Terça-feira, 29 de Agosto de 2017

Modernização administrativa

A minha carta de condução tem inscrita uma data de validade do ano de 2022, ano em que eu completarei 65 anos de idade, se ainda for vivo. Mas eu sei que não é válida até essa data, porque sou um cidadão atento e informado. Sei que, a páginas tantas, um governo mais dado à complicação administrativa determinou que a carta de condução tinha que ser revalidada aos 50, aos 60, aos 65, aos 70, e de dois em dois anos a partir dos 70. Até consigo, apesar de não ser tão atento e informado assim, saber exactamente em que ano, e por acção de que governo, o sistema teve este incremento na complexidade: foi em 2008. Como consigo este prodígio de memória? Através de uma mnemónica: em 2007 eu fiz 50 anos e não tive que revalidar a carta, em 2008 o meu irmão fez 50 anos e teve. Quem é que nesse ano de 2008 brilhava no firmamento do governo socialista por fazer milagres na simplificação administrativa? A ministra Maria Manuel Leitão Marques, investigadora em situação de licença, quando exerce cargos políticos, do Centro de Estudos Sociais da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. Esse mesmo.

2017-08-29 vaca voadora.jpg

Vai daí, e conhecedor da necessidade de um atestado médico para fazer a revalidação da minha carta, dirigi-me ao centro de saúde da minha área de residência onde, desde 2013, voltei a ter médico de família que não tinha desde os idos do primeiro governo do António Guterres, quando deixei de ter para não mais voltar até 2013. Atribuir-me médico de família foi um dos castigos com que fui penalizado pelo governo neoliberal Passos / Portas. Mas adiante.

Marquei uma consulta, com taxa moderadora de 4,50€, custava a exorbitância de 5,00€ na legislatura anterior mas o governo António Costa fez-me esta devolução de rendimentos de 0,50€ por consulta, e a funcionária deu-me um formulário e explicou-me que, a parte da frente, descrevendo o meu historial clínico e assinalando as doenças que eu tive e que não tive relevantes para a condução de veículos automóveis, preenchia eu, e assinava, e a de trás tinha que ser preenchida e carimbada por um oftalmologista ou optometrista, devendo eu trazer o formulário preenchido, assinado e carimbado à consulta que ficou então marcada.

Eu perguntei-lhe se podia marcar ali uma consulta de Oftalmologia e ela explicou-me que, para isso, teria que ir à consulta do médico de família e pedir-lhe uma guia para fazer uma marcação no hospital, fizemos um exercício conjunto de previsão para estimar quanto tempo seria preciso esperar pela consulta de especialidade e acordámos que poderiam ser 6 meses, ou talvez 2 anos. Como não estava disposto a passar os próximos 2 anos sem carta de condução, e uma consulta no meu oftalmologista habitual nunca custa menos de 100,00€, decidi investigar a possibilidade de ter uma consulta de Optometria. Felizmente entrei numa loja da Multiópticas, passe a publicidade mas a verdade deve ser dita, para perguntar, e fiquei a saber que a Multiópticas oferece essa consulta e o preenchimento do formulário gratuitamente a quem o solicite, mesmo tendo eu esclarecido que não era cliente daquela loja, se bem que fosse de outra que, esclareceu-me a funcionária, não pertence ao mesmo franchisado. E, assim, a loja da Multiópticas da Amadora, a quem eu nunca tinha feito uma compra, ofereceu-me gratuitamente o serviço que o SNS, que financio com os meus impostos, não fornece, e cobraria uma taxa moderadora por ele se fosse suficientemente organizado para conseguir fornecer.

E lá cheguei eu à consulta com a médica de família com o formulário preenchido e assinado, num lado uma declaração minha a descrever o meu historial clínico, no outro o registo do resultado dos exames que a optometrista me tinha feito. Sem doenças nem perturbações na visão, tudo em ordem.

Então, mas, e a médica? Qual é o papel da médica? Dactilografar a ficha, incluindo o nome, a morada e os números do Cartão de Cidadão e da Carta de Condução, no sistema informático do centro de saúde para imprimir o atestado médico que assinou e carimbou.

E aqui eu pensei que anda uma miúda desde criança a preparar-se para conseguir à saída do liceu média para entrar em Medicina, anda mais seis anos a queimar os neurónios para completar uma licenciatura que custa aos contribuintes 100 mil euros, e mais o internato e o exame de especialidade, para acabar a desempenhar funções de dactilógrafa para a máquina burocrática do estado.

E pensei outra coisa. Não tivesse saído do anonimato absoluto por ter revelado numa entrevista à jornalista Fernanda Câncio, tão cheia de cumplicidades que, como disse o Gastão Taveira no Facebook, parecia uma entrevista do ventríloquo ao boneco, que é homossexual, e não fosse esta revelação de um membro do governo essencial para mudar mentalidades, e, num mundo onde o único método infalível para mudar mentalidades tem sido arrancar cabeças e substituí-las por outras com a mentalidade correcta, mudá-las por entrevista é tão meritório quanto benigno, mesmo que de eficácia algo duvidosa, e quase pareceria que a secretária de estado da modernização administrativa é tão dispensável para nos governar quanto era desconhecida até revelar em público a orientação sexual. Secretária de estado vinda de onde? Adivinharam!

Pelo que tenho uma proposta que gostava que os leitores socialistas, e sei que os tenho porque de vez em quando me aparecem aqui comentários de ódio que revelam essa orientação ideológica, fizessem chegar ao senhor primeiro-ministro: sendo a secretária de estado necessária no governo para mudar mentalidades por causa da sua orientação sexual, mas sendo também uma nulidade incompetente para promover qualquer modernização administrativa, e sendo a modernização administrativa importante para o país, seria mais útil para o país e a sociedade civil se ela fosse transferida de um lugar que seria vantajoso ser ocupado por alguém competente para assumir as responsabilidades deste lugar para um lugar onde nenhuma competência seja exigida, por exemplo, para distribuir dinheiro pelos amigos numa qualquer secretaria de estado do ministério da cultura. No caso improvável de não ter amigos na cultura não há problema nenhum, pode perfeitamente pedir à jornalista que lhe apresente alguns, e a distribuir dinheiro pelos agentes culturais é fácil fazer amigos. Ficavam os amigos felizes, e ela também, e nós também.

E, preferencialmente, que deixasse os médicos trabalhar.

 

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 17:54
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