Não tenho pretensões a conhecer com rigor o estado da opinião pública grega, menos ainda o que possa ser definido como alma grega. Sei o que toda a gente sabe: que estão mergulhados numa espiral recessiva (o PIB já caiu, lê-se, mais de 22%, o desemprego jovem vai em 55%), fazem as manchetes dos jornais com o folclore das manifestações e as jigas-jogas das eleições inconclusivas, odeiam a Alemanha mas amam o Euro, e têm sido pouco respeitadores dos acordos sucessivos que vão fazendo.
Não que o serem muito respeitadores fizesse muita diferença. Agora que o FMI começa a achar, oops, que afinal o efeito recessivo, inevitável, não é o mesmo indo pelo corte na despesa pública ou na privada via aumento de impostos, e que os ajustamentos precisam de tempo, Ângela resolveu ir a Atenas para, nas palavras dela, "compreender a situação no terreno. Ver a situação de perto leva a uma melhor compreensão."
Deixa ver se eu percebo: Ângela quer o que todos os políticos em democracia querem - ganhar eleições. E assim, para preservar o seu Euro, que é outro nome do Marco, nem interessa saber ao certo se achava ou não achava que o programa castigador da Troika ia correr mal, o que conta é o que disso pensava a opinião pública alemã.
Ora, os Alemães trabalham duramente de segunda à sexta, emborracham-se ao sábado, e apertaram o cinto quando outros o alargavam. Fabricam máquinas como ninguém, e respeitam as regras do dia - todas as regras, seja os standards de qualidade da Mercedes ou as da Democracia ou do Estado Nazi. Não estão dispostos a sustentar quem se rege por outros padrões, e pelo que me diz respeito não vejo neste particular por que razão haveriam de pensar de outra maneira.
Eu sei: a cornucópia dos milhões da UE regressou à Alemanha sob a forma de importações dos países com Sol e empréstimos que vão sendo pagos a peso de ouro, os mercadozinhos dos países pobretas dão jeito à indústria alemã, a Alemanha financia-se a uma fracção do preço que pagam os aflitos e há, parece, razões geoestratégicas, entre outras, para não pôr a Grécia pela porta fora.
Isto eu compreendo. Já não compreendo o fetiche do Euro: mesmo que a cotação do dracma fosse ao kilo, não haveria razões para a indústria exportadora grega não respirar saúde, o turismo estar florescente, e as importações se contrairem naturalmente, abrindo espaço para produção local - precisamente o que a Grécia necessita.
Mas cada Povo gosta do que gosta e quer o que quer. Os Gregos não gostam da Senhora Merkel e apreciariam que ela, as suas enxúndias acervejadas, e as suas toilettes desengraçadas, se deixassem estar pelas frias terras onde apreciam o género.
E isso eu não tenho dificuldade em compreender.
À conta da política de anonimato da revista "The Economist" (eles dizem que são "newspaper"), talvez nunca venha a saber quem lhes faz as capas. Tenho pena.
(Edição de 11 a 17 de Agosto de 2012)
(Originalmente publicado no Senatus, em 29 de Dezembro 2011)
Há comportamentos que decorrem dos elevados índices de testosterona. Um deles acontece sempre que se torna necessário arrumar muitos volumes na mala do carro. Imaginemos a Angela e o Nicolas. Pertencem a uma ONG, e estiveram em Lisboa a passar uma temporada. Conhecendo as dificuldades que o país atravessa, confiando no elevado potencial dos portugueses, e imbuídos que estão de um elevado espírito humanista, num acto de solidariedade resolvem arrancar numa viagem para salvar a Europa.
A Ângela é uma pessoa despachada pelo que, para evitar altercações com base no "quero saír daqui às três da tarde, vê lá se estás despachada, já sei que te vais atrasar", adiantou-se e desceu às duas e meia. Munida das chaves do Renault, carregou tudo sozinha e conseguiu enfiar duas malas com rodinhas cheias de processos judiciais no limite do prazo, dois portáteis com ligação ao facebook repletos de comunicações do Palácio de Belém, um saco desportivo, uma gaiola com dois linces da Serra da Malcata, uma caixa com seis garrafas de vinho da Madeira martelado, uma geladeira, um cobertor de papa e outro de flanela, uma colcha de terylene, um saco de plástico com um par de galochas, um tupperware com carne assada, outro com meloa cortada aos cubos, outro com um resto de arroz de berbigão, e outro cheio de impressos para meter baixa por doença, um estojo com uma máquina fotográfica reflex, outro com adereços, outro com estudos de impacte ambiental para impedir a construção de mais uma barragem, e um quarto, mais alongado, com um tripé, um casaco de malha com os cotovelos puídos, um chapéu de gabardine, um guarda chuva, duas latas de manifestos em calda, um trapo húmido para ir limpando o balcão dos cafés onde tivessem que parar para comer, e um aquecedor a gás, com a respectiva bilha, na bagageira do automóvel. Não cabia lá nem mais um iPod com o discurso do Barrete no 10 de Junho. Satisfeita, sobe as escadas e diz ao Nicolas: "Amor, podes descer, está tudo pronto para arrancar".
O Nicolas levanta-se do sofá, pega no AutoMotor e num molho de chaves, desce e abeira-se do veículo, com um ar desconfiado. Profere: "Vamos lá ver". Abre a bagageira, sobe uma narina e observa: "Ná. Isto não pode ir assim". Despeja tudo e demora duas horas e meia para conseguir voltar a enfiar as coisas no Renault, pelo que arrancam finalmente pelas cinco e meia da tarde e vão de trombas pelo menos até alturas de Estremoz. É quando a Ângela comunica: "Ó passarinho, já comia qualquer coisa".
O Nicolas ouviu falar de um restaurante muito em conta em São Domingos de Ana Loura, e portanto encaminha-se para lá e jantam uma refeição frugal. À saída, o Nicola baralha-se com uma infinidade de rotundas, passa várias vezes na mesma, regressa à primeira, e à segunda, e depois à primeira outra vez, e não consegue encontrar o caminho porque há muitas tabuletas com indicações que conduzem sempre ao mesmo sítio. Mete-se então por uma estrada de terra batida e chega a uma barreira pintada de amarelo e encarnado, e um bocado de cartão que diz: "Desvio IP2/E802". E uma seta a apontar para o pavimento. Ao lado, sentados num bidon, está um grupo de comentadores políticos da televisão portuguesa. Pedir ajuda para encontrar o caminho é, como toda a gente sabe, outro comportamento pouco frequente em indivíduos com elevados índices de testosterona. Por isso o Nicolas adiou o mais possível. Mas, perante a cara ameaçadora da Ângela, não está para mais chatices. E o Nicolas, contra aquele que é o seu procedimento habitual, resolve pedir ajuda.
"Para salvar a Europa? Tem que voltar partrás! Mas agora não pode, ó amigo...! Olhe, faça assim: vá em frente. Conde chegar à rotunda, corte à esquerda. Depois siga até à bomba de gasolina. Está a ver o posto da GNR? Não é por aí. Continue sempre por ali abaixo. Antes de passar a igreja corte à sua direita, depois da farmácia. Mas é na segunda. Está a ver o Pingo Doce? Epá, não era por aí! Agora vai ter que dar uma granda volta! Olhe, o melhor é perguntar ao pé da Estação."
O Renault com a Angela e o Nicolas foi visto na terça-feira perto de São Brás de Alportel. Ontem consta que circulava nas rotundas de Fafe.
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