Sexta-feira, 12 de Julho de 2013

As verduras parlamentares

Gosto de Heloísa Apolónia por causa do que diz, que é uma espécie de cantochão tranquilizador porque familiar e previsível. Excepto quando discursa, por o dizer vários decibéis acima do tolerável.

 

Pois Heloísa vai censurar o Governo, os colegas da bancada comunista vão secundá-la e a boa gente do BE também. Se ela tiver cuidado com a censura, o PS acompanha, se não abstém-se - na realidade nem interessa. Incidentalmente, a censura dá jeito à maioria - serve para mostrar que existe, coisa que anda um pouco esquecida.

 

Por razões misteriosas, porém, toda a gente finge que os Verdes não são um artifício para o Partido Comunista ter mais tempo de antena. E porque tal expediente é legal, talvez não fosse despropositado os outros partidos, agora que Cavaco resolveu, a benefício da estabilidade como a interpreta o seu profundo umbigo, antecipar as eleições, os partidos democráticos, e o BE, lançarem os seus mais coloridos departamentos sob a forma de partidos, de modo a que àquelas eleições concorram apenas coligações.

 

O PSD bem poderia parir o Partido da Âncora, destinado àqueles seus simpatizantes que têm ideias muitíssimo lúcidas sobre o que o Estado deve fazer como investidor, em particular no que toca ao mar que nos rodeia por todos os lados menos dois, dado que o mar em questão contém uma Zona Económica Exclusiva que o sector privado incompreensivelmente despreza.

 

Do PS poderia brotar o Partido Neo-trotskista do Calote Permanente, aproveitando aqueles seus militantes que têm na matéria posições definidas. O uso de brinco, ainda que não obrigatório, poderia ser a marca identitária do novo movimento.

 

No CDS sente-se a falta dolorosa de uma autonomização da ala sacrista, que defende o governo do País a golpes de encíclicas papais e a reza do terço antes da Ordem do Dia. Imagino que a designação Partido das Bulas seria do melhor gosto.

 

Finalmente, o BE bem poderia desentranhar-se no Partido das Quotas, destinado à defesa de lugares cativos para lésbicas negras, grávidas de dador anónimo e residentes em bairros de lata.

 

Creio que, com este alerta, de mim não se poderá dizer que não sou civicamente empenhado.

publicado por José Meireles Graça às 22:29
link do post | comentar
Sexta-feira, 5 de Outubro de 2012

O vencedor improvável

No debate da bi-moção de censura, frei Anacleto Louçã deu a impressão habitual de acreditar nas coisas inflamadas que diz, o Ministro das Finanças fez um pézinho de dança política, engraxando o "povo português" - o "melhor do Mundo" - e os falantes do Governo e da Oposição cumpriram diligentemente a obrigação, ressalvando uma geral crispação e o patente embaraço do CDS. As moções tinham como propósito cavalgar o descontentamento popular e encravar o PS, colando-a à "direita", e é de admitir que o saldo desta operação meio morna não tenha sido negativo para a Oposição. Convém todavia não empolar: Sá Pinto vai abandonar o Sporting, e os meios de comunicação social sabem bem quais são as prioridades noticiosas.

 

Crispação, disse acima. Bernardino Soares, uma pessoa geralmente cordata, esteve particularmente indignado: o Ministro das Finanças é um pantomineiro, foi um dos mimos com que o brindou.

 

Não devia. Nem precisava.

 

Há por aí uma dúzia, vinte, trinta, cem Portugueses relativamente ricos. Têm negócios em Portugal, mas também no exterior, e as fortunas estão estimadas em torno dos dois mil milhões para Alexandre Soares dos Santos e uns míseros quinhentos milhões para os décimos no ranking, Luís Silva e Maria Perpétua.

 

No Mundo, Alexandre aparecia, em Março último, na casa 491, Belmiro de Azevedo na 1153 e Américo Amorim, recentemente destronado pela revista Exame, na 242.

 

Estes rankings valem o que valem, suspeito que não muito. Mas mais bilião menos milhão o regime fiscal, se pode penalizar as empresas destes senhores, não pode penalizá-los pessoalmente: não há empresas grandes, nem grandes empresários entre nós, sem internacionalização; e o dinheiro flui para onde o tratam bem quando existe em quantidade suficiente para haver facilitadores.

 

Não é aliás preciso ter grandes fortunas: se fica demasiado caro ter barcos, aviões ou mesmo automóveis topo de gama (verdadeiros topos de gama, não os charelos que jornalistas famélicos assim descrevem) Espanha é mesmo aqui ao lado; e se em Espanha embarcarem no paleio engana-tolos dos "ricos que paguem a crise", Marrocos é um sítio estimável e discreto (ou Gibraltar, ou, ou).

 

Quer dizer que os 54,5% de IRS para nababos, e sobretudo o surreal aumento médio previsto (de 9,8 para 13,2%, o que dá uns bons 34%) vão castigar não os ricos mas a classe média. E se a isto se somar o demencial aumento dos impostos sobre a propriedade, para sustentar esses antros de inépcia e malbaratação de recursos que são as autarquias, mais toda a litania de taxas, alcavalas e pilhagens sortidas que constituem o nosso sistema fiscal, então Portugal parecer-se-á terrivelmente com Cuba: os verdadeiros ricos, que são poucos, são as eminências do regime; abaixo deles há uma fininha camada de privilegiados que não vive mal - são equivalentes aos apparatchiks; 20% da população está emigrada; dos restantes uma parte morre de fome, e a maioria sobrevive em regime de escravatura.

 

A comparação não é perfeita, eu sei: em Cuba não poderia escrever nada disto e as categorias, sendo parecidas, não são feitas com a mesma gente - para viver bem não é preciso ter um cartão, gritar morras à América e hossanas a Fidel. Mas não descarto a hipótese de vir a ser lançado um imposto para ter acesso à blogosfera e de todo o modo já não vou podendo fumar, coisa que em Cuba ainda é acessível.

 

Bernardino, Bernardino, vê bem, pá: se te abstraíres do facto de que quem não é escravo do Estado, e mesmo a maior parte dos que são, não é comunista, desde 1975 que nunca estivemos tão perto do teu regime.

 

Estás a ganhar, Bernardino. Essa coisa do pantomineiro saiu-te, mas não devia. Nem precisavas.

publicado por José Meireles Graça às 16:50
link do post | comentar
Terça-feira, 26 de Junho de 2012

O debate imaginado

Fui num pé a Vigo tratar de um assunto, e vim no outro. Parei na área de serviço de Barcelos, para uma água bem fresca, que estava um calor tropical, e vi de relance na TV Heloísa Apolónia, acho que no debate da moção de censura. A sua voz enchia o espaço - a voz da simpática Heloísa enche os espaços como o som de uma broca de dentista.

 

Dizia as coisas previsíveis que Heloísa Apolónia diz. Hesitei sobre se havia de ficar mais um pouco - gosto dos rituais parlamentares, da oratória, sempre fico à espera de uma boutade, uma frase mais conseguida, um argumento novo.

 

Fui à vida. Podia ligar o rádio para ouvir o debate, mas não, que gostar, gosto, mas nem tanto. E dei comigo a pensar que, depois da Heloísa, delegada do PCP para aquela coisa da Verdura e dos aumentos de tempo de intervenção no Parlamento, os moços do BE haveriam por certo de falar na colonização do aparelho de Estado pelos boys da nova Situação - se fosse com eles nomeariam pessoas de reconhecido mérito e credenciais democráticas fortemente de esquerda; e no falhanço das políticas de austeridade - se fosse com eles já Portugal liderava os países humilhados e ofendidos para obrigar a Europa do Norte a aceitar inflação, reescalonamento da dívida e endividamento novo para investimento público e expansão do Estado Social; e no caminho do falso rigor que Crato quer impor ao sistema de ensino - se fosse com eles far-se-ia mais com mais, porque recursos não faltariam, e os diplomas de todos os graus seriam atribuídos a quem soubesse a matéria porque os mereceria e a quem não soubesse porque são contra discriminações; e recomendariam novos impostos sobre os ricos, porque estes evidentemente não exilariam capitais, dado que ficariam prestes sem eles; e nacionalizariam bancos, mas não como aquela vigarice do BPN - se fosse com eles as nacionalizações seriam transparentes, justas, limpas, abundantes e rendosas, não havendo quaisquer riscos de retaliação ou sistémicos ou de crédito; e na Agricultura? Oh, na Agricultura, se fosse com eles, mil campos de papoilas floririam.

 

E assim por diante - não ouvi o debate mas foi como se ouvisse, sei do que a casa gasta.

 

Vendo bem, o gosto por debates é quase um vício indesculpável, visto que de um lado temos três interpretações da mesma melodia, o que a torna um tanto monótona. Do outro temos uma única, embora um ouvido treinado consiga detectar algumas fífias na orquestra. E no meio fica a secção de percussão, com os tambores rotos, os pratos esbotenados, as congas e os djembés feitos num oito.

 

Do meio e do lado direito falarei, ou não, noutra maré. Para já, deixo uma representação gráfica do lado esquerdo do hemiciclo, conforme o debate que adivinhei.

 

publicado por José Meireles Graça às 00:59
link do post | comentar

Pesquisar neste blog

 

Autores

Últimos comentários

https://www.aromaeasy.com/product-category/bulk-es...
E depois queixam-se do Chega...Não acreditam no qu...
Boa tarde, pode-me dizer qual é o seguro que tem??...
Gostei do seu artigo
Até onde eu sei essa doença não e mortal ainda mai...

Arquivos

Janeiro 2020

Setembro 2019

Agosto 2019

Julho 2019

Junho 2019

Maio 2019

Abril 2019

Março 2019

Fevereiro 2019

Janeiro 2019

Dezembro 2018

Novembro 2018

Outubro 2018

Setembro 2018

Agosto 2018

Julho 2018

Junho 2018

Maio 2018

Abril 2018

Março 2018

Fevereiro 2018

Janeiro 2018

Dezembro 2017

Novembro 2017

Outubro 2017

Setembro 2017

Agosto 2017

Julho 2017

Junho 2017

Maio 2017

Abril 2017

Março 2017

Fevereiro 2017

Janeiro 2017

Dezembro 2016

Novembro 2016

Outubro 2016

Setembro 2016

Agosto 2016

Julho 2016

Junho 2016

Maio 2016

Abril 2016

Março 2016

Fevereiro 2016

Janeiro 2016

Dezembro 2015

Novembro 2015

Outubro 2015

Setembro 2015

Agosto 2015

Julho 2015

Junho 2015

Maio 2015

Abril 2015

Março 2015

Fevereiro 2015

Janeiro 2015

Dezembro 2014

Novembro 2014

Outubro 2014

Setembro 2014

Agosto 2014

Julho 2014

Junho 2014

Maio 2014

Abril 2014

Março 2014

Fevereiro 2014

Janeiro 2014

Dezembro 2013

Novembro 2013

Outubro 2013

Setembro 2013

Agosto 2013

Julho 2013

Junho 2013

Maio 2013

Abril 2013

Março 2013

Fevereiro 2013

Janeiro 2013

Dezembro 2012

Novembro 2012

Outubro 2012

Setembro 2012

Agosto 2012

Julho 2012

Junho 2012

Maio 2012

Abril 2012

Links

Tags

25 de abril

5dias

adse

ambiente

angola

antónio costa

arquitectura

austeridade

banca

banco de portugal

banif

be

bes

bloco de esquerda

blogs

brexit

carlos costa

cartão de cidadão

catarina martins

causas

cavaco silva

cds

censura

cgd

cgtp

comentadores

cortes

crise

cultura

daniel oliveira

deficit

desigualdade

dívida

educação

eleições europeias

ensino

esquerda

estado social

ética

euro

europa

férias

fernando leal da costa

fiscalidade

francisco louçã

gnr

grécia

greve

impostos

irs

itália

jornalismo

josé sócrates

justiça

lisboa

manifestação

marcelo

marcelo rebelo de sousa

mariana mortágua

mário centeno

mário nogueira

mário soares

mba

obama

oe 2017

orçamento

pacheco pereira

partido socialista

passos coelho

paulo portas

pcp

pedro passos coelho

populismo

portugal

ps

psd

público

quadratura do círculo

raquel varela

renzi

rtp

rui rio

salário mínimo

sampaio da nóvoa

saúde

sns

socialismo

socialista

sócrates

syriza

tabaco

tap

tribunal constitucional

trump

ue

união europeia

vasco pulido valente

venezuela

vital moreira

vítor gaspar

todas as tags

blogs SAPO

subscrever feeds