Hoje, logo pela manhãzinha, saiu mais uma iteração da campanha de propaganda para desviar as atenções dos SMS entre o banqueiro António Domingues e o ministro Mário Centeno meticulosamente planeada pelas agências de comunicação que assessoram o governo, regularmente ministrada pelo jornal Público, e depois amplificada pelos bloquistas do BE e do PS, incluindo o primeiro-ministro, que, no entanto, pode alegar em sua defesa que papagueia as conclusões sugeridas pela campanha, não para enganar os portugueses com demagogia, mas porque, dada a sua evidente ignorância em todos os assuntos que não sejam a sua própria sobrevivência política em que é um perito, acredita nelas, no parlamento e nas televisões.
Como diria o antigo presidente Américo Thomaz, esta iteração segue-se à anterior, onde foi revelado o terrível crime, ou melhor, a presunção de terrível crime, de o anterior secretário de estado Paulo Núncio ter estado antes de entrar para o governo, como advogado da sociedade Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva & Associados, ligado ao registo de nada menos do que 120 novas empresas na Zona Franca da Madeira, e antecede a próxima, que ainda não conhecemos mas podemos ter a esperança segura de vir a ser igualmente sugestiva e suscite indignação suficiente para distrair os alvos da campanha de comunicação de perceberem o significado real desta iteração, tal como esta foi lançada para os distrair do significado real da anterior que já foi aqui discutido.
E o que nos propõe esta iteração?
Que nos indignemos, qualquer que seja o conteúdo o objectivo é sempre uma proposta de nos indignarmos o suficiente para desligarmos as funções do raciocínio do cérebro e as substituirmos pelas da emoção, por o governo anterior não ter enviado ao parlamento para ratificar 7 dos 10 acordos de troca de informação fiscal com paraísos fiscais que lhe foram deixados pelo secretário de estado Sérgio Vasques do governo socialista que o precedeu depois de uma, diz-nos o jornal, maratona alucinante por destinos exóticos até Dezembro de 2010, em que celebrou 15, dos quais 5 terão sido ratificados nos poucos meses que o governo socialista ainda perdurou, e outros 10, acordados com Antígua e Barbuda, Belize, Guernesey, Ilha de Man, Jersey, Libéria, São Cristovão e Nevis, Santa Lúcia, Ilhas Turks e Ilhas Virgens Britânicas, ficaram por ratificar.
E que perversidade pode conter esta retenção de acordos?
Não se percebe bem, o que é mais vantajoso do que desvantajoso para a mensagem porque, dado o seu encadeamento numa sucessão de mensagens a sugerir perversidades, e na incapacidade de a compreender na sua essência, intui-se que tem perversidade. O próprio sub-título da notícia "por decisão do Governo liderado por Passos Coelho, deixou sete deles na gaveta. Porquê?" sugere um intuito de maldade e outro de a esconder. Já a fotografia identifica o painel de suspeitos que merecem a condenação do país, o Paulo Núncio, o Paulo Portas e a Maria Luís Albuquerque. A culpa não pode morrer solteira, mas também não deve ficar casada mas monogâmica. Certamente não houve tempo de procurar uma fotografia que lhes acrescentasse o Pedro Passos Coelho, mas percebe-se que também deve ter culpas no cartório.
Mas, se quisermos fazer parte da ínfima minoria que lê, para além do título, do sub-título e do boneco, e daí tira a pinta à mensagem, as letrinhas pequeninas do texto da notícia, o que ficamos a saber?
Que afinal o "Porquê?" por responder no subtítulo está respondido na notícia. O governo anterior não enviou os acordos para ratificação no parlamento porque os acordos eram de eficácia duvidosa, ou seja, "O assunto foi deixado na gaveta, para proteger o interesse nacional ... os acordos de cooperação sobre informação fiscal assinados com aqueles offshores não acautelavam que a troca de informação fosse efectiva", significando que não era garantido que pudessem ser accionados para fiscalizar eventuais delitos fiscais de contribuintes portugueses que recorressem a essas praças financeiras.
Já se fossem ratificados, como foram dois deles com territórios integrantes do Reino Unido, Jersey e a Ilha de Man, esses paraísos fiscais deixariam de fazer parte da lista de paraísos fiscais, aliviando as penalidades, nomeadamente fiscais, nomeadamente em sede de IMI, a que estão sujeitas em Portugal as empresas sediadas em paraísos fiscais, com vantagem evidente para os portugueses com património colocado em nome de empresas sediadas nesses paraísos fiscais.
E que os governos socialistas têm uma produtividade vertiginosa a desclassificar paraísos fiscais, tendo o governo socialista anterior ratificado 5 dos 15 acordos nos poucos meses que sobreviveu à sua assinatura, e tendo o governo socialista actual já ratificado outros 5 em apenas um ano de desclassificação, faltando-lhe apenas ratificar os outros 2.
Eu, se tivesse a felicidade de ter património sediado em paraísos fiscais, teria muito a agradecer aos governos socialistas, aos anteriores e aos actuais, por me aliviarem das penalidades a que ele tem sido sujeito.
Fazem o Bem olhando a quem.
Sérgio Vasques, inquisidor-geral, lavrou em 2010 um despacho que constituiu a Direcção-Geral das Contribuições e Impostos (hoje "Autoridade Tributária", uma designação ominosa) na obrigação de publicar informação estatística relativa às transferências financeiras feitas para paraísos fiscais, uma prática herética que nem por ser bastante vulgar deixa de ofender os sãos princípios de uma sociedade organizada sob o lema "tudo dentro do Estado socialista, nada fora do Estado socialista".
Os jornais estão recheados de familiares do Santo Ofício. E portanto esta iniciativa, mesmo não sendo do Grande Inquisidor, modernamente designado como Secretário de Estado dos Impostos, estava fadada a ter grande sucesso: do que se tratava não era de perseguir os marranos, que disso se ocupavam ordinariamente os santos frades no exercício do seu múnus - era de confirmar no espírito daqueles familiares e seus leitores a ideia de que há pobres porque há ricos; que a maneira de acabar com os primeiros é acabar com os segundos; que o fardo desta vida, para os deserdados, fica aliviado pelo expediente de só se poderem comparar com outros miseráveis; e que, salvo prova em contrário, e mesmo assim, não apenas um rico tem mais dificuldade em entrar no reino dos céus do que um camelo em passar pelo buraco de uma agulha, como merece ainda antes da duvidosa justiça do Além ser desde já imolado nesta.
Que o propósito era unicamente publicitário e doutrinário prova-o o facto de a estatística não discriminar a natureza das transacções, misturando no mesmo saco a empresa que quer pagar um bem ou serviço onde o credor lho exige e o cidadão que quer pôr ao abrigo da rapacidade do Estado, do risco de falência dos bancos ou do fim do Euro as suas poupanças; e incluindo, sem nomear, os suspeitos de tráfico de drogas, de armas ou de corrupção. Tudo com o evidente propósito de, enquanto não há meios, nem coragem, nem consenso na opinião pública, para acabar com as transferências para offshores, a ir moldando a este sincretismo interesseiro.
A frei Vasques sucedeu frei Azevedo; e foi este clérigo (um fanático conhecido pelas teses delirantes) que, provavelmente, municiou o actual governo com a denúncia da inexistência da tal lista de transferências no pelourinho do Público e dos outros lugares mal frequentados, a fim de a bomba poder ser usada quando a Situação se sentisse apertada.
Foi agora o caso - ao escândalo da CGD, que corria o risco de expor à opinião pública a lista de patifes, na sua maior parte de extracção socialista, que lideraram a Caixa, e o manto de silêncio hipócrita de comunistas e bloquistas, necessário para minarem com os seus o aparelho de Estado, era preciso opor uma merda qualquer. Fosse o que fosse, desde que contivesse os ingredientes certos. Uma lista com uns números ininteligíveis, originada por despacho abusivo de um funcionário menor, que deixou de ser publicada por decisão de um político que, em vez de dominicano, era jesuíta, serve, se bem trabalhada por uma comunicação social acéfala e esquerdista - como está a ser.
Bem jogado, Costa: da Caixa e dos cinco mil milhões que lá vamos enterrar já não se fala; e com jeito deve ser possível encontrar, no universo dos dez mil milhões de Euros em dúvida, uma coisinha qualquer que confirme que foi a falta de publicação de uma lista que a possibilitou. Cinco ou dez milhões já eram suficientes - quando os zeros são muitos as pessoas baralham tudo.
Resta dizer que há nisto tudo, em relação a Paulo Núncio, uma justiça poética. Que das duas explicações que deu para, sem clareza nem coragem, bloquear a publicação do papel, a segunda deve ser a verdadeira: não queria espantar a caça. Nunca explicou, nem sabe explicar, nem bem entenderia a pergunta se lha fizessem, de que forma se distingue de Paulo Macedo, ou do grotesco sucessor socialista que lá está agora, quando entre outras coisas passou um prazo ordinário de prescrição de ilícitos fiscais de quatro anos (tempo mais do que suficiente) para doze anos, precisamente no caso das transferências para offshores, além de toda uma impressionante série de malfeitorias com o mesmo denominador comum: o contribuinte é um infractor salvo se provar o contrário; a administração fiscal é inimputável e os erros e abusos são sempre consequência de falhas informáticas; um bom secretário de Estado aumenta a receita; e o bom cidadão fiscaliza o seu semelhante, tendo por prémio a miragem de um automóvel de luxo - pior ainda que o católico fervoroso que denunciava o seu vizinho cristão-novo para se lhe apropriar do quintal e das hortaliças viçosas.
De Pepedês e Cêdeesses que não se distinguem dos seus confrades do PS senão pelo conservadorismo em questões fracturantes pode dizer-se o mesmo que da fábula do escorpião e da rã: a rã só se pode queixar da sua própria estupidez.
As casas de valor patrimonial superior a um milhão de euros registadas em nome de entidades sedeadas em paraísos fiscais vão ter uma redução de impostos patrimonias que, à medida que o valor da casa aumenta, se aproxima tendencialmente de 48%.
Como é que se chegou aqui?
O governo do António Costa tem sido incitado publicamente pelo seu parceiro de coligação mais vivaço, o BE, a perder a vergonha de ir buscar a quem está a acumular dinheiro, recomendação que o próprio tem simulado desvalorizar, dizendo que nem essa é a linguagem do PS, nem é essa a ordem de prioridade que temos, sem no entanto a renegar claramente, mas outras figuras notáveis do PS aparecem a confirmar dizendo coisas idênticas como um bom orçamento é aquele que vai buscar dinheiro onde os orçamentos anteriores não descobriram que ainda havia para tirar. Em português mais claro, diz-lhe o BE que tire aos ricos para dar aos pobres, ele responde que o PS não diz as coisas assim mas não nega que as faça, e o PS diz que tira mesmo.
Este jogo de retórica esquerdista contra os ricos protagonizado pelo António Costa e pelos partidos que apoiam o governo tem consequências boas, e consequências más. A consequência boa é que há mais pobres do que ricos e, se acreditam que o governo vai mesmo buscar ou tirar mais dinheiro aos ricos para distribuir por eles, mal não lhe deve fazer eleitoralmente. E as sondagens têm-lhe sido simpáticas. A consequência má é que os ricos se assustam e, em vez de investirem o dinheiro que têm para o multiplicar criando emprego e riqueza na economia, o levam para onde possa ficar a abrigo desta ameaça de voracidade socialista. E o investimento pifou.
Mas será o António Costa um socialista que vai buscar mesmo dinheiro a quem o acumula, ou isto é apenas um golpe de prestidigitação para alimentar a simpatia dos parceiros de coligação do PS e dos eleitorados mais radicais, ou meramente esperançados em lhes calhar a eles um quinhão da redistribuição de riqueza prometida por ele?
Olhando-lhe para a pinta, não convence muito como redistribuidor. O seu passado de planeamento fiscal pessoal e de habilidades para acumular rendimentos privados com salários públicos que exigiam dedicação exclusiva, o seu nível de vida ostentado sem vergonha, ainda que discretamente, sugerem que gosta suficientemente de dinheiro para não ser um redistribuidor de alma e coração, excepto na vertente de redistribuir por si próprio e, quiçá, pelos amigos.
E olhando-lhe para a governação também alguma dúvida se levanta, e com exemplos que, pelo número, estão longe de parecer insignificantes.
A trave-mestra da sua proposta governativa, a devolução de rendimentos aos portugueses, que era suposta justificar-se por motivos de justiça redistributiva e, para além disso, por impulsionar o crescimento económico, está fundada em três pilares:
Todas as vertentes da devolução dos rendimentos aos portugueses ignoraram os mais pobres e favoreceram os menos pobres, tanto mais quanto mais ricos são.
O benefício da redução das taxas moderadoras também recaiu exclusivamente sobre a menos de metade da população que não está isenta por ter rendimentos acima do limiar de isenção, sem qualquer benefício para a mais de metade que está isenta por ter rendimentos mais baixos.
A opção determinante da política fiscal do governo do António Costa em transferir carga fiscal dos impostos directos, determinados pelo nível de rendimentos, para os indirectos, que afectam indiscriminadamente todos os contribuintes sujeitos a eles independentemente do seu nível de rendimentos, também penaliza mais os contribuintes pobres que os ricos.
E nos impostos sobre o património?
Aqui, a avaliar pelo alarido das últimas semanas entre os partidos da maioria de esquerda que competiram, entre si e com o governo, para avançar publicamente com os anúncios das propostas mais extorsionárias ou criativas para ir buscar aos que acumulam riqueza, determinando taxas, os limites do luxo, exposições solares e vistas, percorrendo todos os privilégios sem deixar um único por taxar, parecia que estavamos mesmo a chegar ao socialismo. Por momentos pareceu que finalmente se estava a cumprir o velho sonho socialista de, taxando os ricos, conseguir receita suficiente para oferecer uma vida boa aos pobres sem tocar na classe média. A última maravilha do socialismo do tempo novo.
E como é que a chegada do socialismo ao imobiliário se traduziu no OE 2017?
Através da chegada do IMI do tempo novo, que introduz um adicional sobre o IMI do tempo velho para todos os proprietários com património imobiliário de valor superior a, não um milhão de euros, como tinha sido admitido pelo PS na hipótese mais conservadora, mas, ainda mais penalizador, 600 mil euros, de 0,3% do que excede este valor. Agora é que os ricos vão pagar a crise!
E como era o IMI do tempo velho?
Os imóveis de valor patrimonial superior a um milhão de euros, as casas de luxo que o socialismo agora vai penalizar, pagavam, além do IMI, imposto de selo de 1% sobre o valor do imóvel.
Ou seja, o novo IMI, que vai buscar a quem acumula riqueza, penaliza um bocadinho quem acumula um bocadinho mais que 600 mil euros, e beneficia muito quem acumula muito. Nada que não confirme a tendência verificada antes de penalizar os menos ricos para beneficiar os mais.
E se o imóvel estivesse registado em nome de entidades sedeadas em paraísos fiscais? A taxa de IMI era de 7,5%, e a do imposto de selo de outros 7,5%, num total de 15%. Agora a de IMI continua a ser de 7,5%, mas o imposto de selo de 7,5% vai ser substituído pelo adicional de IMI de 0,3% sobre o valor que excede 600 mil euros.
Se o património imobiliário de luxo já era bem penalizado na tributação do imobiliário vai passar a ser tanto mais aliviado quanto mais luxuoso é, e o detido por offshores vai passar a pagar pouco mais de metade do que pagava antes. Os maiores beneficiários do OE 2017 vão ser as entidades sedeadas em paraísos fiscais que são proprietárias de imóveis nesta república socialista soviética, ainda mais que os pensionistas que se convencionou designar por "milionários".
E o que dizem as bloquistas, que participaram de alma e coração nesta pantomina de ir buscar a quem acumula dinheiro, e se sentiram transportadas nas nuvens pelo carinho com que foram recebidas pelo partido do governo, a esta formidável atenção do governo às offshores que tanta afeição lhes costumam suscitar no verbo?
Não dizem nada. Todo o bloquista come offshores. A questão é saber-lha dar.
E o segredo do António Costa não é tirar aos ricos para dar aos pobres, ganhando-lhes a simpatia. É tirar aos pobres para dar aos ricos, dando-lhes a impressão que tira as ricos para lhes dar a eles.
Blogs
Adeptos da Concorrência Imperfeita
Com jornalismo assim, quem precisa de censura?
DêDêTê (Desconfia dele também...)
Momentos económicos... e não só
O MacGuffin (aka Contra a Corrente)
Os Três Dês do Acordo Ortográfico
Leituras
Ambrose Evans-Pritchard (The Telegraph)
Rodrigo Gurgel (até 4 Fev. 2015)
Jornais