Saudável regra operativa no mercado italiano: não se pode confiar em dois de cada três italianos. Por causa dos dois primeiros, nunca sabemos se podemos confiar no terceiro. Com dois de cada três alemães a confiança é a base da relação e mantê-la uma honra mútua. Depois, interrogamo-nos porque não funciona a economia a sul.
O que estragou a confiança em Itália? Segundo os próprios italianos, a porca da política dos últimos 20 anos com um ex primeiro-ministro e uma classe política para quem a palavra é o reflexo da conveniência do momento e das próprias contas bancárias. Perguntarão não é assim em todo o lado? Não. Na Suíça, por exemplo, a confiança contratual também é estabelecida com a palavra de honra dada apoiada num contrato. O contrato regula o modo de relação, mas a honra das partes sedimenta-a.
Em Itália, um contrato tem pouco valor para proteger as duas partes quando se for a tribunal dirimir as faltas aos compromissos assumidos. Como o processo pode durar 10 ou mais anos e de pouco serve pelo emaranhado de leis oriundo da política que visa em muitos casos proteger os prevaricadores, muitos deles políticos, sucede um bloqueio económico e pouco valor é dado aos contratos que se podem furar sem graves consequências. Honra e confiança conceitos ultrapassados? Antes fossem para estar de acordo com as nossas expectativas desiludidas sulistas. Sem justiça operativa em tempo útil, por cá, o contrato é papel pouco mais que inútil e a palavra dada tem pouco valor.
Como acontece o reforço da confiança pessoal nos países do norte? Apoia-se numa justiça eficiente que tutela a parte ofendida e condiciona o potencial ofensor a comportar-se. A norte, o bom funcionamento da justiça reforça o valor da confiança e da honra. A sul, a justiça lenta e muitas vezes participante na porca da política desagrega a confiança social e económica paralisando a cooperação necessária. Porquê isto?
Quando se vêem notáveis magistrados a participarem em acções de campanha de notáveis bandidos políticos, o impacto social é claramente o de erodir ainda mais a confiança no funcionamento justiça que já é muito mal visto. A honra e a confiança pessoal convêm às partes quando a justiça também é de confiança e dissuasora de comportamentos incorrectos.
Mais vale ser e agir em confiança que correr o risco de apanhar com uma sentença rápida e eficaz. Coisa de somenos importância que nada tem a ver com o nosso bem-estar social e económico, não é?
Lamento desiludir por agora algum leitor interessado em saber como vão as coisas por Itália: - Vão andando.
Mais uma vez, Berlusconi deu um "volte-face" e apoia a manutenção do governo. O PDL de Berlusconi está em divisão acentuada nos últimos dias e nos próximos alguns acordos internos permitirão clarificar a situação. É tudo o que posso dizer, pois, confesso-vos, tenho muita dificuldade em seguir a política italiana. O nível de banalidade, conflitualidade e total desrespeito pelos concidadãos eleitores é de tal ordem que é um execício de nojo seguir a espuma dos dias. Não vale a pena informativamente e é um desgosto.
Apenas uma nota: as contas públicas devem estar péssimas. Não se fala delas, a dívida aumenta, o défice mantem-se controlado, a pressão fiscal sobe (ontem o IVA passou de 21 a 22%). Estou convencido que quando se fizer o cálculo para 2013 haverá surpresas, contudo, sabe-se lá que manigâncias se vão fazendo na contabilidade nacional italiana.
Portanto, por obrigação profissional sigo o que vai acontencendo de fundo, mas já não encontro motivação pessoal para seguir o que vai acontecendo quotidianamente.
Deve ser isto a que chamam "alheamento da política por parte dos cidadãos". Deve acontecer a mais.
...são a fruta da época.
Entre as da semana passada e as que se aguardam, houve uma especial neste fim-de-semana. Especial para mim, católica, mas interpeladora para todos, por esta ideia de que o ato de tomada de posse pode ser entendido ao contrário do habitual:
"Para o novo patriarca de Lisboa, a designação “tomada de posse” tem um significado “impreciso”, porque “a única posse é de Cristo” e hoje, mais do que assumir um cargo afirma a disponibilidade para que a diocese “tome conta” dele.
“Esta tomada de posse significa, na verdade, uma despossessão de mim próprio para que a Igreja de Lisboa tome conta de mim”, referiu.
“A única coisa que peço a Deus é que seja assim: Que todos nos desapossemos de nós próprios para que Jesus Cristo seja em nós o único sinal a apresentar ao mundo”, referiu aos presentes na Sé de Lisboa.
“Que a igreja de Lisboa tome conta de mim, que o Senhor tome conta das nossas vidas, e que deixemos que Ele seja tudo em nós”, disse D. Manuel Clemente no fim da celebração da tomada de posse."
(Cardeal Patriarca, Sé de Lisboa, 6 de julho de 2013)
A propósito de muitas coisas. De comentários, de comentários aos comentários, de opiniões, de reacções, de sugestões, de estados de alma, de presunções, de irritações, de interesses a defender, de vir a propósito, de receio, de ser posto em causa, de julgar.
A propósito de tudo isto, que leio e ouço, e sabendo que é mesmo assim, porque resulta do (bom) e livre exercício de expressão (que, também aqui exerço!), lembrei-me desta história - com moral - que me contavam quando era pequena:
"Vivia no monte um homem muito velho que tinha na sua companhia um neto.
Certo dia o velho resolveu descer ao povoado com o seu burro fazendo-se acompanhar do neto. Seguia a pé o velho e sentado no burro ia o neto. Ao passarem por uma povoação logo foram criticados pelos que observavam a sua passagem: - O garoto que é forte montado no burro e o velho coitado é que vai a pé! Então o velho mandou apear o neto e montou-se ele no burro.
Andaram um pouco mais para matar a sede e encontraram duas mulheres a encherem os seus cântaros que elas disseram: - Olha para isto! A pobre criança a pé e ele repimpado no burro! Ordenou então o velho ao neto: - Sobe rapaz, seguimos os dois montados no burro! O rapaz obedeceu de imediato e continuaram a viagem.
Mas um pouco mais adiante um homem enfrentou-os com indignação: - Apeiem-se homens cruéis, querem matar o burrinho?!
Descendo do burro, disse o velho ao rapaz. - Desce, continuamos a viagem como começamos. Está visto que não podemos calar a boca ao mundo. Daqui para a frente faremos o que acharmos correcto!"
Nesta altura do ano rebentam as flores dos jacarandás. A cidade fica muito bonita, cheia de manchas azuis que estão primeiro penduradas nas árvores, decorando as fachadas, recortadas nas ruas, entretendo o trânsito. Depois estão no alcatrão, nos relvados, nas calçadas, nas varandas, nos telhados, e no tecido de memórias azuis que tenho no meu cérebro, em cima de um móvel de canto onde guardo os anos felizes que passei na Câmara Municipal de Lisboa.
As casas de banho novas do Parque Eduardo VII estavam quase acabadas. Só faltava decidir sobre a pintura final. Chamada a dar o meu palpite, desloquei-me à obra e pedi ao empreiteiro que fizesse um teste com três cores diferentes, numa parte da parede exterior do conjunto. Passados uns dias, após a secagem das amostras, voltei à obra para uma reunião com "os responsáveis". A fim de tomar a decisão, apresentaram-se o arquitecto (o projecto não era meu), o construtor, uma série de vereadores, e o próprio presidente da Câmara, que não quis faltar uma vez que estava "pessoalmente muito empenhado" no processo e queria assegurar-se que tudo estaria pronto para inaugurar na Feira do Livro, dali a uma semana ou duas.
Foram os últimos a chegar, e vinham do lado de cima. Ouviam com atenção a aula de história que o presidente desenvolvia, gesticulando, parando para apontar, provocando gargalhadas espontâneas e acenos de cabeça. Pareciam um grupo de crianças, as gravatas a esvoaçar, os casacos desapertados como os bibes no recreio. "De maneira que isto, por aqui fora, era tudo putas", foi a parte que ouvi quando já estavam a poucos metros.
De seguida, deram-se as apresentações. Trocaram-se apertos de mão e os vereadores trocaram olhares cúmplices e divertidos. De pé, todos dispostos em bateria, semicerraram os olhos e fizeram silêncio por uns segundos, contemplando os rectângulos de tinta colorida, concentrados a apreciar. Da boca socialista do presidente que, apesar de calado, nunca tinha chegado a fechá-la, saiu uma decisão. "Vermelho está fora de questão. Epá, para vermelho já me basta as gajas uma vez por mês".
Aturdida com a sensibilidade do poeta, com o coração enaltecido por sentir os destinos da cidade entregues a este homem enorme, distraí-me das razões que levaram à exclusão da outra cor. Mas foi assim que em Lisboa, ao fundo do Parque Eduardo VII, para servir a Feira do Livro e os aflitos do ano inteiro, nasceu um edifício de casas de banho da cor das flores dos jacarandás.
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