Quinta-feira, 2 de Junho de 2016

Lisboistão

Daniel Oliveira é, como quase toda a gente que navega na esquerda, um jacobino. Não tenho dificuldades em perceber o que diz, não obstante ser navegador de águas menos impuras, porque tenho também, como agnóstico, uma costela jacobina.

 

Ao contrário de Daniel, porém, o meu mundo não é simples: a dimensão religiosa da vida, que a mim me falha, a Teologia, pela qual nunca me interessei seriamente, o lado abominável da história do cristianismo, que não ignoro, o papel da Igreja Católica entre nós, passado e presente, negativo em muitas coisas e positivo noutras tantas - tudo isso e mais não me faz esquecer que a civilização ocidental está inextricavelmente ligada ao cristianismo, e entre nós, especificamente, à Igreja Católica, o que acarreta consequências.

 

Como Daniel e quase toda a gente hoje, defendo o Estado laico; mas não defendo o Estado cego, nem estúpido, nem ingénuo, nem engenheiro de arranjos sociais revolucionários. O modo como estão organizadas as coisas entre nós resulta de um equilíbrio que levou muito tempo a conquistar e nele o catolicismo não é, nem deve ser, uma confissão como as outras, porque está ligado à identidade nacional e ao sentimento, mesmo que difuso, da população, além de a Igreja Católica desempenhar uma obra social, educativa e de protecção do património, pelo que não deve ser tratada como uma qualquer IURD.

 

A Igreja já não se permite hoje defender um tratamento discriminatório para os não-católicos ou de inferioridade legal das mulheres - isso foi-lhe imposto e adaptou-se. E embora continue a defender soluções na ordem civil e no domínio penal que a maioria da população não subscreve, era o que mais faltava se a instituição mais antiga do país, e a mais prestigiada, não tivesse o direito de defender publicamente os seus pontos de vista - bem menos radicais, aliás, do que os que defende o PCP, os primos do BE e Daniel Oliveira, todos crentes na religião de que se-tirarmos-aos-ricos-e-dermos-aos-pobres-ficam-todos-remediados (aliás, com o grau de violência do Estado que for necessário).

 

É aparentemente o laicismo militante do Estado que Daniel defende, a propósito da construção de uma mesquita em Lisboa, exigindo que quem está contra o apoio com dinheiros e poderes públicos à erecção do templo negue, por razões de coerência, qualquer tipo de ajuda, discriminação positiva ou sequer presença de pessoas ou símbolos da Igreja Católica em edifícios públicos ou cerimónias oficiais.

 

Claro que não é apenas laicismo o que está em causa; é também, consciente ou inconscientemente, a certeza de que a Igreja defende os pobres mas não o confisco da riqueza, e isto não obstante as teologias da libertação e os deslizes ingénuos de alguns bondosos curas ou até de um Papa não por acaso sul-americano - ou seja, a certeza de que a Igreja é de direita. E a defesa, em nome do multiculturalismo, do Islão e suas práticas consiste assim objectivamente numa táctica leninista: há que apoiar para já o inimigo do inimigo principal; depois vê-se.

 

João Miguel Tavares explicou, com bons argumentos, por que razão Daniel vive em 1916 e não hoje, mas não nega o direito que teriam os muçulmanos de construir uma mesquita se o apoio público fosse menos grave: "... e é óbvio que construir uma mesquita em terreno expropriado não é o mesmo que vender a um preço simbólico um dos milhares de edifícios sem utilidade que a câmara possui".

 

Não é o mesmo, de facto, e foi na anquilosada cabeça de Medina, um homem premonitoriamente com nome de cidade saudita, que germinou a ideia de, num país católico, patrocinar com dinheiro do contribuinte a construção de um templo islâmico. Mas esta loucura, se o é, dificilmente terá graus: é pouco mais grave expropriar e subsidiar do que seria vender ao preço da uva mijona um edifício de propriedade pública - que seria exactamente uma forma apenas diferente de subsidiar.

 

Por mim, nem sequer estou convencido da necessidade de construir uma nota dissonante na paisagem em nome da liberdade religiosa, porque ela, a liberdade, pode bem exercer-se num templo discreto. Uma Lisboa com minaretes pode ser politicamente correcta, mas o minarete não é coisa portuguesa - isso é a torre sineira.

 

Depois, até pode ser que o xeque Munir acredite que o Islão é uma religião de paz. Mas atrás da mesquita vem a madraça; e atrás desta é apenas uma questão de tempo e de quantidade até que venha o moço barbudo, sem emprego, que procura as suas raízes, as suas virgens e a sua identidade num cinto de bombas.

 

Precisamos disso? E ainda por cima pagamos para isso?

publicado por José Meireles Graça às 23:27
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