Não faço a menor ideia de como é que a Coligação vai reagir à necessidade de maiorias qualificadas para preencher certos lugares. A julgar por casos semelhantes no passado, é possível que arraste os pés até que se arranjem umas personalidades consensuais (em se tratando de lugares no aparelho de Estado há disso aos montes), tudo embrulhado numa barganha qualquer em que uns cedem aqui para outros cederem acolá - chama-se a isso realismo ou sentido de Estado, consoante os autores do cambalacho tenham a mania que têm senso ou gostem de proclamações vácuas.
Por mim, encravava tudo. As recentes sondagens, nas quais o PS golpista sobe alguma coisa em detrimento dos vencedores das eleições, vieram mostrar que o eleitorado está a comprar as tretas do fim da austeridade e todas as outras miragens que a trupe costista vem liberalmente servindo. Portanto, a opinião pública só começará a mudar quando a chata da realidade começar a mostrar a contradição entre as promessas e as realizações - e isso não se sabe quando terá lugar, porque depende antes de mais da tolerância dos nossos patrões europeus, para já aflitos com problemas mais momentosos, e da estratégia opaca do PCP.
Até lá, pode fazer-se perrice, quando não haja nela consequências económicas negativas - como na nomeação, ou falta dela, de uns parasitas para substituírem outros.
Entendamo-nos: a Provedoria de Justiça será talvez útil - não estou documentado. Mas qualquer cidadão que tenha precisado da Justiça sabe que ela se distingue pela arrogância, o preço caro, a ineficiência e a inimputabilidade; assim como o cliente das empresas majestáticas, ou dos monopólios ou oligopólios de facto, ou do sector financeiro, não ignora que se trata geralmente de quadrilhas de ladrões que nem sequer fazem o favor de estarem conscientes desse facto; e os "serviços" públicos estão geralmente ao serviço do Estado, e não do cidadão, que deles se abeira de timorato chapéu na mão. Alguém ouviu um Provedor falar, ou fazer alguma coisa, acerca disto? Eu não.
Do Conselho Económico e Social, uma Câmara Corporativa recauchutada, qualquer nova rolha que vá para lá substituir a que lá esteve faria um grande favor à comunidade se defendesse a extinção do organismo, claramente daninho, por assentar no pressuposto falso de que lá estão realmente representados os patrões e trabalhadores.
E a Entidade Reguladora da Comunicação Social? Haverá ingénuos que imaginem que algum jornalista aprendeu a escrever, ou a falar, algum cidadão viu o seu direito ao bom nome, ou à privacidade, defendido, ou ainda que algum jornal foi censurado por travestir opiniões de notícias? Ou que o sinistro Azeredo, ou a caricata Estrela Serrano, ou o tipo que lá está agora, garantam realmente alguma coisa? Mais: alguém acredita que alguma coisa que valha a pena pode ser assegurada por um fiscal da comunicação social?
Falta o Tribunal Constitucional. Não acho, ao contrário do que geralmente se acha, que uma secção do Supremo especializada em assuntos constitucionais fosse uma boa ideia: para garantir a independência dos juízes tem que se lhes garantir a inimputabilidade, mas a corporação já acha que a majestade da Justiça e a majestade dos magistrados são uma e a mesma coisa - uma instância que tem ao menos em teoria gente que não vem do mesmo galinheiro é uma coisa boa. E boa mesmo que no passado recente tenha havido sentenças cretinas: nunca ninguém inventou um sistema que garanta que os juízes, de carreira ou outros, são sempre capazes de decidir com senso na moleirinha.
Mas o Tribunal Constitucional pode esperar - por uma vez, que no geral toda a gente espera por ele sem que jamais os senhores conselheiros se tivessem dado ao trabalho de explicar convincentemente os atrasos.
E nós também podemos. Talvez a situação, que tem o lado trágico de ser uma experiência que não pode acabar bem, tenha também o lado cómico, e gratuito, de ver o PS a rabiar para encaixar mais uns inúteis socialistas, desalojando os equivalentes de direita, que já lá estavam.
(Originalmente publicado no Senatus, em 16 de Janeiro 2012)
Uma vergonha embaraçante é o que vejo nas nomeações da EDP. Ou uma grande falta dela, consoante olho do lado de cá ou de lá. As nomeações na EDP são muito mais do interesse da EDP do que do Governo. Porque interessando à EDP influenciar o Governo ou, que mais não seja, obter dele informação privilegiada, tem toda a vantagem em contratar quem com o Governo se dê bem. O Governo ganha, quando muito, a oportunidade de encaminhar alguns militantes dos seus partidos para saídas profissionais simpáticas. Ganha também uma enorme quantidade de sarilhos, com a berrata das histéricas de serviço (há quem lhes chame "opinion makers") e com a perda de independência, real ou aparente, que é suposto haver nas suas relações com as empresas privadas. E fica a saber, ficamos todos, que a EDP tenciona continuar, na linha do que fez até hoje, a abusar da posição favorecida que detém no mercado português, sem qualquer espécie de concorrência que lhe mereça o nome, e a fazer com as regras e com os preços o que lhe apetece.
Com a Águas de Portugal não me custa compreender que, sendo esta uma empresa do Estado, o Governo queira ter em postos de decisão, e muitas dessas decisões são de natureza política, gente que lhe é leal e que obedece ao que o Governo decidir fazer. Faz todo o sentido que os governos assim procedam; para isso se determinou que algumas empresas sejam públicas, e não privadas. É suposto que as empresas privadas obedeçam às regras do mercado e às disposições impostas pela regulação. Espera-se delas que sejam lucrativas, competitivas e se fortaleçam. É suposto que as empresas do Estado tenham outros objectivos, e esses objectivos são determinados pelas políticas dos governos eleitos.
O que não é desejável é que o Estado tenha o tamanho que tem, e que haja tantas empresas, tão grandes e tão decisivas para a economia, que dependam do Estado e das suas vontades políticas. Não sei se é boa ideia que um recurso natural e um bem essencial se mantenha nas mãos do Estado. Tenho dúvidas, mas a haver empresas do Estado, há quem diga que estes casos são dos mais justificáveis.
Pelo que o problema não são as nomeações. É o tamanho do Estado. Que sendo tão tentacular, não é esperável que funcione de outra maneira. E o que vejo é que quem mais se queixa é, simultaneamente, quem mais está pronto para impedir que o tamanho do Estado seja reduzido a dimensões menos obscenas e menos permeáveis à promiscuidade.
Querem ter o Estado na economia? Muito bem. Levam com a economia no Estado. Não gostam? Têm que se decidir.
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