Há entre Douro e Minho um segredo guardado pelo preço, a ignorância, a carestia da mão-de-obra, a indiferença pela tradição e o gosto pelos supermercados.
Chama-se, singelamente, melão-de-casca-de-carvalho mas não é melão-de-casca-de-carvalho ̶ é o melão-de casca-de-carvalho.
O seu preço excede o de qualquer outra fruta e, mais ainda do que sucede com as outras variedades, não se pode julgar pelo aspecto - a maior parte dos melões à venda, por grandes e prazenteiros que sejam, revelam-se, quando provados, verdadeiras cabaças.
Isto não chega para afastar os cognoscenti que, a cada novo barrete, lembram melancolicamente aquele espécime que consumiram há 15 dias, ou há 15 anos, e que era apimentado e aveludado que só vendo.
Para uma mente inquisitiva e gulosa como a minha, o mistério carecia há anos de uma explicação convincente. E encontrei-a, sob a forma de um conviva simpático e etilizado, ao qual perguntei a páginas tantas, num casamento em que o acaso nos reuniu: por que razão, sendo isto tão caro, e havendo clientes fiéis, como Você e eu, não se cultiva mais?
O meu circunstancial amigo perguntou-me se fazia ideia como se cultivava, salvo seja, o animal. Não fazia, claro. Daí que na próxima hora tivesse sido o atento beneficiário de uma breve descrição dos arcanos da fabricação, que agora cedo com vistas a que alguém se deixe entusiasmar, que eu não sou um desses exclusivistas que quer que as coisas boas sejam absurdamente caras, para delas excluir a maralha.
O problema começa com a terra: tem que ser rica e úbere, tanto que os produtores antigos faziam um pousio, entre cada semeadura, de dois a sete anos. E, suspeito eu, alguma coisa de especial terá que ter, além do clima, senão a coisa ter-se-ia difundido para outros lados, em vez de ficar confinada a alguns vales de rios (Cávado, Ave, Sousa...)
Depois, a mão que comanda a rega pelo pé, na fase de germinação, tem que ser uma mão sabida: porque com água a menos seca; e com água a mais mela. E é claro que a cultura é exigente em matéria de irrigação a horas de frescura - pelo cedo e sobre o tarde.
O frutozinho adolescente requer que seja girado um quarto de volta com frequência, para não ficar sempre a mesma superfície exposta ao sol; e não poucos produtores lhe punham por baixo uma caminha de palha, para isolar do contacto com a terra húmida, que pode causar apodrecimento.
A cerimónia do capar (que intervém em alturas que não pude fixar) é contra-intuitiva, porque consiste em cortar não as derivações mas o veio principal, a seguir ao ponto em que deriva; e deve ser feita à hora de maior calor, para que a ferida cicatrize rapidamente.
Só a perspectiva de me ver no meio de um meloal, de joelhos e com o lombo exposto à inclemência do sol do meio-dia, esfriar-me-ia o entusiasmo tanto quanto me aqueceria os costados; e o emaranhado de veios, suspeito, lembrar-me-ia, se com o calor e o suor se pudesse ainda filosofar, a verdadeira composição do BE, suas cisões e plataformas.
São chegados os dias das colheitas. A procura é imensa, a produção abundante, os preços dependem: comprar à beira da estrada, fiados nos métodos tradicionais do cheiro e da apalpação (o seguro método de furar o melão, a ver se bufa, não é inexplicavelmente visto com bons olhos pela generalidade dos vendedores) é uma coisa; e directamente a um produtor, ou intermediário, de confiança, outra. Nesta última hipótese, o dobro do preço da cereja, por kilo, pode ser compensado por uma ida ao céu dos apreciadores.
Não foi sempre assim. Há umas décadas, os melões eram geralmente razoáveis, às vezes bons e ocasionalmente muito bons. O que é que se passa? É que, diz o meu preclaro companheiro de mesa, dantes só se aproveitavam para consumo os primeiros seis ou oito melões de cada veio - o resto ia para o gado. Agora, vai grande parte para consumo, de onde a quantidade inverosímil de imprestáveis cabaças.
Agora que sabem o pouco que eu sei, talvez haja por aí um jovem que se deixe tentar. Não contará comigo para sócio, nem sequer de indústria; mas como cliente, sim: desde que para mim fiquem os melões números um, dois e três, que outro céu não mereço.
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