Talvez os assessores do António Costa receiem que a popularidade estratosférica do presidente Marcelo, baseada na sua capacidade de construir "afectos", na simpatia natural e na piada fácil e carregada de inegável sentido de humor, lhe possa vir a fazer sombra se um dia a relação esfriar, e acreditem que a relação há-de esfriar, e talvez lhe tenham aconselhado a ser também afectuoso e engraçado? Talvez lhe tenha saído da sua própria cabecinha que consegue ser engraçado e vale a pena aumentar a sua popularidade à custa do humor que Deus lhe deu?
A verdade é que, de há uns tempos para cá, o primeiro-ministro tem vindo a desempenhar quase diariamente números de stand-up.
Começou pela oferta pública ao presidente, durante o fim-de-semana idílico e cúmplice que mantiveram em Paris, e eles terão sempre Paris, de um postal do quadro "O salto do coelho" do Amadeo de Souza Cardoso, acompanhado da explicação "Há uns que saltam, outros não", não fosse o presidente ser incapaz da atingir sem ajuda a piada da coisa, baseada, e eu presto aos leitores o serviço público de a explicar, na vaca voadora e no apelido do líder da oposição. Coelho, voador. Percebem? As comitivas riram-se, as comitivas riem-se sempre, quanto mais não seja por passarem uns dias a passear em Paris à custa dos contribuintes, mas o presidente não se chegou a rir. Coitado, o preço de manter relações de cumplicidade com morcões é encorajá-los a partilharem as suas anedotas, e ter que as ouvir.
Seguiu-se, no São João passado no Porto, o remake do lançamento do microfone da CMTV pelo Cristiano Ronaldo, em que o folião do primeiro-ministro pegou, mas não chegou a lançar, o microfone, e explicou, e a explicação ajudou a esclarecer quem não conseguisse atingir sem explicação o alcance da piada, que "Isto afinal lança-se bem, não é preciso muita força", e a comitiva, como não podia deixar de ser, riu-se.
Não se dando ainda por satisfeito com a exibição de tanto humor, ou encorajado pelo sucesso junto da comitiva, chegou às jornadas parlamentares do PS nos Açores e decidiu brincar com o Brexit, desta vez com uma estatística que não teria ficado deslocada ao Américo Tomaz que, no entanto, em parvoíce, estava longe do que se faz hoje em dia, que os tempos eram outros, com a piada "Agora que a Europa vai perder algumas ilhas atlânticas, há 13 ilhas atlânticas que só Portugal pode dar à União Europeia", que desencadeou, naturalmente, risos na comitiva.
Não se sabe se, satisfeito com o sucesso, hoje repetiu a piada em Bruxelas, aos ingleses e aos europeus. Se repetiu, só há uma coisa certa nesta vida: a comitiva riu-se.
Só há uma coisa que os assessores se esqueceram, ou não tiveram coragem, ou tempo, de lhe explicar. É que o exercício do humor exige cultura, inteligência, rapidez de raciocínio, capacidade de contar em simultâneo histórias diferentes se vistas de pontos de vida diferentes, de ironia, de surpreender o receptor. Qualidades que ele, "vamoláver", na sua figurinha de brutamontes que nem consegue articular frases completas em português corrente, não tem. No esforço por acompanhar o palhaço rico, não consegue fazer melhor do que fazer figura de palhaço pobre. Mas está bem assim, que é isso que se quer.
E, do mal o menos. Podia ser bem pior se ele se sobre-entusiasmasse com as competências no bailado, que certamente lhe vêm dos anos no Conservatório. Não percamos a esperança que ele se mantenha no ramo do humor.
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