande mal ao mundo por o cantor não fazer o que faz para nos pastorear mas simplesmente para nos entreter, mas que lhe asseguram um ódio de estimação entre as pessoas que ofende com estas provocações.
Já a parte da resposta que insinua que as práticas fiscais do Cristiano Ronaldo que originaram o processo que o fisco espanhol lhe instaurou que acabou num acordo em que ele se comprometeu a pagar "voluntariamente" quase 20 milhões de Euros e o Estado espanhol a não o condenar a uma pena de prisão efectiva, são censuráveis, por contraponto com as dele, que são limpas, pode conter uma certa dose de injustiça, tendo em atenção que o futebolista é certamente um dos maiores contribuintes individuais para o fisco espanhol, pagando anualmente do seu bolso muitos milhões de Euros de impostos que o governo espanhol depois redistribui entre os outros espanhóis das formas que entende e que a lei prescreve, e que a prática em questão, não reconhecer como usufruidos em Espanha e não declarar em Espanha rendimentos de actividades que ele exerce noutros países, por exemplo a utilização da sua imagem em publicidade comercial que passa em Portugal, tem algum sentido, e que o acordo "voluntário" se deveu mais à força bruta do fisco e à sua capacidade para o condenar a uma pena de prisão do que ao reconhecimento pelo futebolista da ilicitude das suas práticas fiscais. Podendo tratar-se de um abuso do fisco espanhol sobre um contribuinte para lhe extorquir ainda mais dinheiro, de a business proposition he wasn't allowed to refuse no sentido corleonico da expressão, mais valia ao cantor ter-se abstido de criticar o futebolista.
E portanto o Salvador Sobral diz palermices, é megalómano e concorda com os abusos do fisco sobre os contribuintes.
Isto seria uma grande verdade se ele tivesse dito na entrevista o que se disse que ele disse. Só que ele não disse nada do que se disse que ele disse. À pergunta "- Tu eres el Cristiano Ronaldo de la musica?" ele respondeu "- Ui!", e à disparada logo de seguida "- Pero pagas impuestos?" ele respondeu "- Pago impuestos." (minuto 16:07).
De resto, uma entrevista de um miúdo modesto e inteligente num Espanhol correcto onde até cabem críticas à política cultural do governo socialista português e à distância entre as expectativas que suscita nos agentes culturais e o que depois está efectivamente disposto a distribuir por eles. E a interrogação sobre se a energia que exibe ultimamente se deverá, não à cocaína, mas à cortizona que tem tomado por causa da sua condição de saúde?
Mas para que interessam os factos quando os factos estragam uma boa história? Para nada. Então podemos manter o resumo original da entrevista.
- Eu sou o Ronaldo da música mas pago impostos.
O Marcelo teve um rendez-vous
Depois de desmaiar em Braga por causa de uma intoxicação alimentar que terá apanhado na Rússia o Marcelo, let's skip the "Professor Rebelo de Sousa", foi aos Estados Unidos da America falar com o Donald Trump.
Os seus níveis de energia talvez se devam também a algum medicamento que lhe deram para acordar do desmaio, porque mal chegou à Casa Branca deu ao Donald Trump um passou-bem que o ia arrancando do chão, talvez um golpe aprendido quando era praticante de Aikido, talvez aprendido no seu rendez-vous anterior como o presidente macho-alfa Vladimir Putin.
Mas a energia do passou-bem não se comparou com a da conversa, que foi registada para a eternidade pelas televisões logo a seguir a uma declaração do presidente Trump sobre a substuição de um dos juízes do Supremo Tribunal que a precedeu.
E entre o que eles disseram, o que quiseram dizer e o que pensaram, a conversa foi mais ou menos isto.
- Anyway I'd like to tell that we have a very long lasting friendship and partnership...
- Yes.
- ... it started the moment we recognized you...
- Thats right.
- ...we were the first neutral country to recognize United States of America independence...
[assentar com a cabeça]
- ...although we had as our oldest ally England...
- Hum, hum.
- ...so it was courageous at that time, and I don't know if you know it, but your founding fathers celebrated the independence with our wine, with Madeira wine, they made a toast...
- Good taste!
- ...with our Madeira wine, it's a long story...
[Ganda seca, este gajo pediu aos assessores a história da amizade entre Portugal e os EUA e não se vai calar enquanto não a desboninar toda e ainda vamos no século XVIII]
- ...Madeira island also gave to the world Cristiano Ronaldo, don't forget that Portugal has the greatest football player in the world...
- Oh... [Tirem-me daqui]
- ...Cristiano Ronaldo is now in Russia, by the way, my friend Putin sent a "Hi" to you...
[Tenho que ver se arranjo uma coisa qualquer para dizer a ver se ele fecha a matraca]
- ...Cristiano Ronaldo has balls the size of watermellons, you can see it in his statue, balls of Madeira, wooden balls...
- Right, thats right.
- ...so if you go to Russia before the championship ends Cristiano Ronaldo will still be there and you can send him my "Hi"...
[Já sei!]
- ...as Portugal will still be there and wanting to win...
- So tell me, how good is he as a player, are you impressed?
- I'm very much impressed, he's the best player in the world...
- So, will Cristiano ever run for president against you?
- O caralhinho é que ele me tira o lugar! Pensas que o filho de uma criada de servir alguma vez chega a presidente, seu chimpanzé de cabelo alaranjado? Portugal is not just the United States!
Seguiram-se perguntas da comunicação social sobre o tema que realmente lhes interessava naquela sessão, a substituição do juiz do Supremo Tribunal que se reformou, e o Marcelo ficou sossegadinho durante o resto da sessão. A pergunta tinha resultado.
Um paisano lê um parágrafo destes e pasma: como é que no Governo, no Parlamento, nos jornais, até mesmo nas universidades, ninguém se lembrou disto? E que criminosa desatenção fez com que estas "coisas muito simples" tivessem não apenas sido ignoradas mas decerto agravadas, visto que a posição de Portugal no Índice Global de Competitividade se deteriorou em 2016 (era a 38ª em 140 países, em 2015, e passou a ser a 46ª em 138).
Marcelo recorda que "o Presidente não tem poderes executivos" e pode apenas "exercer o seu magistério de influência". Isto é uma grande contrariedade, dado que como semelhante magistério deixou, neste particular, de ser exercido no ano findo, sem dúvida por ter sido orientado para outros assuntos momentosos, perdeu-se tempo; e é uma infelicidade que, em vez de contarmos no Executivo com alguém que sabe perfeitamente o que fazer, tenhamos que nos resignar ao exercício naturalmente canhestro do aluno em vez da luminosa experiência do professor.
Porém, o país teria muito a ganhar se o senhor Presidente não fosse avaro de concretizações, e explicasse: i) Como se assegura a estabilidade política quando os dois partidos comunistas que sustentam a maioria defendem, quanto à União Europeia, ao Euro, à legislação do trabalho, e à economia de mercado (et j'en passe) posições opostas ou muito diferentes das do PS? ii) Que garantias pode haver de paz social se a ausência de manifestações, tumultos e greves decorre dos ossos que se vão atirando ao PCP e à CGTP, cujo apetite, por insaciável, em algum momento no futuro tem que deixar de ser satisfeito? iii) Por que motivo o último orçamento, tal como todos os anteriores, dinamitou qualquer ideia de estabilidade fiscal ou de contenção da voracidade do Fisco, e por que motivo devemos acreditar que no futuro, sendo os governantes os mesmos, e Sua Excelência o mesmo também, as coisas serão diferentes? iv) Todos os presidentes, todos os primeiros-ministros, todos os ministros da Justiça, presidentes do STJ e procuradores gerais da República, para não falar de especialistas a granel, se pronunciaram desde há décadas, com gravidade, sobre os males da Justiça. E esta mantém-se teimosamente, com perdão da palavra, uma merda. Mesmo reconhecendo a transcendência do génio do presidente Marcelo, as propriedades miríficas do seu deslumbrante sorriso e o fascínio que exerce sobre as donas de casa da classe média, os empregados do comércio e os espectadores da tv, não parece excessivo duvidar que, onde tanta gente falhou, ele acerte. Sobretudo não tendo, como diz o próprio, poderes executivos, nem tendo deixado rasto de obra que prestasse quando os teve; e v) É praticamente impossível fazer mais e melhor pela qualificação das pessoas do que o muito que tem sido feito. E com justiça se reconhece que a actual geração é a mais bem formada de sempre, faltando-lhe apenas, se quisermos ser perfeccionistas, aprender a escrever, fazer contas e raciocinar.
Marcelo ganhou as eleições com uma mistura de notabilidade de famoso, simpatia, vacuidades, à-vontade genuíno e simplicidade falsa. Pode-se ganhar empreendedores ricos com isso? Pode - quem pretenda investir em banha da cobra.
Na semana em que se tornou evidente para lá de qualquer dúvida razoável que o presidente Marcelo tem todas as suas tropas no terreno lado a lado com as do primeiro ministro António Costa, para não falar nas do militante número um do PSD Pinto Balsemão, a tentar derrubar o presidente do PSD Passos Coelho, nesta semana procurando atraí-lo à ratoeira de uma candidatura autárquica pára-quedista e para ocupar o lugar a prazo apenas como trampolim para regressar ao governo e, portanto, destinada à derrota certa, ou seja, uma candidatura suicida, o que por seu lado torna evidente que todos os três tentam promover a sua substituição na liderança do partido por outro a quem o António Costa consiga ganhar as eleições que perdeu e sabe que voltará a perder contra ele, na mesma semana em que o presidente da república passou a fronteira entre a cooperação estratégica com o governo e a mentira descarada ao reforçar, dizendo sobre a solução para os lesados do BES que os contribuintes poderiam ter que pagar do bolso deles um pequeno custo, a mentira do primeiro ministro, que dissera que havia um pequeno risco de eles terem que suportar custos, quando o risco de eles terem que pagar um grande custo é absolutamente certo, no meio de uma daquelas conversas entre eleitores do doutor Rebelo de Sousa sobre a sua falta de isenção política e de sentido de estado que conduzem sempre à auto-justificação de que... seria suicida não votar no Marcelo e abrir a possibilidade de haver uma segunda volta em que a esquerda votaria em bloco no Sampaio da Nóvoa contra ele..., um amigo fez-me pela primeira vez uma pergunta a que eu sempre soube reponder e sempre estive preparado para responder na ponta da língua:
Desatei logo a debitar o MP3, que já não se vendem cassetes, número um:
E ele olhou para mim e disse-me, com olhos de quem pergunta e não é isso que está a acontecer?
Ou seja, não disse nada e deixou-me continuar:
E nesse dia percebi que tinha deixado de saber responder à pergunta a que até aí sempre tinha sabido responder.
Foi bom o discurso de Marcelo: nele não figuravam recados, não lançava farpas (senão a referência à “mão invisível”, possivelmente uma velada crítica ao suposto liberalismo da defunta coligação, pecha da qual a pobre nunca sofreu), não apontava o dedo, não continha frases jesuíticas (como os de Eanes, para simular a profundidade que não tinha), não atacava enviesadamente os partidos que não o apoiaram (como Soares, Sampaio e Cavaco fizeram), não foi revanchista (como Cavaco, no segundo discurso de tomada de posse), não estava redigido no abominável economês cheio de lugares-comuns com que Cavaco entediava a Nação, nem no palavreado supostamente culto e progressista com que Sampaio se imaginava líder de causas, nem na prosa chula de Soares, cultivando cuidadosamente a função de contrapoder, ao serviço dos verdadeiros valores de Abril dos quais cria ser fiel depositário.
Se quisesse escabichar defeitos, a expressão "... para cada Portuguesa e para cada Português que vai o meu primeiro e decisivo pensamento..." concede demais ao politicamente correcto da igualdade entre os sexos; e um "arquipélago com três vértices – Continente, Açores e Madeira" não parece uma imagem excessivamente feliz - os arquipélagos têm uma tendência muito marcada para terem vértices apenas na pintura cubista.
Mas, depois de Cavaco, qualquer texto parece saído da pena inspirada do Padre António Vieira; e o inegável à-vontade de Marcelo a navegar com mestria no mar das cerimónias públicas terá por certo agradado à legião imensa, e para já crescente, dos seus eleitores.
A única nota negativa deram-na o PCP e o BE, ao não se levantarem para aplaudir o discurso. E as opiniões divergem: uns dizem que o fizeram para aproveitar qualquer pretexto que não tenha consequências para marcarem diferenças em relação ao PS; e outros que aquela gente não tem sentido das proporções, nem respeito pelos rituais da democracia, nem simples boa educação - sou um dos que isto acha.
Rebrilhando de gordura e satisfação, o PM Costa declarou (cito de memória) que foi um discurso em que todos os portugueses se podem rever.
Pois foi - como deve ser o discurso de um rei constitucional.
Sucede todavia que a recente campanha foi para eleições presidenciais, não para um referendo à restauração da monarquia.
O Presidente da República tem competências políticas que excedem em muito as de um rei constitucional, e será chamado a exercê-las. Ao fazê-lo, não pode agradar a todos os portugueses, porque estes, em todas as matérias de relevo, têm o hábito detestável de terem opiniões várias, e até opostas. Na campanha, Marcelo disse que sim, não, e antes pelo contrário - disse, em resumo, não me comprometam, e com isso ganhou.
Ganhou para fazer o quê? Não sabemos.
Por mim, que não sou deputado, e não estou portanto em circunstâncias de ter que fazer o que a boa educação manda, guardo o meu aplauso para quando o Presidente o mereça. Suspeito que vai ganhar bolor.
O Professor Marcelo enviou uma carta aos portugueses, não sei se a todos ou quantos. Dos outros candidatos não recebi cartas, graças a Deus. E se Marcelo soubesse que, por ter nascido em Plutão, antes da despromoção como planeta, eu tenho opiniões de extraterrestre, decerto me excluiria da lista. Porque a carta, para me agradar, precisava de outra redacção. Corrigi-a assim a meu gosto, trancando o palavreado de chacha e acrescentando, a itálico, o que deveria dizer para garantir a derrota nas eleições, em vez de uma vitória que não serve para nada.
Caríssimo/a,
Estou consciente de como o estado do mundo e da Europa não deixam antever anos fáceis e de como Portugal tem de sair claramente de um clima de crise financeira, económica e social, pesada e injusta inevitável, que já durou tempo de mais ainda não durou o tempo suficiente.
Para isso, considero essencial que haja desejável que haja como nas democracias mais avançadas convergências alargadas sobre aspetos aspectos fundamentais. Considero ainda que não há desenvolvimento, nem justiça, nem mais igualdade com governos a durarem seis meses ou um ano, ou dois, ou uma legislatura, sempre que com ingovernabilidade governabilidade crónica à esquerda e sem um horizonte que permita aos governados perceberem aquilo com que podem contar no quadro da composição parlamentar resultante daquilo que votam que não se diminui a despesa aumentando-a nem se cria riqueza distribuindo-a. Mas a estabilidade e a governabilidade têm de estar ao serviço do fim maior e o fim maior na política é o combate à pobreza, é a luta contra as desigualdades e é a afirmação da justiça social a afirmação do Estado de Direito, o respeito intransigente dos direitos do indivíduo e a reafirmação da independência nacional possível nas actuais circunstâncias do país.
A minha ideia é a de um Portugal com mais justiça e mais igualdade Justiça a funcionar em prazos razoáveis e protecção nas situações de miséria, desemprego, fome e falta de recursos para acesso a ensino até ao secundário, bem como cuidados de saúde. Um Portugal que seja ao mesmo tempo mais justo e uma ponte universal onde haja crescimento económico sem que o Estado o tente promover por outra forma que não seja a remoção de obstáculos, consciente das suas limitações e de que as únicas pontes que vale a pena estabelecer são as do interesse mútuo.
Vivemos hoje uma época em que ainda não percebemos as capacidades de que dispomos, mas em que sentimos sempre que nos falta mais um pouco os políticos, que deviam ser uma elite que aponta o caminho, são uma classe que lisonjeia abjectamente quanto disparate tem acolhimento na opinião pública. Acredito que não nos faz falta estabelecer pontes e laços entre todos nós para que possamos encaminhar o País para um futuro mais risonho. E os consensos políticos são essenciais não apenas dispensáveis mas prejudiciais a esse caminho.
Para isso lanço um apelo à sua participação. À participação de todas as portuguesas e de todos os portugueses. Seja qual for o seu candidato, vote. Participe. Não abdique do seu direito. Não desista da democracia. Não desista do nosso país.
Conto consigo para trabalharmos juntos trabalhar honestamente na defesa do seu interesse próprio porque, ao fazê-lo, estará também a ajudar a comunidade. Um abraço amigo Respeitosos cumprimentos, Marcelo Rebelo de Sousa.
Há um preconceito difuso segundo o qual o desempenho de lugares políticos de topo implica uma sólida bagagem cultural. Os políticos estão conscientes desse facto, e guardam-se, se inquiridos na silly season - um clássico - sobre o que andam a ler, de dizerem a verdade (por exemplo: olhe, menina, eu, tirando os jornais e relatórios ou memorandos de serviço, faz anos que não leio a ponta de um corno). Invariavelmente referem seja uns clássicos da literatura, seja os romances da moda ou, para os mais afoitos ou que sobraçam uma das pastas da economia e das finanças, um ou outro trabalho do último economista que descobriu o segredo do crescimento económico, ou do último sociólogo que analisou as causas da pobreza.
O jornalista não aprofunda, por delicadeza ou, mais provavelmente, porque também não leu; o consumidor do jornal, ou espectador, fica confortado no seu respeito pela personagem; e o ritual cumprido com geral satisfação.
Se a pergunta for sobre filmes, ai!, que ficaram encantados com a Fulana, ou Sicrano, cujos desempenhos foram superlativos no filme xis. E a gente acredita, que não oferece dúvidas o genuíno interesse que tem pela sétima arte uma absurda quantidade de gente que ignora as outras seis.
Os deslizes nesta área, se apercebidos, podem causar grandes danos: os famosos concertos para violino, de Chopin, desqualificaram Santana Lopes como não o fizeram posteriormente as trapalhadas que arrumou para a constituição do seu fugaz governo.
(Se bem que, sobraçando a pasta da Cultura, o lapso tenha ficado ao nível do daquele ministro da Marinha, que Eça inventou, e que localizou Moçambique na costa ocidental de África).
Sem este respeito pela cultura um político que se preze não vai longe, a menos que se louve, pelo menos, numa cátedra, caso em que os disparates são ignorados: Cavaco nunca se deu ao trabalho de arranjar quem lhe escrevesse os discursos, e nem por isso as xaropadas em economês através das quais sempre veiculou as banalidades que imagina serem o nec plus ultra da economia, da gestão e dos destinos do país deixaram de ser objecto do previsível aplauso da chamada direita, do ódio das esquerdas e do respeito daquela massa informe de cataventos a que se chama o centro.
Tudo isto é um equívoco. César foi um general ilustre, um político brilhante, o verdadeiro fundador do Império, antes de Augusto, e escritor de mérito; Marco Aurélio imperador e filósofo; Churchill estadista, historiador e escritor; e, muitos furos abaixo destes exemplos, também entre nós há homens de cultura que chegaram a lugares de relevo na carreira política - Teixeira Gomes, por exemplo, que foi presidente da república, ou Oliveira Martins, ministro. Mas estas, e outras, são as excepções: Reagan, que passa, possivelmente com boas razões, por ser um dos melhores presidentes que os EUA tiveram, aterrorizava os assessores, quando falava de improviso, por causa da sua prodigiosa ignorância, que o podia levar a cometer gafes em Geografia ou História; e, se inquiridos sobre Newton os chefes de Estado dos 28 países da UE, imagino sem esforço que boa quantidade diria que era um famoso ponta-de-lança, ou inventor de qualquer coisa eléctrica.
Na realidade, o político que deixa marcas tem um pequeno núcleo de ideias assentes sobre o seu tempo, o que fazer para modificar as coisas no sentido que acha desejável para a comunidade, e o que o futuro comporta, de ameaças e oportunidades; o resto são circunstâncias e tática.
Sucede que estamos em campanha para a eleição do Presidente da República. E mesmo que o lugar seja largamente cerimonial, e ainda que o que nos interessa para o nosso futuro dependa hoje muito mais de gente que nem conhecemos nem elegemos, porque são estrangeiros, do que do marmelo que vai ocupar Belém, quem não tiver vocação para abstencionista, como eu, tem que fazer uma escolha.
Recomendam-me Marcelo. O próprio, parece-me, é que não se recomenda.
Estaria disposto a perdoar os livros que aconselha, e dos quais com certeza não leu senão a badana, porque levo à conta de vaidade ingénua, e homenagem ao espectador iletrado e por isso susceptível de ser impressionado, esse afectado amor à leitura. E tenho a certeza de que não leu porque não tem tempo, nem, se tivesse, lhe faço a injúria de imaginar que apreciaria o lixo que promove.
Marcelo ama os pobres, que quer beneficiar, os ricos, que não quer prejudicar, os remediados, que quer promover, os velhos, que respeita, os novos, que compreende, os de esquerda, que não são menos cidadãos que os outros, os de direita, dos quais está mais próximo quando não está afastado, e a todos oferece o seu afecto. E também isto lhe perdoo porque quem ama toda a gente não ama ninguém, e realmente o amor presidencial só não é uma figura de retórica para os filhos, se os tem, para a mulher, se for casado, para os parentes chegados, se se der com eles, e para os amigos, se os conserva.
Sobre a União Europeia, o Mundo, o Serviço Nacional de Saúde, o destino do Braga e a forma como vai decorrer o Campeonato Europeu, ou o problema dos refugiados ou do Estado Islâmico, podemos estar certo que dirá coisas simpáticas, esperançosas e inócuas - exactamente como um João Semana bondoso, perorando aos basbaques no café da aldeia, ao fim de semana.
No concreto, e sobre o múnus da presidência, Marcelo diz nada. Por exemplo: quando o regime costista der de si, porque o PCP já espremeu o que havia a espremer, ou porque as contas derraparam, ou por outra razão qualquer, faz o quê?
Promove o consenso, ora - aquilo é o campeão dos consensos. E esta palavra sensata e mágica é o véu com que cobre não a ambição, que lhe perdoaria, mas a vacuidade, que lhe suspeito e pode ser perigosa.
Marcelo é uma incógnita: apesar de se oferecer, anos a fio, à curiosidade pública, e de fascinar uma larguíssima corte de seguidores com os seus inegáveis dotes de comunicador, ninguém se lembra de uma ideia original, um dito particularmente agudo, uma tese controversa, um entendimento claro sobre o que deseja para o país a mais de um ano, o que acha sobre o futuro da União Europeia, até mesmo o que pensa sobre a nossa história das últimas décadas, e porque estamos como estamos - nada.
É brilhante - também as lantejoulas. E porque suspeito que o Presidente da República será chamado a tomar decisões que não consistirão apenas na escolha dos peitos onde vai dependurar medalhas, ou dos lugares que vai honrar com os seus discursos de circunstância, e sem saber por onde vou - sei que não vou por aqui.
“(Anselmo Crespo): Portanto, não vai dissolver o parlamento caso Pedro Passos Coelho lhe peça para dissolver o parlamento por ter apoiado uma medida do governo?
Quanto à dissolução, a questão é muito simples. Na nossa constituição, desde 82 (foi a revisão que alterou os poderes presidenciais, e que vale até hoje), há dois poderes de excepção que tem o presidente da República, digamos, duas armas atómicas. No dia-a-dia tem o controlo, tem a possibilidade de vetar os decretos-leis do governo, o que é definitivo, ou de vetar suspensivamente as leis da Assembleia e de controlar o que faz o governo. Mas depois tem, para os períodos de crise, duas armas atómicas. Uma que nunca foi usada, que é exonerar o primeiro-ministro. Como se exige que haja qualquer facto ou situação que ponha em causa o regular funcionamento das instituições, nunca nenhum presidente a utilizou. Preferiram dar o salto e utilizar o poder de dissolver – invocando que está em causa o regular funcionamento das instituições. O que é muito curioso, porque dissolver devia ser mais extremo do que exonerar. Porque teoricamente pode um governo ir abaixo e haver, no quadro do mesmo parlamento, a possibilidade de encontrar outro. Mas não. Todos os presidentes anteriores, incluindo o actual, recorreram ao poder de dissolução sempre que entenderam que havia uma situação em que estava em causa, ou podia estar em causa, o regular funcionamento das instituições.
(Clara de Sousa): Em que circunstâncias admitiria usar esse poder?
Eu aí vou dizer exactamente o que digo aos meus alunos de Direito Constitucional desde o tempo em que votei a Constituição, depois acompanhei revisões constitucionais, e ensino Direito Constitucional. Que é, no caso de haver uma crise política, ou relativa ao governo ou relativa às relações entre o governo e os outros órgãos de soberania, uma crise grave, obviamente, que ponha em causa o funcionamento das instituições, mas além disso, que não haja a hipótese de encontrar uma solução alternativa no quadro do mesmo parlamento. Porque se houver é mais económico, para o país, não ir para eleições. E no caso de haver uma forte probabilidade de, como resultado das eleições, sair a solução do problema. O presidente Chirac chegou a presidente, dissolveu, para pôr a direita no poder, e o que aconteceu é que não houve direita no poder porque pura e simplesmente perdeu essa sua “aposta” e ficou com o mandato maculado. Quer dizer, a ideia de que se pode, à distância de 4 meses, 5 meses, 6 meses, dizer “ai!, eu vou dissolver, no dia tantos do tal, às tantas horas, porque eu antecipo que vai haver uma crise, e tal” – ninguém antecipa crises. O que eu desejaria é que não houvesse crises. E desejo que não haja crises. E acho que tudo se deve fazer para que não haja crises, até porque a governabilidade é importante neste momento de saída da crise. Se vier a ocorrer a crise, eu julgarei caso a caso, momento a momento. Quer dizer: não prescindo de exercer os meus poderes, mas esta coisa de dissoluções antecipadas não existe.
(AC): Maria de Belém deixou já claro que o não cumprimento dos tratados orçamentais, por exemplo, seria um motivo para dissolver o parlamento. O que lhe pergunto é: para si também seria um motivo?
Não, eu acho que há n situações, várias situações, em que nós podemos antever situações de crise. Não é apenas essa específica, há outras situações. Tão graves ou mais graves do que essa. O que não faz muito sentido neste momento é estar a dizer “eu antecipo que se vai verificar isso”. Eu desejo que isso não se verifique: desejo que os compromissos internacionais sejam cumpridos, desejo que a situação seja uma situação em que não há uma implosão da forma governativa, desejo que haja a resolução dos problemas económicos e financeiros dos portugueses, é isso que o presidente deve desejar.”
Para compreender isto basta estar com atenção, não é preciso fazer um desenho. Marcelo Rebelo de Sousa explicou muito bem que só dissolverá o parlamento se tiver a certeza que a “maioria” do dr. Costa se desfaz. Porque se as eleições lhe devolverem a mesma “maioria”, possivelmente reforçada, isso não será para Marcelo, como ele diz, uma “mácula”. Será uma desautorização.
Poderíamos, com o resultado das últimas eleições, ter um governo minoritário PàF, que reformaria ainda menos do que quando era maioritário e vivia sob a férula da troica, mas se esfarraparia para, ao menos, atingir as metas do défice.
Seria preciso que a bonança do preço do petróleo, a boa vontade do BCE e o ciclo de crescimento da indústria exportadora e do turismo se mantivessem, o que não parece, até onde a vista alcança, impossível.
Costa, porém, esse pútrido pote de banha ambiciosa, escaqueirou isto, ao inventar a maioria anti-austeridade; e Cavaco dinamitou a possibilidade da existência de deputados trânsfugas do PS, em número de nove para votarem contra em moções ou no orçamento, em número crescentemente maior se alguns destes ou todos se abstivessem, decerto por lhe parecer que esta quantidade de dissidentes simplesmente não existe no grupo parlamentar do PS.
Todos os partidos comunistas que aceitaram fazer parte de coligações, como parceiros minoritários, e entraram no jogo das cedências que a negociação permanente implica, perderam no negócio e foram reduzidos à insignificância, salvo quando puderam aproveitar a oportunidade para instaurar a revolução.
Porque os comunistas oferecem a terra prometida a quem nela acredita e odeia a desigualdade e os ricos; e a promessa vem completa com livros sagrados, um panteão de santos, um martirológio, e a caução da ciência marxista.
Tira-se algum destes elementos e o edifício da fé rui; e, ruindo, o crente muda de igreja.
Cunhal sabia disto; Jerónimo sabe disto; os textos teóricos do PCP não dizem outra coisa, para quem tiver coragem de se perder nos seus versículos e sermões; e não há qualquer actualização porque ela não é possível: ou se quer a sociedade comunista ou não, e tudo o mais é instrumental, táctico e circunstancial.
Uma coligação com comunistas não seria uma má ideia para o PS se este fosse dar um abraço de urso. Mas o urso, aqui, não é o PS, como se prova pela serena resistência e impermeabilidade do PCP ao longo de 40 anos, que lhe permitiu ser um bastião do comunismo à antiga no Ocidente: os outros que se entretenham com aggiornamentos, novas vias, agendas fracturantes e o camandro. O PCP está.
Está e colaborará com o PS para enxundiar o aparelho do Estado, alargar a sua influência nos sindicatos e meios de comunicação, minar as instituições e conservar, e se possível alargar, o número dos seus fiéis.
Em qualquer momento que o negócio não pareça estar a correr de feição puxará o tapete. E só aliás põe a hipótese de fingir ser um parceiro sério por os votos do BE não serem suficientes para a maioria. Porque, se não, deixaria desde já a Tininha, frei Anacleto, e todos os alucinados daquela agremiação de revolucionários de campus de universidades e tresleituras de Zyzek, fritarem-se em cedências ao grande capital multinacional, aos mercados, à plutocracia e aos inimigos da classe operária, dos camponeses e dos pequenos e médios empresários.
Cavaco, segundo a minha interpretação, não quer deixar esta herança, e deixará, pobre homem, um molho de brócolos.
Interessa por isso saber o que dizem os possíveis sucessores. E destes, em particular, o que diz o candidato da direita, porque um módico de sanidade ou vem dali ou não vem de lado nenhum.
Diz asneiras: que fará um único mandato, coisa em que nem o próprio, possivelmente, acreditará, para inculcar a ideia de uma independência que não se lhe deseja e um desprendimento que não se lhe agradece; que não se anuncia uma dissolução a prazo, em patente crítica ao seu putativo antecessor, como se este tivesse a opção de a fazer de imediato; que "não é bom para um país saído de uma situação de crise ter de viver seis meses sem Orçamento do Estado, o que implica um Governo em plenitude de funções" - como se fosse irrelevante a natureza do governo "em plenitude de funções". E abundou nos elogios a Sampaio, um intelectual de pacotilha, autor de uns discursos sonsos a recomendar, quando se percebiam, disparates, e que se distinguiu sobretudo por demitir, ao cabo de seis meses, um PM cujos defeitos já conhecia aquando da indigitação, não obstante uma maioria absoluta no parlamento, para permitir o acesso de um patife ao Poder.
"Sou naturalmente próximo das pessoas e não vou mudar um centímetro a minha maneira de ser", declarou.
É pena. Que, por mim, dispenso a proximidade; a "maneira de ser" terá talvez alguma importância num sogro ou num genro, e muita num entertainer da televisão, mas pouca ou nenhuma num Presidente; e o que queria saber, mas não fui elucidado, é o que fará esta rolha do regime, se ganhar, com o país em pantanas.
Recebeu "uma prolongada salva de palmas".
Estamos fritos.
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