No actual Governo, tal como em todos os anteriores, não há gente que represente os interesses das PMEs, e isto tem tido, e continuará a ter, consequências.
Entendamo-nos: na classe dirigente lisboeta (incluindo os importados do resto do País) não há falta de economistas nem de gestores, e uns e outros às vezes não são completamente idiotas. E acontece chegarem ao Parlamento, ao Governo, à banca, às associações patronais, aos jornais, à televisão, pessoas que intuem alguma coisa sobre o funcionamento da nossa economia, e que têm algumas noções sobre a realidade, e de como esta persiste em desmentir pressupostos, insistindo ela, a realidade, no facto de ter razão, como não a tem quase nunca a teoria livresca com que a querem vestir para futuro.
Cabe perguntar então, antes de mais, porque não há pequenos empresários, mesmo de sucesso, senão dentro das suas chafaricas, dos quais se tem notícia apenas em artigos raros, para ilustrar fantasiosas bondades da política x ou y, ou em publicações de especialistas que nisso têm interesse profissional, ou em panegíricos para evidenciar que no nosso desgraçado País há gente de sucesso que faz coisas do arco-da-velha.
As razões são várias:
A um político exige-se que tenha concepções globais sobre o funcionamento do Estado (ou ao menos de uma autarquia, benza-o Deus), experiência ou intuição sobre o jogo político e as inclinações do eleitorado, e capacidade para articular e expôr, num todo convincente. Mas, desgraçadamente, as qualidades que se requerem para a carreira política não são as mesmas que fundam o sucesso empresarial: o torrencial palavreado de um troca-tintas notório, como o malogrado Sócrates, poderia ser aproveitado para dar um bom vendedor, mas dificilmente chegaria para pôr de pé uma fabriqueta.
Depois, a menos que estejamos a falar de um empreendimento na área das novas tecnologias, ou outra que requeira conhecimentos técnicos específicos, os quais façam germinar na cabeça do estudioso a ideia de um novo processo, um novo produto, uma nova técnica que este queira, possa e saiba converter numa organização para ganhar dinheiro, o tempo alocado a estudar formalmente é quase sempre, para este efeito, perdido. Ao contrário da ingénua crença nas virtudes da educação para aumentar o empreendedorismo, o que o pode promover são condições culturais para tentar e falhar, de facilidade regulamentar e financeira para nascer, de viabilidade por satisfazer uma necessidade, e fiscais para sobreviver e atrair. A educação interessa, apenas, como condição adjuvante - e muitas vezes nem isso. Essa gente que se queixa da "falta de formação dos nossos empresários" anda a nanar: a PME nasce quase sempre da circunstância, da ambição e do tipo que vê o que os outros não veem, e isso não se ensina. Ora, isto que vale para o empreendedorismo não vale para a carreira política: o canudo é indispensável (temos disso patéticas provas) e o político, mesmo que nunca tenha lido um livro e se limite a ler as trincas e mincas da comunicação social, precisa de saber afectar que leu e sabe.
Mas há mais: Os próprios empresários, se conhecidos e inquiridos sobre questões de ordenamento da nossa vida colectiva, dão respostas que com frequência fazem rir ou chorar - depende do feitio e dos preconceitos de quem ouve. E, decerto por ser assim, não se lhes pergunta nada e qualquer rapazinho que ainda há pouco se livrou do acne que lhe atazanou a adolescência, ou qualquer prestigiado professor de economia suficientemente imbecil para imaginar que sabe de ciência certa alguma coisa, são perfeitamente capazes, quando chegam ao Poder, de causar danos sérios às PMEs, de cuja realidade e vidas têm uma noção muitas vezes colhida noutras realidades e com frequência romântica.
Finalmente, o empresário tem mais que fazer: a pequena empresa é uma amante totalitária. Quando algum aparece no espaço público a opinar e fazer lobbying com assiduidade, ou já não é pequeno, ou não é empresário, ou não vai longe, ou tem algum esquema. E com a aceleração da concorrência, os condottieri empresariais de hoje ou estão ocupados a subir a ladeira do sucesso, ou assoberbados a evitar - ou adiar - o escorregão da falência.
O Governo socialista era, por definição, inimigo das empresas: estas precisam de tribunais que funcionem, leis de trabalho que permitam despedir, contas públicas equilibradas, impostos baixos e muitas outras coisas; mas não precisam de ajudas - a própria noção de ajudar umas empresas e não outras é em si deletéria; e, na medida em que todos os governos, incluindo o actual, acrescentaram sempre novas obrigações para as empresas, pode dizer-se que a maior ajuda que o governo actual pode dar é não fazer nada, a não ser reverter parte do asneirol que tem vindo a ser diligentemente construído há décadas.
É nesta linha - fazer marcha-atrás - que vejo com olhos benevolentes estas declarações. Mas - lá está - se me perguntassem se isto servirá realmente para alguma coisa, diria que mal não fará, mas se é para atrair investimento seria bom que pensassem em alguma coisa de revolucionário, algures entre 10 e 15% de IRC. Se ficar, como suponho, muito longe disso, e for portanto apenas uma poupança significativa para grandes empresas, trocava por outras medidas: que tal o Estado pagar as suas dívidas vencidas às empresas, permitir a conta/corrente fiscal, eliminar adiantamentos compulsivos, ao menos no âmbito do IRC, instituir o IVA de caixa para empresas maiores do que um vão de escada, reformar o funcionamento da máquina fiscal, acabando com a ideia daninha que se instalou nos serviços e na legislação de que os resultados é que contam, os meios para lá chegar não ... isso é que era.
Não vai suceder, é claro, nem nada de parecido: estas e muitas outras são coisas pequenas, miúdas, não têm originalidade nem panache. Mesmo assim, chapeau a Frasquilho: não acha que as empresas sejam vacas leiteiras que possam dar cada vez mais leite, comendo cada vez menos. A maior parte dos colegas, do partido, dos outros partidos e da profissão, nem isso sabe.
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