Sexta-feira, 30 de Setembro de 2016

Uma asneira dita com convicção não é uma asneira, é uma opinião.

2016-09-29 Mariana Mortágua Antena 1.jpg

Eu admiro quem consegue detectar inteligência nesta forma de vida, porque eu não lhe consigo detectar nenhuma, mas apenas uma retórica simplória baseada em pressupostos delirantes e mil vezes negados pela realidade e expressa com a auto-suficiência dos inocentes e dos tolos.

No caso presente, e geralmente sempre que fala, em dois pressupostos.

  • O primeiro, que aumentar a despesa pública estimula a economia fazendo-a crescer, e que esse crescimento proporciona um retorno que mais do que compensa o custo do estímulo.

É o pressuposto mais interiorizado por todos os socialistas do século XXI, os keynesianos graças a Deus, moderados ou extremistas. Foi usado, refinado e quantificado pelos doze sábios convidados pelo António Costa para desenvolver o Cenário Macroeconómico "Uma Década para Portugal" e, depois, no Orçamento de Estado de 2016, em que intervieram alguns desses mesmos sábios. Que conseguiram garantir que "por cada euro de estímulos, retoma devolve quatro".

Este pressuposto gera infinitas possibilidades interessantes. Por exemplo, se se estiver à espera de um deficit de 3% e se aumentar em 1% a despesa, consegue-se um ganho de 4% na execução orçamental que anula o deficit. Genial. Imagine-se aumentar a despesa em 33% e obter um retorno de 132%, um excedente orçamental suficiente para liquidar de um trago toda a dívida pública portuguesa, como se fosse coisa de criança? Fabuloso. E é um pressuposto irresistivelmente apelativo porque, além de oferecer aos seus crentes o consolo desta esperança de acabar com os problemas financeiros sem dor, como funciona à base de devolver rendimentos às pessoas, ou seja, de distribuir dinheiro aos eleitores, também tem um potencial muito simpático no plano eleitoral. É milagroso.

O único senão é que não funciona. Foi usado pelo governo socialista em 2009, e a economia não cresceu. Pelo contrário, o governo estimulou Portugal até à beira do abismo financeiro de onde só se livrou de cair in-extremis, evitando uma catástrofe económica e social, e provavelmente política, com o plano de assistência financeira da troika, de onde até se saiu mais bem do que mal, comparando com o percurso trágico de outros países como a Grécia, com um sofrimento que atingiu muitas pessoas e irritou outras, nem sempre as mesmas. Está a ser usado por este governo, e, ao fim de quase um ano, a economia também não cresce, pelo contrário, deixou mesmo de crescer, com consequências para a economia, a sociedade e as finanças públicas que mais lá para diante, um dia, se revelarão. Se bem que, no caso presente, não se possa desprezar a contribuição que a retórica idiota dos jovens dirigentes socialistas, de dentro e fora do PS, de ameaçar o banqueiro alemão, os mercados, as agências de rating, os patrões, os investidores, os proprietários, os aforradores, até os jornalistas neoliberais, tem tido para fomentar o desinteresse de quem tem dinheiro por investi-lo e criar emprego, crescimento e riqueza, que amanhã qualquer jovem socialista idiota mas voluntarioso pode decretar ir buscar com o aplauso do partido do governo.

Mas, por mais que não funcione, por mais que vá sendo negado pela realidade, quem crê neste pressuposto não desacredita dele facilmente. O que é o caso de muitos, e também da deputada Mariana Mortágua.

Curiosamente, até há evidência empírica de investimentos que proporcionam um retorno de quatro euros por cada euro investido. Não na economia, mas na saúde mental. Isto anda tudo ligado.

  • O segundo, que é possível manter e aumentar ilimitadamente deficits, financiados por dívida, pelo que a política orçamental só é limitada nos estímulos pela má vontade dos governos que preferem a austeridade ao crescimento e o sofrimento à felicidade.

A verdade é que aumentar o deficit aumenta o montante total da dívida que o financia, porque não cai dinheiro do céu para o financiar, e os juros pagos por ela, não apenas por aumentar o montante em dívida sujeita a juros, mas também por aumentarem as taxas de juro exigidas pelos credores para continuarem a conceder crédito a quem tem um endividamento crescente, o que faz aumentar os juros ainda mais que proporcionalmente à dívida. Ou seja, é uma grande alhada.

O pressuposto seria inteligente se se tivesse a intenção de não pagar a dívida, e esta metade do requisito ela cumpre-a sem hesitação, e se comulativamente os credores continuassem a emprestar cada vez mais dinheiro a quem não tem a intenção de o vir a reembolsar no futuro. Só que, esta segunda metade do requisito, os credores não são tão otários que a garantam, e em vez de otários são autoritários, como lhe chamam alguns, e não confiam o dinheiro deles a caloteiros que não o tencionam reembolsar. E, infelizmente é da lógica matemática, verdadeiro "e" falso falso. Tudo junto, o pressuposto é mais burro que inteligente, assim como os que acreditam nele, porque assenta na crença que os credores são mais burros do que inteligentes, e nem foi assim que eles enriqueceram, nem sempre são assim.

Não se lhe conseguindo detectar inteligência, é de toda a justiça reconhecer-lhe pelo menos uma convicção ímpar. Pelo, como dizia o meu pai, suponho que citando alguém que não retive e infelizmente já não lhe posso perguntar, se 

  • "uma asneira dita com convicção não é uma asneira, é uma opinião",

ela é, pelo menos, uma pessoa de opiniões.

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 10:25
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Quarta-feira, 28 de Setembro de 2016

O diabo não chegou em Setembro? O diabo está nos detalhes

O diabo ia chegar em Setembro? Parece que, afinal, não chegou.

O deficit público de 2015, deduzido dos resgates de bancos atingiu 3% do PIB, uma ou duas décimas para baixo ou para cima em função de dar jeito a quem faz as contas que ele ficasse abaixo ou acima dos 3%, e ao governo português em funções dava jeito que ficasse acima, mas só um bocadinho, para conseguir montar a pantomina de salvar Portugal das garras e das sanções de Bruxelas. Este ano o governo orçamentou 2,2%, e Portugal não entra em procedimento de deficit excessivo se for inferior a 3%.

Este ano a execução orçamental está controladíssima, até o comentador Marques Mendes concede, e o governo não apenas reforça a convicção que vai atingir um deficit historicamente baixo como já prepara a demolição no próximo ano do recorde que promete atingir este ano. Até ao final de Agosto, pelas contas da Direcção Geral do Orçamento, o deficit foi inferior em 81 milhões de euros ao de 2015. Se for tudo igual a 2015 no resto do ano, pelo menos o limite de 3% será pacificamente cumprido.

2016-09-27 DGO síntese orçamental Agosto 2016.jp

Mas não está a ser tudo igual.

Se até ao final de Agosto de 2016 o deficit foi inferior em 81 milhões de euros ao de 2015, até ao final de Junho tinha sido 971 milhões inferior, o que significa que durante os meses de Julho e Agosto foi 890 milhões de euros, 445 milhões por mês, superior ao de 2015. A manter-se esta tendência nos quatro meses que faltam até ao fim do ano, o deficit no final de 2016 seria 1.700 milhões superior ao de 2015, ou seja, atingiria 3,9% do PIB. Suficiente para desencadear um procedimento de deficit excessivo. A manter-se a tendência destes dois últimos meses.

E há razões para acreditar que esta variação verificada em Julho e Agosto seja mesmo uma tendência?

Há. A partir de Julho reduziu-se o IVA da restauração, e a redução vai manter-se até ao fim do ano. E ocorreu a terceira reposição nos salários da função pública, à qual, a partir de Outubro, ainda vai acrescer a última. Do lado dos salários da função pública o agravamento comparativamente com o segundo trimestre vai ser permanente, para já com uma reposição, e no último trimestre até duplicará com a última reposição. Não é, portanto, uma hipótese absurda que o agravamento se mantenha até ao fim do ano.

E porque é que o deficit até ao final de Agosto de 2016 foi inferior ao de 2015?

2016-09-27 DGO dívida a fornecedores 2015-2016.jp

Por causa dos calotes do governo aos fornecedores.

Em 2015, até ao fim de Agosto, o governo anterior tinha abatido desde o início do ano 500 milhões de euros na dívida vencida, ou seja, que tinha ultrapassado os prazos contratuais de pagamento aos fornecedores. Pagou mais 500 milhões do que gastou, injectando esse dinheiro na economia, não a título de benefício arbitrário para alguns amiguinhos ou privilegiados, mas de pagamentos mais do que devidos aos seus legítimos credores. Durante este ano, até ao final de Agosto, a dívida vencida já aumentou 200 milhões de euros. O governo pagou aos fornecedores menos 200 milhões do que gastou, subtraindo-os à economia. E ao deficit. Contabilizando a despesa realizada em vez dos pagamentos, ou seja, de acordo com aquilo que se designa por óptica da contabilidade nacional em vez da óptica da contabilidade pública, o deficit acumulado até ao final de Agosto deste ano não seria 81 milhões de euros mais baixo que no ano passado, mas 620 milhões, ou 0,35% do PIB, mais alto.

E o que é que isto tem a ver com a nossa história?

Não estamos a inventar mais um indicador rebuscado só porque ele serve para dizer mal do governo, e nós reconhecemos que tendemos a dizer mal do governo, mesmo que reclamemos que dizemos mal dentro da mais estrita objectividade, porque temos obrigação de desmontar a sua propaganda demagógica e expôr o que ele esconde por trás da demagogia? Tem tudo a ver porque, para efeitos dos compromissos comunitários, nomeadamente o limite de 3% no deficit público, o que conta é a óptica da contabilidade nacional, ou seja, a despesa realizada, e não a paga. Significando que, se no resto do ano correr tudo como em 2015, o deficit contabilizado na óptica da contabilidade nacional será de 3,35% do PIB, e não de 3%. Mais uma vez, suficiente para desencadear um procedimento de deficit excessivo. Já se se mantiver a tendência dos dois últimos meses, com um agravamento mensal da execução orçamental da ordem dos 445 milhões de euros face a 2015, e até abstraindo que o agravamento ainda poderá aumentar no quarto trimestre, o deficit no fim do ano será de 4,25%. Mais de 2 mil milhões de euros para lá do limite dos 3%.

Significa isto que, ou a despesa controladíssima vai passar a ser ser violentamente controlada para cortar 2 mil milhões de euros nos últimos três meses do ano, e controle violento significa que chega ao bolso das pessoas sem conseguir passar despercebido, o que é o diabo, ou para o próximo ano vamos ter de novo a rábula das sanções, não por uma ou duas décimas que podiam ser evitadas com uma carta às instituições europeias e alguns minutos de argumentação, mas por uma ultrapassagem substancial, e sem o pretexto, externo e interno, de imerecer sanções que eram por culpa do governo anterior, mas por responsabilidade própria ineludível, o que é o diabo.

E isto sem Caixas nem caixinhas, nem entrar na discussão estéril sobre se a injecção de dinheiro na Caixa deveria ou não contar para o deficit, que só interessa para efeitos de public relations na luta partidária, assunto que não nos assiste no contexto deste forum por não ser relevante para a sustentabilidade das finanças públicas e da dívida.

Ou, para atalhar razões, o diabo não chegou, ou, se chegou, anda por aí muito discreto e só à vista de quem olha para ele com atenção, porque o diabo está nos detalhes. Mas eu não me fiaria na virgem para o manter afastado para sempre.

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 11:13
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Domingo, 25 de Setembro de 2016

As mil famílias mais ricas de Portugal PAGAM impostos

 

Há mitos tão incrustados nas convicções de muitas pessoas que é praticamente impossível erradicá-los, por mais que se desmontem com base em análises objectivas dos factos reais.

Um deles é que a desigualdade em Portugal aumentou entre 2011 e 2014, durante a execução do plano de resgate da troika. Outros, que no restaurante da Assembleia da República se come caviar beluga acompanhado de champanhe francês ao preço da carcaça com manteiga, ou que a fortuna da família do José Sócrates investida em portos seguros ascendia a 385 milhões de euros, e não escudos. Outro ainda, que os mais ricos, ao fugir aos impostos sempre que podem, conseguem não pagar impostos.

Sendo seguro que os mais ricos têm acesso mais facilitado que os mais pobres a formas de mobilidade do dinheiro que permitem abrigá-lo da voracidade do fisco, como por exemplo, receber a título de rendimentos de propriedade intelectual 7.500 euros por mês de honorários por participar num programa televisivo semanal de comentário político, de modo a, não só poder acumulá-los com o salário completo de presidente da câmara com dedicação exclusiva de cerca de 4.500, como poder isentar do IRS metade de uma parte desses rendimentos. E ainda lhes sobrar lata para recitarem tiradas das que se aprendem aos 14 anos para interiorizar a superioridade moral do comunismo, como "de cada um segundo a sua capacidade a cada um segundo a sua necessidade". Fugirem dos impostos? Birds do it, bees do it, even educated fleas do it, e os ricos também o fazem. Mas daí a não pagarem impostos é salto de uma grande audácia.

Mas,

  • "As mil famílias mais ricas de Portugal não pagam impostos",

diz a Catarina, diz a Mariana, as porta-vozes do nacional socialismo, dizem os pastores de opiniões da "Quadratura do Círculo", diz o Galamba, diz o Pedro Nuno Santos, os jovens turcos que o Costa larga às canelas dos neoliberais e do banqueiro alemão, diz o Costa, diz toda a gente que se inspira ou se conforma com o que eles dizem para decidir aquilo que pensa e que diz.

E como é que eles sabem disso?

Porque o disse o antigo director-geral dos impostos José Azevedo Pereira, nomeado para o cargo pelo governo do primeiro-ministro José Sócrates em 2007, e substituído depois de sete anos a gerir discretamente a máquina dos impostos pelo governo do primeiro-ministro Pedro Passos Coelho em 2014, numa entrevista à SIC Notícias em 2015 cheia de insinuações à falta de interesse pela perseguição à evasão fiscal dos seus sucessores e do governo que o libertou das funções.

A partir das afirmações dele na entrevista, uma colunista do Jornal de Negócios fez umas contas de aritmética básica com o discreto título "As 1000 famílias que mandam nisto tudo (e não pagam impostos)", sintetizando que as tais mil famílias pagam apenas 0,5% do total de IRS colectado em vez dos 25% que ele disse que são um benchmark internacional, sem revelar a fonte de informação do benchmark, nem explicar os motivos pelos quais seria de esperar que fosse aplicável a Portugal, e a afirmação ascendeu à condição de axioma, que não necessita de prova para ser provado, e é livremente citada por todos os que pretendem fazer uso dela para as finalidades que só eles saberão, seja para justificar o incremento da tributação de património, a liberalização do acesso do fisco às contas bancárias dos contribuintes, ou mesmo, qual par de cálices de bagaço emborcados de um trago, para ajudar a perder a vergonha de ir buscar a quem acumula dinheiro. É preciso vigiar essa malta! É pois um axioma.

Mas será verdade?

OE 2015 - IRS por escalão.jpg

O quadrozito apresentado acima, retirado do resumo de divulgação do Orçamento de Estado de 2015 publicado pela Direcção Geral do Orçamento, e referente à colecta do IRS em 2012, mostra que as 2.343 famílias mais ricas, as que tiveram rendimentos anuais superiores a 250 mil euros, pagaram 8,4% do total do IRS liquidado, ou 713 milhões de euros. Se, como disse na entrevista o director-geral dos impostos em funções nesse ano, as mil famílias mais ricas apenas pagaram 0,5% do IRS, ou 42,3 milhões de euros, numa média de 42,3 mil euros por família, sobraram para as 1.343 abaixo os restantes 671 milhões de euros cobrados neste grupo de contribuintes, representando uma média de, para arredondar, 500 mil euros por família.

Ora sendo as taxas liberatórias, que descriminam favoravelmente rendimentos como os de capital comparativamente com os de trabalho, de 28%, e 35% quando esses rendimentos estão associados a paraísos fiscais, nenhuma destas 2.343 famílias que declaram mais de 250 mil euros pode pagar menos de 70 mil euros de IRS (mas se o rendimento sujeito à taxa liberatória for de um milhão de euros, o IRS já será de 280 mil), deduzidos dos abatimentos e das despesas de saúde e educação, vá lá, que, por mais que os contribuintes se esforcem, nunca  permitem chegar a 42,3 mil euros. A nenhum deles, quanto mais à média dos mil que declaram mais. E atendendo que as restantes 1.343 famílias são as que ganham menos de entre as 2.343 que ganham mais do que 250 mil euros, ou seja, são as que ganham 250.000, 250.001, 250.010, e por aí fora, até ao limite máximo que as colocaria entre as mil mais ricas, parece que deve haver famílias deste grupo que pagam de IRS o dobro do que ganham. Ou isso, ou as mil famílias que ganham mais do que estas afinal pagam mais do que os míseros 0,5% que o director-geral disse que pagavam, e estes restantes 1.343 pagam em média muito menos que os 500 mil euros?

O director-geral ter-se-á entusiasmado por, depois de sete anos em que exerceu as funções de modo tão discreto, o que é uma virtude, e não um vício, num director-geral da administração pública, sublinhe-se, lhe terem posto uma câmara de televisão e um microfone à frente, e ter-se-á deixado levar por esse entusiasmo para fazer revelações bombásticas? ou terá querido entalar o sucessor e o governo que o substituiu insinuando, com a ajuda de números espectaculares e redondos que ficam no ouvido, que se desinteressaram do combate à evasão fiscal, quem sabe se para beneficiarem os seus melhores amigos ricos? Não se sabe.

O que se sabe é que

  • as mil famílias mais ricas de Portugal pagam mesmo impostos.

E em que é que esta constatação pode influir no debate público sobre estes temas? Em nada. O axioma, ou lugar comum, vai continuar a ser usado indisputado, até porque quem o procurar disputar em público se arrisca a levar com o ónus de duvidar dele por estar do lado dos ricos e da sua ganância de fugirem às obrigações fiscais, e ninguém com mais exposição pública e mediática que meros participantes em blogues simpáticos e analíticos como este vai arriscar o pescoço revelando publicamente as suas dúvidas e apresentando as contas que sustentam as dúvidas e mostram que a asserção é um disparate demagogo e populista.

Podem-se, pois, exibir os ricos no pelourinho e perder a vergonha de se lhes ir ao bolso, porque não pagam impostos. Ao fim e ao cabo, o caminho para o socialismo está inscrito em pedra na nossa Constituição. De cada um segundo a sua capacidade a cada um segundo a sua necessidade.

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 13:46
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Quarta-feira, 21 de Setembro de 2016

A desigualdade em Portugal NÃO aumentou durante o ajustamento

Todos gostaríamos de viver num país onde a desigualdade na distribuição de rendimentos é baixa, como a Suécia, abstraindo o clima e as pessoas para quem prefere o português e os portugueses, se bem que nem todos gostassemos de viver num país de desigualdade igualmente baixa, como a Ucrânia. Mas, para níveis de produção de riqueza semelhantes, é melhor um país com menos desigualdades, nomeadamente no domínio da igualdade de oportunidades que permite aos mais capazes e competentes contribuirem para o progresso colectivo sem serem impedidos, empobrecendo a sociedade, por origens sociais desfavoráveis.

Desde que se iniciou o ajustamento, e podemos, para abreviar sem desgastar a conversa com discussões sobre quem conduziu Portugal à circunstância de, em última instância, emitir um pedido de assistência financeira internacional, nem de quem negociou e formulou com os parceiros internacionais o programa de assistência, porque não vale a pena discutir questões de Fé com quem crê que o ajustamento foi obra da vontade de quem o implementou, considerar que o ajustamento se iniciou quando entrou em funções o primeiro governo de coligação PSD-CDS presidido pelo Pedro Passos Coelho em 2011, e se desencadeou a grave crise económica e social que sempre acompanha os ajustamentos, e também não vale a pena gastar tinta, porque também é uma questão de Fé, a discutir se a crise foi da responsabilidade do governo que conduziu Portugal ao ajustamento, ou do que o tirou da crise ao longo do, e graças ao, ajustamento, que o governo foi acusado de aumentar as desigualdades, sacrificando os pobres para beneficiar os ricos.

A observação das medidas mais significativas que afectaram o rendimento, nomeadamente os cortes nos salários da função pública e nas pensões públicas, não sugere intuitivamente que a desigualdade tendesse a aumentar, nomeadamente por todos os cortes terem salvaguardado os funcionários e pensionistas com rendimentos mais baixos, ainda que com limites de salvaguarda tristemente baixos, nécessité oblige, e terem sido fortemente progressivos com os rendimentos, nomeadamente nas pensões, em que os cortes atingiram 25% na parte que excede 4.611 e 50% na parte que excede os 7.000 euros por mês, sendo que os cortes nos salários da função pública, que atingiram 10% nos salários superiores a 4.200 euros, já vinham, nem toda a gente gosta de se lembrar, do tempo do governo socialista anterior, do José Sócrates.

Mas a esmagadora maioria dos observatórios, centros de investigação, académicos, partidos de esquerda, proto-partidos de esquerda, organizadores de manifestações de esquerda, para não falar no braço armado da esquerda na comunicação social, os jornalistas, e da sua tropa de elite, os comentadores, desataram a berrar, e ainda não se calaram, que as desigualdades aumentaram de modo gritante durante o ajustamento, com o complemento implícito ou explicitado que aumentaram por vontade do governo, por razões ideológicas de neoliberalismo, provavelmente para oferecerem uma mão-de-obra aflita e barata à exploração capitalista que permitisse aos capitalistas uma maior acumulação de riqueza. Tudo ilustrado com fotografias de gente a dormir nas ruas, nem todas tiradas em Portugal. A agitprop do costume.

2016-09-21 desigualdade FFMS.jpg

Ainda há poucos dias foi lançado pela insuspeita Fundação Francisco Manuel dos Santos, anteriormente liderada pelo menos insuspeito, porque reconhecidamente mais crítico do governo anterior e nada crítico do actual, académico Nuno Garoupa, mais um relatório, o "Desigualdade do Rendimento e Pobreza em Portugal: 2009-2014", resultado do projecto Portugal Desigual, coordenado pelo académico Carlos Farinha Rodrigues, um "especialista" em desigualdades, coordenador científico do Observatório das Desigualdades do ISCTE-IUL, e visita frequente do esquerda.net, que afirma que a desigualdade aumentou em Portugal durante o ajustamento, e que os mais pobres foram mais afectados pelo ajustamento que os mais ricos.

Uma vez o relatório apresentado, e dada a tradicional competência dos jornalistas portugueses para sintetizarem um relatório nas palavras de ordem proferidas pelos seus apresentadores, passou a ser universalmente aceite que

Mas terá aumentado?

O Índice de Gini é o indicador universalmente considerado mais representativo para quantificar a desigualdade na distribuição dos rendimentos de uma população, nomeadamente por entrar em conta com os rendimentos de toda a população, e não apenas com amostras, ou uma parte, ou os extremos da distribuição.

2016-09-21 Gini Portugal 2006-2014.jpg

Em Portugal, durante o ajustamento de 2011-2014, a desigualdade teve pequenas oscilações de reduzido significado estatístico para se situar em 2014 num patamar historicamente baixo, com excepção do único ano de 2009 em que tinha tido um valor mais baixo que em 2014.

  • A desigualdade não aumentou durante o ajustamento.

O relatório agora publicado até menciona o Índice de Gini, que no entanto varreu para debaixo do tapete através da escolha do único ano de início que permitia sugerir que aumentou, ainda que ligeiramente, até 2014...

  • "...o índice de Gini, a medida mais utilizada na avaliação da desigualdade, sofreu ligeiras alterações ao longo deste período parecendo sugerir que, para o conjunto dos rendimentos familiares, não se registaram variações significativas ou, quando muito, terá havido uma ligeira subida. Entre 2009 e 2014, este índice aumentou de 33,7% para 34,0%...".

As conclusões do relatório que passaram pacífica e acefalamente para a comunicação social são todas baseadas em indicadores estatísticos parcelares que não representam a desigualdade na distribuição de rendimentos por toda a população portuguesa, mas desigualdades entre segmentos específicos da população, por exemplo, entre os 10% mais pobres e os 10% mais ricos ignorando todos os outros 80%, a esmagadora maioria da população.

(Além de sofrer de vícios metodológicos que podem ser desmontados com explicações fastidiosas que aqui não há espaço para aprofundar, mas de que se pode apontar, a título de exemplo, que o impacte da crise num grupo, por exemplo os 10% mais pobres, não se mede comparando os rendimentos dos 10% mais pobres no início do período com os dos 10% mais pobres no fim do período, que não são os mesmos, mas a evolução ao longo da crise dos rendimentos dos mesmos 10% que eram os mais pobres, ou de qualquer outro grupo para que se deseje medir o impacte, no início do período.)

Qualquer relatório de investigadores ou académicos que, com base noutros indicadores que não o Índice de Gini, e é possível calculá-los de todas as formas e feitios, para todos os gostos, e sustentando todas as conclusões, chegue à conclusão que a desigualdade aumentou em Portugal durante o ajustamento é falso, e é uma análise feita à medida de uma conclusão encomendada previamente, ou seja, um mero caso de desonestidade mental. Dizer que a desigualdade aumenta quando o Índice de Risi diminui é equivalente a dizer que fica mais calor quando a temperatura diminui.

Fica mal à Fundação Francisco Manuel dos Santos, mas é a consequência de dar guarida e palco a académicos mais comprometidos com as suas agendas políticas privadas do que com a ciência, e fica mal aos jornais, mas sobre a competência para informar e isenção destes não vale a pena derramar lágrimas, para não correr o risco de se ficar desidratado.

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 11:57
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