Quarta-feira, 26 de Outubro de 2016

Gente de posição

 

Governo-Esquerdas-01.jpg

 

O Ministério das Finanças não quer mostrar todos os números que permitem avaliar o Orçamento. Só o fará contrariado, sabe Deus em que condições, depois de a UTAO dizer que isto assim é ilegal.

 

No gabinete do primeiro-ministro há mais um doutor (ou engenheiro?) da mula russa. Não se percebe o motivo: para exercer cargos políticos não é obrigatório ter um título académico. Ou percebe: esta gente sem experiência nem currículo não tem outra maneira de se fazer respeitar socialmente. E assim arranja uma licenciatura falsa, que dura até ser descoberta, para forçar um estatuto e fingir uma superioridade igual à de qualquer um. Verdadeira ou de fancaria, quem é que hoje em Portugal não tem uma licenciatura?

 

Os senhores administradores do banco do Estado são deixados em sossego, dispensados de entregar declarações de rendimentos e de interesses; quem recebe as pensões mínimas prepara-se para ficar sujeito a "condição de recursos", que o mesmo é dizer que o Estado não lhes dá uma moeda sem antes lhes virar a vida do avesso. Talvez levem uma sopa em troca da privacidade.

 

Bruxelas, incompreensivelmente, não acredita nas contas do governo. Exige informação adicional para decidir se lhes aprova o papel ou nos corta os víveres.

 

Ao princípio, quando as esquerdas se entenderam nesta “posição”, parecia que íamos ficar entregues a um comando de oportunistas desmoralizados. Pouco a pouco as dúvidas desaparecem.

 

publicado por Margarida Bentes Penedo às 13:32
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Sábado, 15 de Outubro de 2016

Argumento obsceno

Anda por aí um vídeo que tem feito algum sucesso e que se refere às 78 medidas com impacto negativo para o contribuinte que o defunto governo PàF tomou.

 

É uma animação de propaganda feita por gente obviamente de esquerda, e portanto conviria conferir: talvez as medidas não tenham sido exactamente 78, talvez algumas não tivessem bem o perfil descrito e por certo alguns cortes eram mais do que razoáveis. De resto e desde logo, cortes não são assimiláveis a impostos, mesmo que o efeito seja o mesmo para quem os sofre.

 

O grotesco PM actual ainda há dias admitia em tese que as pensões que não se fundem em carreiras contributivas deveriam ser pagas apenas sob condição de recursos, um princípio que era até há pouco anátema. Sem surpresa: o PS sempre se distinguiu, nas grandes (revisões constitucionais, por exemplo) como nas pequenas coisas por só aceitar o óbvio quando este passa de comum a ululante, para usar uma palavra tão apreciada pela camarada Ana Gomes. E portanto os pensionistas cujo voto foi comprado há que tempos com a atribuição de um "direito" que não o era que se preparem: é apenas uma questão de oportunidade até se comprar a anuência do PCP e a do BE para a medida, em troca de outra coisa qualquer que permita a estas beneméritas instituições salvar a face, encaixando de passagem alguns clientes no aparelho sindical ou do Estado.

 

Mas lá que o aumento de impostos foi colossal, como lhe chamou o lerdo Gaspar - foi. Tanto que aquelas pessoas que são de direita por acharem que após quase quarenta anos de governos de esquerda (incluindo o PSD na sua declinação social-democrata, que só se distingue do PS pelo pessoal dirigente conhecer a tabuada, e o CDS, cuja costela democrata-cristã o leva por vezes a julgar que a economia se rege com encíclicas papais) já era tempo de reformar o Estado para que a economia cresça, foram dizendo que a oportunidade era de ouro para cortar na despesa e não aumentar a receita.

 

A oportunidade passou. E agora, salvo no contexto de um quarto resgate, não haverá reforma alguma. E como aos credores tanto monta que o Estado se emagreça ou esmague os cidadãos com impostos demenciais, desde que não tenha défices, resulta que a actual solução governativa tem as mãos livres para fazer metade do que lhe está nos genes - dar rendimentos ao maior número de pessoas. A outra metade, que é a bolsa aberta dos emprestadores, existe ainda para rolar a dívida, mas não para a contrair nova. Donde os impostos têm que subir, ficando a discussão, que entusiasma a comunicação social, para o quando e quanto.

 

Seja, até que o eleitorado de esquerda perceba que também lhe estão a ir ao bolso, ou o BCE feche a torneira, ou a DBRS se zangue, ou apareça uma importante jazida de bauxite no Alentejo, ou a UE se esfarele, ou Hillary comece a III Guerra Mundial - alguma coisa haverá, menos crescimento económico.

 

Somente me aborrece que se use o argumento obsceno de que qualquer aumento de taxas, ou criação de impostos novos, fica sempre enormemente aquém do que Gaspar fez. É ao contrário: precisamente porque Gaspar foi longe de mais é que a única discussão séria que poderíamos ter seria a de quais os aumentos que vão ser revertidos, a par das despesas que se vão cortar para o permitir.

 

É que, se todos os governos aumentassem impostos a taxas inferiores às do último aumento verificado, e não parassem de o fazer, não é difícil perceber que, um dia, chegaríamos à taxa de 99,9%.

 

Estranho? Nem por isso. Por muito pequeno que seja o aumento da taxa, esta cresce sempre, se se aceitar o princípio absurdo de que um aumento é legítimo porque anteriormente foi muito maior. E é também por isso que é tão perigoso criar impostos novos, como o da pilhagem que se prepara sobre os proprietários de imóveis acima de um determinado valor. Uma vez no terreno, é apenas uma questão de tempo até que as taxas sejam estratosféricas, mesmo que no princípio fossem relativamente indolores.

 

Pobre Gaspar, que teve uma oportunidade e a deixou fugir sem sequer tentar. Não deve ser coisa pouca a pesar-lhe na consciência; e nem era preciso que o que conseguiu esteja agora a ser liquidado sob a regência de um coveiro anafado, acolitado por serventuários tachistas, comunistas fósseis e esganiçadas venezuelanas, perante uma opinião pública acéfala. Que sobre esse drama que se desenrola debaixo dos nossos olhos dispensávamos a comédia.

publicado por José Meireles Graça às 14:33
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Domingo, 14 de Fevereiro de 2016

Neomarxismo

Vai por aí uma polémica sobre se a carga fiscal desce ou sobe com o novo Orçamento. Para os meus habituais consultores sobre assuntos de economia, sobe; e para os economistas da esquerda, que só costumo ler até ao ponto de bocejar ou encolher os ombros, desce.

 

Mas é claro que a discussão, como acontece muito entre economistas, circunscreve-se a saber se a carga fiscal cresce em não em relação ao PIB.

 

E como a previsão do PIB repousa em cenários; e como não só nunca acerta mas historicamente falha quase sempre por excesso: segue-se que, mesmo que a carga fiscal prevista diminua ou fique igual em proporção do PIB previsto, sempre a probabilidade de crescer na realidade em relação àquele indicador é grande - se a lógica não for uma batata.

 

Certo, certo, é que as taxas de imposto crescem, crescem sempre. Tanto que certos contribuintes já pagam mais de metade do seu rendimento em IRS; sobre o remanescente 23%, no mínimo, em tudo o que consumam, e taxas de imposto demenciais se tiverem vícios comuns como fumar, e gostos caros como beber o gin da moda ou conduzir um carro de gama média; e se ainda sobrar para aforrar ou investir, 26%, salvo erro, sob a forma de imposto de capitais, incidindo sobre o rendimento, à volta de 22% sobre lucros se tiverem a peregrina ideia de investir em empresas e ainda o IMI se, fruto de poupanças ou herança, tiverem imóveis - tudo sem falar em imposto de selo, alvarás, licenças, certidões, multas, alcavalas de todo o tipo e outros impostos avulsos, além de 11% sobre o salário que recebem e à volta de 24% sobre o salário que pagam, se pagarem algum.

 

Sobre o tal automóvel, mesmo que de gama baixa, paga ainda impostos para ter o direito de comprar, circular, abastecer, estacionar, utilizar a autoestrada, et j'en passe.

 

As coisas já foram tão longe que o ministro das Finanças reconheceu cândidamente há dias que quem tiver um rendimento de 2.000 Euros/mês é fiscalmente rico. Que o tenha dito é ingénuo mas que seja - como é - verdade é trágico.

 

É assim razoável cansar as meninges a apurar se a carga fiscal sobe ou desce sobre um indicador fugidio? E faz algum sentido comparar os aumentos de taxas de imposto que Gaspar impôs com as que Centeno impõe?

 

É que, mesmo que cada novo governo aumentasse as taxas menos do que o anterior,  a punção do Estado não pararia de crescer. E duas certezas podemos ter: uma é que as taxas, uma vez fixadas, não baixam, salvo raras excepções para confirmar a regra (como a redução do IRC, com a qual o PS concordou para agora desconcordar); e a outra é que as crises servem para subir impostos, não para os baixar.

 

Se todo o nosso tempo é consumido a discutir qual a melhor forma de repartir o esforço fiscal de modo a atingir-se esse unicórnio que é a justiça social, e se a reforma do Estado for um objectivo com o qual toda a gente concorda desde que não comprima nenhum direito, afecte nenhum interesse, elimine nenhum benefício, e se alargue em regulamentos, serviços e direitos, então vamos a caminho de uma sociedade que a doutrina não previu: o comunismo por via fiscal, com uma camada fininha de ricos internacionalizados, uma multidão de escravos e outra de inúteis.

 

Bem vistas as coisas, talvez o PCP saiba o que anda a fazer ao apoiar este governo de desastre: ficamos mais perto da sociedade perfeita. Marx deve sorrir discretamente, por trás daquelas barbas hirsutas: desta não me lembrei eu - de cada um tudo o que ganha; a cada um tudo o que o Estado lhe puder dar, desde não seja mais do que ao vizinho.

publicado por José Meireles Graça às 18:33
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Terça-feira, 21 de Outubro de 2014

Alma e tomates

Daqui a dias o Orçamento será aprovado. O PCP dirá, com indignação, que são os mesmos de sempre a pagar, e que prossegue a senda dos ataques aos direitos dos trabalhadores e da destruição do Estado Social e do País. Já anunciou aliás, desarmando as dúvidas que nunca ninguém teve, que votará contra.

O PS queixar-se-á dos aumentos dos impostos, das reduções dos benefícios, do aumento da dívida pública e da continuação da austeridade. E já anunciou, desarmando as dúvidas que nunca ninguém teve, que votará contra.

Os Verdes não existem senão para aumentar o tempo de antena do PCP, e o BE dirá o mesmo que dizem os primos, como sempre, com mais ou menos arrebiques. Se já anunciou como votaria ignoro, mas ninguém ignora como votará.

A maioria votará a favor. Não pode fazer outra coisa, desde logo porque o documento já terá o visto prévio de aprovação de Bruxelas, onde reside, não direi a casa da Democracia - essa continua a fingir-se que é em S. Bento -, mas a sede verdadeira do Poder Legislativo. E, se tiver juízo, do que é lícito duvidar, fá-lo-á com melancolia e desgosto.

Melancolia porque na votação do Orçamento para 2016 já lá não estarão muitos dos que obedientemente votarão agora; e desgosto porque este Orçamento é um desastre, representando o último capítulo de uma governação falhada.

Há alguma medida séria e profunda de reforma do Estado, isto é, extinção de serviços públicos, revogação de legislação que atrapalha e onera a actividade económica, simplificação de procedimentos? Não.

Se, do lado da despesa, não há nada, salvo uns aumentos mal explicados aqui e ali, porquê a desonestidade intelectual das medidinhas do lado da receita para induzir as pessoas a pensarem que há alguma redução que valha a pena, ao mesmo tempo que se aumentam os impostos sobre combustíveis, com a descarada (não menos descarada por haver quem acredite nestas caraminholas verdes) desculpa da melhoria do ambiente?

Não falo do cenário previsto de crescimento. Sobre isso sei tanto como as pessoas que o estabeleceram em 1,5%, e tanto como as pessoas que acham que não se chegará lá, isto é, nada.

Nem falo da decantada redução do IRC para 21%, senão para perguntar se alguém acredita que a redução atrairá algum investimento estrangeiro, ou incentivará o nacional; se alguma empresa que esteja mal ficará melhor; e se as poupanças nas empresas que têm lucros significativos, positiva embora, justifica o trombeteamento da medida, sabendo-se, como se sabe, que ela será revertida logo que o dr. Costa comece a tomar medidas para o quarto resgate.

Mas, sendo tudo o mais incerto, os aumentos de impostos ficarão. E ficará também a celerada redução dos direitos dos contribuintes, entretanto agravada com mais este escândalo.

Tudo vale a pena se a alma não é pequena, disse o poeta. Mas a alma era pequena em 2011; e os tomates também, digo eu. Por isso a reforma não se fez, conforme confessou o malogrado Vítor Gaspar pouco depois de dar à sola. Agora é tarde, como o Orçamento confirma.

Mas mesmo tarde há limites para a asneira. E mais valia vivermos em duodécimos, ou copiar o Orçamento actual, com as adaptações inevitáveis, do que aproveitar a 25ª hora para reforçar o totalitarismo fiscal.

publicado por José Meireles Graça às 21:27
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Quarta-feira, 16 de Outubro de 2013

Inês é morta

A mim, o Orçamento não surpreendeu: é a tradução de uma impotência e uma inevitabilidade, como já havia sido o corrente e o anterior, embora com a diferença de, desta vez, se atingir seriamente a maioria dos eleitores e não apenas, como habitual, aquela parte da classe média que ainda podia jantar fora aos sábados, passar férias fora de casa e ter pelo menos dois automóveis por casal - tal é a medida do desespero.

 

Tem algumas coisas cómicas, como a redução da taxa de IRC em dois pontos, a par da criação de novo imposto sobre o gasóleo, algumas coisas ridículas, como o aumento do imposto sobre o tabaco, e algumas coisas positivas na área do ensino, através da criação de mestrados e doutoramentos para cálculo das pensões de reforma e aposentação.

 

Fosse eu economista e haveria de contratar um matemático (para evitar o asneirol) com vista a fazer uma folha de cálculo, com as seguintes variáveis: i) efeito depressivo resultante do aumento de impostos (xis por cento do aumento previsto da receita, após correcção deste com um desconto à taxa de optimismo da previsão orçamental); ii) efeito depressivo resultante do corte de despesas (xis por cento do montante do corte, a percentagem sendo obrigatoriamente inferior à do ponto i); iii) taxa de crescimento da economia, resultante da aplicação daquelas correcções à média das previsões oficiais. Com estes dados, seria possível corrigir os cálculos do défice e da percentagem da dívida pública no PIB. E como o défice acrescenta à dívida, e o esforço de consolidação orçamental terá que continuar porque senão não há financiamento, pode repetir-se o exercício para os anos seguintes, em páginas diferentes da mesma folha - não há nenhuma razão para não ter estilo em folhas de cálculo. Convirá ter presente, para os anos subsequentes, que a economia é muito mais resistente e flexível do que imaginam os alquimistas da Academia, e que, portanto, em cada ano, os efeitos depressivos referidos em i) e ii) tendem a diminuir.

 

Falta associar tudo isto a um calendário, para ver quando é que se atinge o défice de 3% (na realidade este défice implica, para não ser comprometedor, uma taxa de crescimento de não sei quanto, mas isso agora não interessa nada - o médico já fica todo satisfeito com umas corezinhas no doente, mesmo que a infecção não esteja vencida), e qual será o PIB então - não ouso imaginar.

 

Não vale a pena complicar com factores de política interna, porque o PS no Governo fará, no essencial e ainda que com bastante mais inépcia e melhor propaganda, a mesmíssima coisa, e ninguém sabe dizer se a populaça aguenta - o meu palpite é que sim; não vale a pena complicar com factores de política externa porque já se percebeu que, para defender o Euro, a burocracia europeia fará o que for preciso do ponto de vista deles; não vale a pena meter mais variáveis, de geopolítica ou outras, porque abundam as opiniões, e até certezas, na matéria, mas ninguém sabe, de ciência certa, nada do assunto.

 

Foi pena que, naqueles primeiros seis meses da Situação, esta não tivesse folheado as Páginas Amarelas: porque a reforma do Estado era pelas Páginas Amarelas que deveria ter sido feita, desde que, sobre as entradas "Ministério", "Direcção-Geral", "Serviço", "Alta Autoridade", "Observatório", "Direcção Regional", "Câmara Municipal", e as outras quinhentas nas quais se declina o Estado, se tivesse feito a pergunta certa: precisamos mesmo disto? Ou então, se a lista telefónica não estivesse à mão, um desses assessores (pertencente, de preferência, à minoria que não iria ser despachada) que abundam poderia espiolhar o Diário da República, desde 1974, com o propósito de descobrir o que foi criado - duas vezes em cada três poderia tranquilamente ser extinto.

 

Agora é tarde, o momentum passou. E o que o Governo pode invocar, na reforma do Estado que ainda queira e possa fazer, é a troica: Foram eles que mandaram! Nós até nem queríamos.

 

Como ficou amplamente demonstrado.

publicado por José Meireles Graça às 21:05
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Sexta-feira, 23 de Novembro de 2012

Duas moralidades

 

 

Pacheco Pereira indigna-se com a "imoralidade" e a "mentira" do primeiro-ministro por este se opor ao orçamento da União Europeia, exigindo mais dinheiro para Portugal.

 

Opina o "erudito" que Passos Coelho "devia" ter a posição do primeiro-ministro britânico, que é a oposta. Se o governo português defende cortes orçamentais internos, Pacheco Pereira considera que também devia defendê-los na "Europa".

 

Pacheco Pereira não vê diferença entre política interna e política externa. Se os gastos previstos no nosso orçamento são pagos pelos contribuintes portugueses, e os gastos previstos no orçamento europeu são maioritariamente pagos pelos países mais ricos (como ele quer), isso não constitui para Pacheco Pereira uma diferença substancial.

 

Pacheco Pereira não percebe nada da lógica das relações entre os países? Está convencido que Cameron defende os cortes orçamentais na União Europeia porque também os defende no Reino Unido? Não lhe ocorre que o Reino Unido defende os cortes porque paga mais do que recebe, ao contrário de Portugal que recebe da União Europeia mais do que paga?

 

Não o ouvi expressar desconforto com, por exemplo, as quantidades de dinheiro que a França continua a receber em nome da política agrícola "comum". Deduzo que, no seu entender, isso é um assunto que não nos afecta.

 

Por "uma questão de coerência", Pacheco Pereira argumenta que Portugal, sujeito a um programa de austeridade que lhe causa tantas "preocupações sociais", deve defender a redução dos seus "apoios". Em nome dessa "coerência", Pacheco Pereira abdica da "solidariedade" europeia e deixa os portugueses apeados.

 

É certo que Pacheco Pereira sempre desconfiou da "construção" desta "Europa". Talvez pelas mesmas razões que levam os portugueses a desconfiar da "solidariedade" na boca destes "eruditos" de moralidade impecável.

 

publicado por Margarida Bentes Penedo às 02:32
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Quinta-feira, 25 de Outubro de 2012

O mistério

Por estes dias em que até mesmo quem apoiou convictamente o Governo hesita, critica, pondera outros caminhos, convém perceber o que diz aquela oposição que, para além do folclore fracturante e da retórica da justiça social, afirma não rejeitar a economia de mercado nem o direito de propriedade, incluindo dos meios de produção - em suma, o capitalismo.

 

Anda para aí um programa orçamental do BE para "salvar a economia". Fui ver e fiquei pelo resumo - a agenda é de tal modo transparente que, para ler o desenvolvimento com atenção, se faria mister ter um espírito de sacrifício que não me assiste.

 

Diz a papeleta o seguinte:

 

"A recusa do aumento do IRS no OE 2013, demonstrando que o défice pode ser corrigido com um conjunto de reformas fiscais no IRS (englobamento de todos os rendimentos), no IMI (progressividade com quatro escalões e fim de isenções), no IRC (progressividade por via de 3 novos escalões), um imposto sobre grandes fortunas (IGF), a reposição do imposto sobre heranças e ainda uma taxa marginal sobre transações financeiras."

 

O IRS já é progressivo, e com todas as alcavalas a taxa máxima atingirá 54,5%. Já em 2009, a confiar neste artigo, 6% dos agregados (com rendimentos acima de 50.000 Euros) representavam 63% do total da receita cobrada. E os felizardos que pagaram 42% (rendimentos acima de 64,6 mil Euros) representaram 21,4%. Com as cordoveias do pescoço inchadas de indignação, a malta do BE costuma falsear a percepção deste facto, fazendo passar a ideia que os "ricos" não pagam a crise. Há, é claro, os muito ricos (mais de um milhão de rendimento bruto por ano). São 0,003% das famílias, uma superfície sobre a qual, para obter uma receita significativa, é melhor ir para o confisco puro e simples, que infelizmente só funcionará uma vez. O englobamento, pó de perlimpimpim do BE, produziria  uma receita de 400 milhões de Euros, a sair dos bolsos sem fundo dos ex-ricos dos escalões máximos - um reforço da progressividade, com outro nome.

 

A progressividade do imposto sobre o rendimento, que tem dignidade constitucional, é em si discutível. Mas não curo dessa batidíssima discussão agora. O esbulho dos ricos, transformando-os manu militari em remediados, parte do princípio que tudo ficaria igual: continuariam a ganhar o mesmo, e deixavam-se sangrar trabalhando, investindo, e não reagindo. Santa ingenuidade!

 

O imposto sobre grandes fortunas é um esbulho dirigido a quem tenha imóveis ou móveis de luxo e traduz-se nesta mensagem: ponham os móveis ao fresco e os imóveis no mercado. Se tiverem bens mas não rendimentos ao mesmo nível, a gente penhora e põe as mobílias nos gabinetes dos dirigentes da Administração, os candelabros nas estações de metro (há precedentes históricos, que deram excelentes resultados) e associações de okupas e comissões de moradores nas mansões. Já as antiguidades têm mais é que estar em museus, que o povo precisa de se cultivar vendo como viviam os fascistas e exploradores.

 

O IMI, um imposto que se destina a sustentar as autarquias, a sua prodigiosa malbaratação de fundos, a cacicagem local, os quadros pletóricos de pessoal, o endividamento crónico, as megalomanias e modas dos bairrismos tolos, o desenvolvimento a golpes de pavilhões multi-usos, rotundas ornadas de estatuária modernaça, e vias rápidas para o motel ou as casas de putas do concelho vizinho - é a negação retroactiva da vontade dos mortos, para quem quis deixar imóveis a herdeiros, e sobre a poupança e o trabalho, para quem os comprou e conserva ou melhora.

 

O IRC deveria ver baixar a sua taxa permanentemente, para atrair o investimento, nacional e estrangeiro. E há boas razões para pensar que a receita não baixaria na proporção da redução percentual do imposto, mesmo que o investimento não viesse em tropel - a competitividade fiscal é uma boa e necessária ideia, mas não é suficiente.

 

O imposto sobre heranças é iníquo. Quem deixa alguma coisa a alguém, adquiriu-a por investimento, trabalho, diligência ou poupança, e já pagou os seus impostos. Desejar aos descendentes uma vida mais desafogada, e trabalhar para isso, é um impulso natural que o imposto contraria, incentivando a incúria, o desleixo e o consumo, e castigando a poupança e o investimento.

 

A taxa marginal sobre transacções financeiras assenta na necessidade do registo do movimento de capitais e pressupõe níveis iguais de actividade. Não se percebe a modéstia dos 0,3% - cinco por cento parecer-me-ia um número mais feliz. É preciso ver que para obter receita fiscal o que é preciso é imaginação. Gaspar enganou-se na previsão de receitas - o BE não é desses, está com certeza confiante e pede meças aos guarda-livros da Troika na manipulação de folhas Excel.

 

O programa quer, todo ele quer (e aqui chegado acho que nem me vou dar ao trabalho de ver o resto) emagrecer a galinha, no pressuposto de que continuará a pôr ovos.

 

Esta é a receita que o Governo tem, em parte, seguido, para o País pagar o que deve. Já o BE não se incomoda excessivamente com os estados de alma dos credores, e diz-lhes quanto vai pagar, quando, e a que preço. Estes devem confiar, porque para gerir a economia uma das qualificações mais úteis é a capacidade de gerir comícios, e redigir manifestos e proclamações.

 

Resolvido assim a contento o problema do défice e da dívida, falta combater a quebra do produto e o desemprego. Calma: há o investimento público, parece. Em os decisores sendo da verdadeira esquerda, nem há corrupção, nem o investimento deixará de ser fortemente reprodutivo, nem faltarão recursos.

 

Por que razão esta gente, que na sua maioria apenas produz perdigotos e opiniões, acredita que retirando a quem realmente produz para pôr na mão de burocratas, políticos e engenheiros de sociedades, gerará Progresso - é um mistério.

publicado por José Meireles Graça às 23:14
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Sexta-feira, 19 de Outubro de 2012

Dream on, baby

60% de dívida pública máxima, 3% de défice - anda por aí, algures, um estudo que demonstra que para 2 ou 3% de crescimento isto está muito bem.


Não o vou procurar, o estudo. Que estudos económicos demonstram preconceitos, e eu tenho outros (preconceitos, não estudos). Para mim, fora de guerras, calamidades, depressões e despesas de investimento sobre cujo retorno não haja a menor dúvida, o défice deve ser zero. E mais: como os cenários orçamentais devem ser pessimistas, a execução superavitária, se houver, é uma coisa boa: os mercados emprestam com tanta maior facilidade e tanto menor preço quanto menos se precisa.


Tudo isto é um raciocínio perigosamente fascista: estão a ver, de quando o País crescia a taxas asiáticas (quase o dobro do que se verificava no espaço que viria a ser o da UE), o equilíbrio era a regra e a despesa pública não chegava a 25%.


Este discurso, actualmente raro, costuma ser despachado com escárnio: e a miséria, hem? e o atraso? e os índices humilhantes, na educação, na saúde, nas vias de comunicação? e a ausência de globalização e a adesão à AECL, no início da década de 60? Hum?


Hum o caraças. Que as comparações estáticas entre o agora e o antes são um abuso de raciocínio: todo o Mundo cresceu e em todo o Mundo se registaram melhorias de índices. E mesmo que, como na saúde, haja não apenas progresso absoluto mas também relativo (isto é, subida no ranking comparativo dos países) está por perceber quanta marcha-atrás terá que ser feita até que se atinjam níveis sustentáveis de despesa pública, na saúde e no resto.


E antes que venham para aí bolsar nas caixas de comentários insultos de salazarista!, facho!, e coisas piores, esclareço que, ainda que a gestão económica do País tenha sido nos últimos 38 anos, como foi, uma litania de disparates - nem por isso deixei de pensar que a única legitimidade admissível para governar é ter sido escolhido livremente pelos governados.


Tudo isto para dizer que não preciso de ser convencido da bondade da disciplina nas contas e, portanto, que deveria talvez receber esta notícia com alegria.


Mas não. Ser democrata implica inclinarmo-nos perante a vontade da maioria, mesmo quando - e se calhar sobretudo quando - a maioria escolhe miragens e compra banha da cobra. Ser democrata é isso - e ser patriota implica partir do princípio que quando estrangeiros nos governam, por muito lúcidos que sejam, não somos mais do que cidadãos de segunda.


E, salvo melhor opinião, ainda está para nascer aquela sociedade onde quem parte e reparte não escolha a melhor parte.


Os europeístas de todos os bordos dirão: que tolice, esta é a maneira de termos uma voz numa União de iguais, e salvarmos o precioso Euro, qual colonização qual quê.


Dream on, baby.

publicado por José Meireles Graça às 23:34
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Quinta-feira, 18 de Outubro de 2012

Serviço externo

 

 

Hoje encontro-me em serviço externo.

 

Para assuntos urgentes, é favor contactar pelo telefone número zeroitecentos tarzentos e não sei quê - de valor acrescentado.

 

Amanhã já devo estar de regresso, mas com jetelégue.

 

publicado por Margarida Bentes Penedo às 16:29
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Segunda-feira, 15 de Outubro de 2012

Temos para onde ir?

 

(*) 

 

Hoje é dia de orçamento, o documento que, via fugas, antes de o ser já o era.


É um documento trágico: quase ninguém acredita que a pauperização da classe média seja caminho para lado algum. Não porque seja possível pagar dívidas sem apertar o cinto, mas porque o violento esbulho do rendimento ainda disponível é feito em nome de uma inevitabilidade sem outra esperança que não seja os credores abrirem os olhos a tempo de verem que nem para eles estão a ser bons.


Entendamo-nos: o caminho que alguma esquerda defende (renegociar a dívida sem reforma séria do Estado, sem diminuir as despesas sociais, e sem nenhuma receita para o crescimento que não seja o consumo) esbarra na incredulidade dos credores e no senso comum. E a ideia de que se pode dizer aos mercados que para já não pagamos, mas que o crédito deve continuar a fluir para importarmos combustíveis, alimentos, matérias-primas para a indústria e o mais que mantém o país de pé - ou decorre de ignorância, ou ingenuidade, ou má-fé.


Nas circunstâncias a que nos deixamos chegar o Governo que temos teve uma curta oportunidade de reformar o Estado, se tivesse concentrado todos os seus esforços na correcção do défice pelo lado da despesa e não hesitasse no tratamento a dar aos poderes fácticos do sector financeiro, dos plutocratas, dos sindicatos, das associações patronais e das opiniões estatistas, que são quase todas. Não foi assim e agora é tarde. Haveria convulsões, a popularidade ficaria num frangalho, o ambiente social não seria muito diferente do que é, a berrata das esquerdas seria, se possível, ainda mais estrídula, quando houvesse eleições perdê-las-ia - mas nem a queda do produto seria tão grande, nem a perspectiva de recuperação tão distante, nem a autoridade para discutir com os credores tão enfraquecida.


Numa palavra, preferiu-se a água choca do diálogo social, dos panos quentes, das reformazinhas, dos cortezinhos e das medidinhas. Quando, numa reforma do instituto das fundações, se faz um corte de apenas 30% à Fundação Mário Soares, um monumento dispendioso ao ego daquele heróico fóssil; quando se tratam com panos quentes os empresários de retorno garantido das PPPs e a banca que está por detrás; quando se deixa em paz o sorvedouro da RTP; ou quando se deixa cair a reforma dos municípios, para não perturbar as doces sinecuras dos senhores autarcas treteiros e sempre grávidos do próximo melhoramento - está tudo dito.


Alguma coisa ficará, muito mais do que ficaria se fôssemos pastoreados por um Seguro, ou um Costa, ou qualquer outro da longa lista de criadores de riqueza via Decreto-Lei e dinamismos públicos sortidos. Mas será pouco.

 

Para quem defende o que eu defendo, e que agora me dispenso de repetir, um pouco de cinismo autorizaria que pensasse: quanto pior, melhor. Nada disso: pena-me que o Governo mais à direita em quase 40 anos deixe de si a imagem de ter querido fazer tarde o que não teve coragem de fazer cedo; de ter sido forte com os fracos, por ter que ser, sem ter sido forte com os fortes, como devia; e que em momento algum tenha parado para pensar que futuro sem Euro e que, se não acredita já no caminho que os credores apontam, deveria ter o carácter de dizer: não sei para onde vou, mas sei que não vou por aí.

 

____________

  

* Fotografia: Margarida Bentes Penedo

 

publicado por José Meireles Graça às 17:28
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