Francisco (não o de Assis, o de Roma) declarou à comunicação social portuguesa, por inspiração do dr. Mário Soares:
1) A dívida pública deve ser renegociada para um prazo mínimo de cinquenta anos, a uma taxa de juro não superior àquela a que se financiar o Estado Alemão, e com reembolsos de capital indexados ao comportamento das exportações;
2) Deve ser suspenso o plano de privatizações e substituído por um plano de nacionalizações, nomeadamente daquelas empresas privadas que se verifica terem uma posição dominante no respectivo ramo, das que se encontrem em situação de oligopólio ou de outras sobre as quais seja legítimo suspeitar que venham a encontrar-se naquelas situações; as nacionalizações deverão obedecer ao princípio de que ao valor de mercado se devem abater os dividendos e prémios distribuídos aos actuais e pretéritos accionistas, nos últimos 20 anos, e de que as indemnizações serão pagas em títulos de dívida pública, a vencer dentro do prazo referido em 1);
3) Devem ser suspensos todos os cortes de salários, pensões, subsídios e benefícios sociais, e reposta a situação ex ante;
4) O salário mínimo deverá ser aumentado para 550 Euros e todos os anos revisto em percentagem superior à da inflação, a acordar com os parceiros sociais;
5) Os contratos no âmbito das PPPs, e os remanescentes no âmbito dos SWAPs, deverão ser renegociados à luz dos seguintes princípios; a) O lucro líquido originado por tais contratos deverá ser taxado em, pelo menos, 70%; b) As partes estabelecerão um plano de taxação retroactiva, de modo a garantir que os ganhos até agora obtidos sejam objecto de igual contribuição; a denúncia, quando o Estado por ela opte, não confere direito a qualquer indemnização;
6) É fixado um salário máximo, de montante igual a doze vezes o valor do mínimo;
7) É criado um imposto extraordinário de 70%, incidente sobre grandes fortunas, entendendo-se como tal as daqueles agregados familiares cujos activos sejam superiores a 500.000 Euros;
8) A reforma do Estado deve prosseguir, à luz dos seguintes princípios: a) Não poderá haver despedimentos, nem mobilidade, sem o acordo do trabalhador; b) Não poderão extinguir-se serviços, salvo se as respectivas competências e pessoal forem afectos a outros serviços, e sem prejuízo da necessidade da aceitação dos trabalhadores, em caso de deslocação;
9) Fica proibida a evasão de capitais;
10) As empresas cujo capital seja maioritariamente detido por nacionais, ou que realizem em território nacional a maior parte do seu volume de negócios, deverão ter a sua sede em território nacional;
11) Pelo menos 1% do Orçamento deverá ser sempre afecto à Cultura:
12) O Presidente da República, ouvido o Conselho de Estado, deverá dar instruções ao BCE para financiar directamente o Estado Português, e ao mercado internacional para adquirir dívida pública no mercado secundário, a taxas não superiores às referidas em 1);
13) Após a diligência referida no ponto 12) deverá o Presidente dissolver a Assembleia e convocar eleições, às quais só poderão concorrer partidos que subscrevam sãos princípios de defesa da Constituição e do povo trabalhador. Apurado o resultado, instalada a nova Assembleia e conferida posse ao novo governo, o Presidente demitir-se-á, marcando eleições para a presidência da República nos termos constitucionais.
Se por algum imponderável isto não se fizer, o nosso País, filho dilecto da Igreja, será palco das maiores violências. Pelo menos é o que, com grande senso e não menor verosimilhança, se diz aqui.
Junto à costa de Lampedusa, o naufrágio de um barco carregado com cerca de 500 imigrantes ilegais resultou, até agora, na morte de mais de 140. O Papa Francisco declarou que era "uma vergonha" e alertou para a "globalização da indiferença". As vozes europeias do "humanismo" aplaudiram e o facebook partilhou estas palavras com abundância.
Poucos jornais se interessaram em investigar (e informar os seus fregueses) de que países vinham aquelas pessoas. Apurei sem surpresa que a maior parte vinha da Somália e da Eritreia.
Tenho sentido relutância em comentar os numerosos espectáculos com que este Papa generosamente entretém os fiéis. Na realidade, confesso que não o consigo perceber. Gostei da bonomia com que furou o balão do pecado homossexual, decepcionando os activistas menos atentos aos assuntos de caridade por viverem obcecados com os assuntos de cama. Apreciei os adjectivos que usou para caracterizar a Cúria, chamando "narcisistas" e "bajuladores" aos seus cardeais, e definindo "a corte" como "a lepra do papado" - mas isto são os meus afectos linguísticos.
Os problemas começam quando Francisco resolve apontar que "os males mais graves que afligem o mundo" são "o desemprego dos jovens e a solidão em que são deixadas as pessoas idosas", ou avisar que o "liberalismo selvagem" tem como resultado "tornar os fortes mais fortes, os fracos mais fracos, e os excluídos mais excluídos". Não vejo que o desemprego dos velhos e dos cidadãos de meia idade seja menos grave, e considero que a fome é um mal mais aflitivo do que o desemprego. Por outro lado, não sei o que o Papa entende por liberalismo (palavra largamente abusada), que vejo pouco na Europa e menos ainda em Portugal. De resto, toda a doutrina selvagem me repugna e não lhe consigo encontrar nenhuma virtude (nem conheço quem a encontre, a não ser no Islão).
Espera-se de um Papa que dê orientações sobre moral e matérias de fé. Francisco tem liberdade para falar sobre todos os assuntos que, no seu bendito entendimento, lhe parecerem oportunos. Pessoalmente, para ouvir perorar sobre geo-política e teorias macro-económicas cedo à tentação de procurar outro tipo de peritos.
Vem a propósito a distinção entre clericalismo e cristianismo que o Papa também fez, e aqui se concentra outra boa parte das minhas dúvidas: presumo que a soube explicar (eu não vi a explicação), mas duvido que a tenha sabido entender. Se o clericalismo for a doutrina que usa a religião como instrumento para obter um fim político, o Papa anda a escorregar para o lado menos recomendável.
A Somália, a Eritreia, a Líbia, e os países de onde partem estas pessoas são regimes primitivos, que quando não matam os seus cidadãos à facada ou a tiro deixam que eles morram à fome. Que espécie de moralidade têm os "humanistas" que andaram a louvar o "multiculturalismo", os "amanhãs que cantam", as "primaveras árabes", e toda a classe de regimes (esses sim) efectivamente selvagens, e agora gemem prosas pungentes quando os desgraçados fogem destes países para se afogar na costa de Lampedusa a tentar sobreviver?
Quando o Papa Francisco aproveita a tragédia de Lampedusa para comunicar ao mundo que "a única palavra que lhe vem à cabeça" é "vergonha" sabe que, pelo papel que tem e por aquilo que representa, está a fazer uma crítica à política de imigração italiana. E sabe também que está a dar aos "humanistas" argumentos morais para a defesa leviana da sua inacreditável irresponsabilidade. Convinha que esclarecesse exactamente, caso saiba, a quem deve aplicar-se a palavra "vergonha".
É com uma pontinha de perplexidade que saliento dois factos:
1.) Por junto, entre jornais, blogs, televisão, e páginas de facebook, há ainda três ou quatro comentaristas que não disseram, entre ontem e hoje e com grande perspicácia, que "o Ministro das Finanças falhou", seja na variante "redondamente", "cubicamente", ou "em toda a linha";
2.) Já começaram a aparecer ensaios e reflexões sobre o que o Papa Francisco pensa, presumo que com os botões da sua sotaina nova, sobre Teoria Económica.
Aos primeiros aconselho que se apressem, porque o sábado está quase a fechar.
Aos segundos aconselho que se apressem, não vá aparecer alguém com um assunto mais irrelevante.
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