Domingo, 19 de Maio de 2019

A ética do populismo de extrema-direita

O vice-chanceler austríaco Heinz-Christian Strache, do Partido da Liberdade considerado populista de extrema-direita, demitiu-se, ou foi forçado a demitir-se, todos sabemos como os cordões sanitários são importantes na política, por ter sido apanhado numa gravação a propôr a um investidor russo a garantia de adjudicações de obras públicas desde que ele se disponibilizasse para adquirir o controlo accionista de um jornal e lhe alterasse a linha editorial para passar a apoiar o governo e "build a media landscape like Orban".

E a primeira dificuldade em sair deste primeiro parágrafo é a renitência de alguns, mais especificamente dos populistas de extrema-direita, em aceitar a classificação de populistas de extrema-direita. Enquanto extremistas como, por exemplo, os comunistas, se orgulham da sua orientação ideológica, e para muitos não há mesmo maior honra do que ser sepultado com a bandeira do Partido a cobrir o caixão, os populistas de extrema-direita parecem ter vergonha e ressentem-se de serem classificados assim, e estão normalmente dispostos a encetar discussões infindáveis para desmentir a classificação, que passam sempre pelo argumento que para os socialistas qualquer posição que não esteja de acordo com a deles é populista de extrema-direita.

A parte do populismo é de facto fácil de pôr em dúvida, porque qualquer definição de populismo passa pelo menos, para além da denúncia das elites corruptas instaladas no sistema, pela sua assumpção como um movimento de revolta das bases contra as elites, e os populismos são esmagadoramente liderados por clãs. Os Trump, os Bolsonaro, os Le Pen. Curiosamente, como os comunismos. Os Kim, os Castro, os dos Santos. 

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Mas abstraindo esse detalhe que põe em causa que os populismos liderados por elites sejam mesmo movimentos de bases, os populismos são fáceis de identificar, e toda a gente os identifica bem desde que não se perca a discutir a definição.

Já a parte da extrema-direita, que os revolta ainda mais por se considerarem a eles próprios no centro, no meio do povo, é mais fácil de demonstrar, até geometricamente. Se alguém considera todos os outros de esquerda está obrigatoriamente a olhar para eles da extremidade direita. Se um português vê socialistas em, para além dos partidos da extrema-esquerda incluindo o BE, do comunismo clássico do PCP, do socialismo dito democrático do PS, também na social-democracia mais ou menos liberal do PSD e do conservadorismo mais ou menos centrista do CDS, só pode estar à direita deles todos, só pode estar na extrema-direita.

O termo "populismo de extrema-direita" tem ainda uma vantagem apreciável que favorece a sua utilização, pelo menos coloquial. Independentemente de descrever fielmente ou não as características de quem refere, identifica muito bem quem refere. Quando se fala de populistas de extrema-direita toda a gente percebe de quem se está a falar, pelo que, independentemente de eles serem ou não populistas de extrema-direita, o termo tem precisão quanto baste para ser útil para os identificar.

Resignemo-nos então ao incómodo que lhes causa serem identificados como populistas de extrema-direita, e continuemos.

O que têm então de diferente os populistas de extrema-direita austríacos que foram apanhados em flagrante a propôr um esquema de corrupção a investidores russos dos populistas de extrema-direita franceses que não foram?

O exercício de funções executivas e o consequente acesso ao desvio de dinheiros públicos para benefício próprio. Os Le Pen estão na política há décadas, são talvez dos políticos franceses que estão há mais tempo instalados na política, mas nunca tiveram oportunidade, também pela exigência do sistema eleitoral francês, de ocupar funções executivas. Estão há décadas em todos os tipos de parlamento, dos locais ao europeu, mas nunca estiveram em maioria nem governaram.

Porque o sentido de ética, esse, foi sendo aferido ao longo da carreira política do clã, à medida das oportunidades que lhe foram sendo colocadas. Se nunca esteve em posição de adjudicar obras públicas, já esteve em posição de contratar assessores parlamentares ou de votar estando ausente do parlamento. E nunca se desviou de um padrão bem definido. Marine Le Pen contratou como assistentes parlamentares com o salário pago pelo Parlamento Europeu, ou pelos contribuintes europeus, que o Parlamento Europeu não dispõe de dinheiro que não seja deles, funcionários do partido a fazer trabalho para o partido, e por isso foi condenada pelo Tribunal Europeu ao reembolso de €298,497.87. O pai Jean-Marie Le Pen, e um clã é um clã, foi por seu lado condenado a pagar mais de 320 mil € pelos mesmos motivos. Quem sai aos seus não degenera.  Marine Le Pen foi também apanhada num esquema de falsificação de votações no Parlamento Europeu onde depois de ela se ausentar o seu voto foi usado pelo colega de bancada holandês Marcel de Graaff.

Estes pecadilhos, mesmo assim envolvendo somas consideráveis de dinheiro, são tão graves como a promessa de adjudicação de obras públicas a troco de um favorecimento do partido do governante? Não, nem de perto. Mas podem ser o melhor que se consegue arranjar para um político corrupto que ainda não teve oportunidade de, ocupando funções executivas, subir de divisão para a grande corrupção. São um bom preditor do que fará o ladrão, uma vez lhe seja dada a ocasião.

E isto distingue em alguma coisa populistas de extrema-direita corruptos de políticos do sistema igualmente corruptos  que também usaram dinheiro público para comprar jornais e canais de televisão, e também enriqueceram graças a gorjetas generosas por adjudicações de obras públicas? Não. Como a divisão do poder entre membros de clãs não distingue em nada os clãs de familiares de populistas de extrema-direita dos clãs de familiares, colegas de curso e de partido de políticos que já são do sistema. Como a recusa em fornecer informações a entidades de investigação independentes do executivo não distingue o boicote de Donald Trump às investigações às suas finanças pessoais ou às suas ligações com o governo russo do boicote de António Costa a fornecer às comissões parlamentares de inquérito informações sobre os créditos concedidos a amigos pelas gestões socialistas da CGD. Como a tentativa de capturar o controlo do sistema judicial, que pode facilitar tanto a vida a políticos corruptos, não distingue em nada governos populistas de extrema-direita como o de Viktor Orban de governos de partidos do sistema como o de António Costa. Políticos corruptos são políticos corruptos, qualquer que seja a sua orientação ideológica.

Mas este é justamente o ponto. Quando uma força política populista se afirma através da denúncia da falta de ética dos políticos do sistema, e há muitos com falta de ética, insinuando que têm todos falta de ética, já isto é uma falsidade absoluta, há que olhar muito bem para ela para lhe avaliar os sinais do seu próprio sentido de ética, descontar-lhe o facto de nunca ter sido posta à prova com oportunidades de praticar grande corrupção como eles foram, e perceber se tem um percurso de pequena corrupção, ou de suspeitas, ou de nepotismo, ou de recusa de cooperação com investigações independentes, ou de resistência à separação de poderes. Porque há grandes probabilidades de essa força, se acumular algum destes indícios, ser tão corrupta como os mais corruptos dos que já chegaram antes ao sistema e tiveram a oportunidade de demonstrar que são.

A palavra mais discutível no título não é afinal "populismo" nem "extrema-direita". É "ética".

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 17:05
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Terça-feira, 2 de Outubro de 2018

Um programa económico de governação socialista

De acordo com alguns autores, o melhor que temos na Europa para nos proteger dos socialistas e da sua voragem pelo despesismo eleitoralista e irresponsável que conduz inevitavelmente ao abismo financeiro e do seu fascismo normalizador politicamente correcto são os movimentos, e tenho alguma dificuldade em baptizá-los porque os populistas dizem que não existe populismo, a extrema-direita diz que não há extrema-direita, os nacionalistas dizem que não há nacionalismo, e todos dizem que quem usa esses qualificativos para os designar é socialista ou idiota útil do socialismo, mas chamemos-lhes, sem grandes preocupações de rigor e mesmo que não sejam, apenas por uma questão de dar a entender claramente de quem estamos a falar como se usássemos uma alcunha conhecida em vez do nome verdadeiro que nem toda a gente conhece, populistas de extrema-direita nacionalista.

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Além de tudo o mais, estes populistas da extrema-direita nacionalista vão-nos defender contra a entrada massiva de refugiados muçulmanos, mesmo sendo verdade que em Portugal terão a missão facilitada pelo facto de não haver assim muitos refugiados muçulmanos interessados em refugiar-se cá. Mas a atitude vale, nem que seja pelo simbolismo, e portanto eles vão-nos proteger dos refugiados muçulmanos.

Já o socialismo é um problema de que precisamos mesmo de mais protecção do que temos, de tal modo se anuncia como triunfal o passeio que António Costa parece ter pela frente, de vitória eleitoral anunciada e de canja contra uma direita que parece incapaz de se afirmar como uma alternativa, tanto mais quanto por vezes se parece querer afirmar mais como um complemento, um contrapeso ao complemento bloquista do outro lado da balança, do que como uma alternativa ao socialismo.

Estamos, portanto, condenados a mais 4 anos de socialismo ou menos, se o próximo governo de António Costa conseguir rebentar com isto, por exemplo por acontecer um abrandamento do contexto global de crescimento económico que tem sustentado em Portugal o crescimento e o aparente equilíbrio das contas públicas, antes de completar o seu mandato. E o que podemos esperar do socialismo?

Vamos esquecer as propostas mais radicais que ainda há meia dúzia de anos eram repetidamente defendidas como sensatas, quase um dever para defeder as populações das garras do fascismo financeiro "de Bruxelas", como o repúdio da dívida, ou a saída do Euro, ou mesmo da União Europeia, e atentemos apenas ao que pode ser actualmente um programa económico de governação socialista:

  • O governo deve reduzir a dívida em percentagem do PIB, não através da austeridade que reduz a despesa pública nem dos impostos que aumentam a receita, mas através do crescimento económico.
  • A União Europeia devia rever as regras da estabilidade financeira, por exemplo retirando o investimento público do perímetro cálculo do deficit.
  • As dívidas do governo aos fornecedores devem poder ser pagas em títulos de dívida de curto prazo, mas estes títulos devem ser retirados do perímetro da dívida pública para efeito da verificação das regras comunitárias.
  • Aumento das penas, incluindo penas de prisão para evasão fiscal, mas amnistia fiscal para os contribuintes em dificudades para liquidarem as dívidas ao fisco.
  • Reversão de reduções de pensões e de aumentos da idade de reforma.
  • Possibilidade de aposentação antecipada para que tem carreiras contributivas longas.
  • Cortes nas pensões milionárias.
  • Instituição de rendimento mínimo universal financiado por fundos europeus e sujeito à obrigação de os beneficiários aceitarem pelo menos uma das três primeiras ofertas de emprego que tiverem.
  • Aumento do investimento em agências de emprego para melhorar a colocação de desempregados.
  • Criação de um banco público de investimento para financiar a economia.
  • Reforma do regime de resgate de bancos para castigar os gestores e reguladores e proteger os aforradores e pequenos accionistas.
  • Aligeiramento das regras de prudência na concessão de crédito para não dificultarem a concessão de crédito às pequenas empresas.
  • Impedir a reprivatização de bancos resgatados pelo Estado.
  • Impedir os bancos de executar hipotecas sem decisão judicial prévia.
  • Garantir a aplicação do salário mínimo.
  • Proibir estágios não-remunerados.
  • Relançar a companhia aérea de bandeira como empresa pública e impedir a continuação da privatização do seu capital.
  • Condicionar a continuação em laboração das indústrias poluidoras à minimização dos seus impactes ambientais.
  • Aumentar a severidade da regulamentação à indústria do jogo e dos casinos.

Em resumo, agradar a tudo e a todos com dinheiro caído do céu, de mistura com a vocação para a aldrabice que faz da prestação de contas um exercício de toda a dose desorçamentação de que se é capaz, tudo debaixo de uma capa moralista de defesa dos mais desfavorecidos contra a voragem do capitalismo e da elite financeira e contra o garrote "de Bruxelas".

Isto poderá perfeitamente vir a ser a vertente económica do próximo programa de governo socialista concertado entre o PS costista e o BE, admito que não lhes seja necessário incorporarem as sugestões igualmente socialistas de combate à especulação imobiliária do PSD de Rui Rio, mesmo que este se disponha a colaborar com eles pela defesa do interesse nacional acima do interesse egoísta do partido, por não precisarem dele para nada, e que o velho PCP continue a sua descida no plano inclinado para a irrelevância desde que, ao apoiar o governo costista, prescindiu dos travões que lhe retardavam a descida, por também não precisarem dele para nada. Isto no cenário que hoje em dia parece mais provável de o PS ganhar em 2019 as eleições que perdeu em 2015, sem maioria absoluta mas com capacidade para formar uma maioria absoluta com o apoio parlamentar ou governativo do BE.

E é disto que se espera que os populistas da extrema-direita nacionalista nos consigam proteger.

E como é que eles nos vão proteger do socialismo?

Através de um programa económico de governação populista nacionalista alternativo, de que para não inventar podemos ir buscar, a título de exemplo, o do actual governo italiano:

  • O governo deve reduzir a dívida em percentagem do PIB, não através da austeridade que reduz a despesa pública nem dos impostos que aumentam a receita, mas através do crescimento económico.
  • A União Europeia devia rever as regras da estabilidade financeira, por exemplo retirando o investimento público do perímetro cálculo do deficit.
  • As dívidas do governo aos fornecedores devem poder ser pagas em títulos de dívida de curto prazo, mas estes títulos devem ser retirados do perímetro da dívida pública para efeito da verificação dos limites comunitários.
  • Aumento das penas, incluindo penas de prisão para evasão fiscal, mas amnistia fiscal para os contribuintes em dificudades para liquidarem as dívidas ao fisco.
  • Reversão de reduções de pensões e de aumentos da idade de reforma.
  • Possibilidade de aposentação antecipada para que tem carreiras contributivas longas.
  • Cortes nas pensões milionárias.
  • Instituição de rendimento mínimo universal financiado por fundos europeus e sujeito à obrigação de os beneficiários aceitarem pelo menos uma das três primeiras ofertas de emprego que tiverem.
  • Aumento do investimento em agências de emprego para melhorar a colocação de desempregados.
  • Criação de um banco público de investimento para financiar a economia.
  • Reforma do regime de resgate de bancos para castigar os gestores e reguladores e proteger os aforradores e pequenos accionistas.
  • Aligeiramento das regras de prudência na concessão de crédito para não dificultarem a concessão de crédito às pequenas empresas.
  • Impedir a reprivatização de bancos resgatados pelo Estado.
  • Impedir os bancos de executar hipotecas sem decisão judicial prévia.
  • Garantir a aplicação do salário mínimo.
  • Proibir estágios não-remunerados.
  • Relançar a companhia aérea de bandeira como empresa pública e impedir a continuação da privatização do seu capital.
  • Condicionar a continuação em laboração das indústrias poluidoras à minimização dos seus impactes ambientais.
  • Aumentar a severidade da regulamentação à indústria do jogo e dos casinos.

Em resumo, agradar a tudo e a todos com dinheiro caído do céu, de mistura com a vocação para a aldrabice que faz da prestação de contas um exercício de toda a dose desorçamentação de que se é capaz, tudo debaixo de uma capa moralista de defesa dos mais desfavorecidos contra a voragem do capitalismo e da elite financeira e contra o garrote "de Bruxelas".

É igual ao programa económico de governação socialista? É.

E como é que estão a reagir os mercados a este programa? Como sempre reagem a programas socialistas.

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Se nos vier alguma vez a calhar na rifa vai voltar a ser um passeio dos alegres para novo resgate? Vai.

Mas sem refugiados muçulmanos.

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 12:20
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Quarta-feira, 1 de Fevereiro de 2017

Felizmente ainda há gente adulta na sala

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E o Donald Trump lá ganhou as eleições contra o voto unânime de todos os portugueses jornalistas, comentadores e pessoas politicamente correctas, e de todas as sondagens, mesmo as que eram encomendadas pela sua própria campanha, com a sua agenda populista que prometeu aos americanos make America great again através do proteccionismo que promete reorientar a procura para a produção nacional e criar american jobs, a expulsão de imigrantes que promete reverter o frequente an immigrant is taking my job, e a erradicação de imigrantes e refugiados oriundos de uma lista de países de onde se vai tornando tradição chegarem terroristas islâmicos para cometer atentados, que lhes promete make America safe again.

Essa e outras mais difíceis de perceber, e até de perceber como terão sido aprovadas pelo eleitorado supostamente conservador que o elegeu, como a ameaça de desinvestir na Nato, se bem que o desinvestimento tenha um prémio associado, a redução dos custos americanos para a financiar, o conformismo inédito na história americana com a Rússia, ainda por cima liderada por um facínora que assassina adversários políticos e jornalistas que o investigam e aos amigos e invade ostensivamente países para criar zonas tampão anti-Nato e anti-UE, e a sua substituição pela China como o principal inimigo dos EUA, e o desrespeito e mesmo insulto a heróis de guerra que suscitam nos EUA uma reverância que não tem comparação com a que suscitam na Europa e nem os políticos da geração do flower-power e dos draft-resisters alguma vez ousaram ofender publicamente, como o senador McCain.

Algumas das medidas desta agenda populista, como as políticas anti-imigração e anti-refugiados, não são nada surpreendentes e parecem decalcadas das medidas da agenda da direita populista europeia. Outras são partilhadas pelas agendas populistas da direita e da esquerda, como o proteccionismo ou a preferência pela desagregação da União Europeia. Algumas têm apenas afinidades com as da agenda do populismo de esquerda, como a neutralização da Nato. Na verdade, o populismo não tem lado, é apenas a invenção de explicações simplistas mas credíveis para fenómenos complexos para utilização na política evitando o seu confronto objectivo com os factos para manter intacta a sua credibilidade.

Como populista que é, orientou todo o discurso político para exacerbar emoções, e nesse domínio está a revelar-se completamente à altura das expectativas que criou. Nunca ninguém como ele suscitou tanto repúdio daquilo que se designa por pensamento politicamente correcto, que o vê agredir tudo aquilo que tem procurado impôr a outros e por isso vê nele nada menos que um novo Adolf Hitler, nem tanto entusiasmo que os que deitam o politicamente correcto pelos olhos e vêem nele um libertador da opressão a que os tem conseguido sujeitar crescentemente, e na América citizen é uma palavra neutra e eles nem sequer têm que aturar, como os portugueses, maluquinhos a lutar por substituir cidadão por cidadania no bilhete de identidade. É odiado pelo politicamente correcto, adulado pelos que odeiam o politicamente correcto, e essa batalha está ganha.

E, como populista que é, coloca todo o empenho naquilo que é simbólico, independentemente de depois se vir a revelar eficaz ou não para os objectivos que dão a cada símbolo a força que ele tem. Por isso, a urgência de, logo que tomou posse, desatar a publicar decretos assinados em cerimónia pública que põem em prática as suas promessas eleitorais mais emblemáticas, indicando aos eleitores que é diferente dos políticos que prometem mas não cumprem, como fez para a saída dos EUA do Tratado Trans-Pacífico ou a proibição de entrada nos EUA de nacionais de países exportadores de terroristas. E a utilização do Twitter para anunciar as suas intenções políticas imediatas mas ainda não decretadas, muitas vezes através de ameaças, normalmente relacionadas com o México, que parece ser considerada a grande ameaça ao objectivo prometido de fazer da América grande de novo, como as do recurso às tarifas alfandegárias para atingir as exportações mexicanas, se o México não lhe pagar o muro, ou as empresas americanas ou estrangeiras que têm fábricas de automóveis no México. E esta batalha pelo que é simbólico também parece estar a ser ganha, a fazer fé nos resultados das sondagens que se vão fazendo sobre a taxa de aprovação no eleitorado americano das medidas que tem tomado.

Outra coisa diferente é saber se estas medidas especificamente virão a ser eficazes para resolver os problemas que as justificam?

Proibir a entrada de sírios, de que alguns são terroristas mas outros não, e não proibir a de sauditas, de que também alguns são terroristas mas outros não, e parecem ser os principais instigadores e financiadores do terrorismo internacional na última década ou duas, vai ser eficaz para proteger os americanos do terrorismo? Não sendo perito no assunto, não sei responder, alguns peritos dizem que não, só o futuro o dirá. Mas, no plano emotivo, a medida está ganha, tanto pelos apoios como pelos repúdios que suscita.

Taxar as importações, mexicanas ou de outros países, sendo certo que prejudica seriamente as economias dos países que exportam para os EUA, o proteccionismo fará crescer a economia americana, e o emprego? Toda a história económica do mundo diz que não, mesmo que os populistas de direita e de esquerda prefiram reivindicar que a Economia não é uma ciência mas as suas mezinhas económicas são, e quem na Europa o defende mais são os saudosistas do socialismo que mostrou que não, mas no plano emotivo a medida está ganha, é o cumprimento de uma promessa eleitoral.

E mesmo que estas medidas e outras como elas afectem cidadãos e economias de outros países, elas são legítimas e soberanas, de modo que eles não podem fazer grande coisa para as influenciar, e se cumprem os objectivos que se propõem cumprir de fazer a América grande e segura de novo é problema dos americanos que o elegeram, e não dos outros países. 

Dito isto, o Donald Trump pode prejudicar seriamente os interesses da Europa? Pode, pode prejudicar a economa europeia com o proteccionismo que está a instalar, pode até, no limite, e em função do que vier a ser o seu desinvestimento na Nato, colocar em risco a sobrevivência da Europa face a uma Rússia imperialista, militarmente poderosa e sem qualquer tipo de respeito por mariquices como os direitos humanos ou o direito internacional.

E como está a reagir a Europa a esta ameaça? Manifestando-se contra o Donald Trump.

Manifestando-se contra as ameaças concretas do Donald Trump à economia europeia através da imposição de barreiras alfandegárias e à segurança europeia através da neutralização da Nato que foi essencial para garantir a sua sobrevivência depois da II Guerra, e à sua aposta declarada na desagregação da União Europeia? Não. Manifesta-se contra a ordinarice do Trump a falar de gajas nas conversas privadas de balneário com os amigos, contra a decisão soberana de os EUA determinarem de que países autorizam ou impedem a entrada de cidadãos, e contra a nomeação de juízes anti-aborto para o supremo tribunal. Ou seja, entra completamente no território de discussão para onde o populismo a atrai, limitando-se a discutir as questões simbólicas, que consolidam o populismo, em vez das substanciais, que o podem fragilizar.

Toda a Europa? Não. Felizmente ainda há na Europa quem reflicta, não no que gostaria que acontecesse se as circunstâncias não mudassem, mas no que pode fazer para enfrentar as circunstâncias quando elas mudam.

A Angela Merkel, percebendo bem onde está a ameaça da administração Trump à Europa e aos seus interesses, e respondendo até a ameaças explícitas de imposição de tarifas alfandegárias a empresas alemãs, como a BMW, por terem fábricas no México, e tendo a perfeita noção que uma guerra comercial prejudicará seriamente os interesses da indústria alemã que tem nos EUA o seu maior destino de exportações, independentemente de vir a beneficiar ou prejudicar os interesses americanos, em vez de lamentar ou criticar sem qualquer possibilidade de sucesso as intenções da nova administração americana, reagiu tão rápida e simbolicamente como ele tem actuado, estabelecendo um contacto com o primeiro-ministro Li Kegiang da China, o maior exportador mundial, declarado como o maior inimigo dos EUA pela equipa do Donald Trump, e o quarto maior destino de exportações alemãs, com o objectivo de se reunirem rapidamente numa visita dele à Alemanha para discutirem o aprofundamento das relações comerciais sino-europeias, criando deste modo uma alternativa que permita minorar as consequências para a indústria alemã, e para a indústria chinesa, de uma perda de mercado nos EUA.

Há uma Europa adulta que se adapta às ameaças externas em vez de as lamentar. Infelizmente não mora cá, onde a cultura vigente é usar as ameaças externas, não como o gatilho para as enfrentar, mas como a desculpa para os resultados desastrosos das asneiras que se fazem.

E a questão da segurança europeia? Não é fácil de resolver sem a Nato. O único país europeu realmente poderoso e capaz de declarar e vencer uma guerra quando é necessário é o Reino Unido, que está de brexit. Felizmente, o Reino Unido nunca se confundiu relativamente a quem são os seus amigos e inimigos militares, e nunca andou nem anda de namoro com a Rússia. A China também não namora a Rússia. Se Deus quiser, tudo se há-de resolver...

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 11:11
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Segunda-feira, 12 de Dezembro de 2016

Absolver o ladrão, condenar o polícia

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Convidada a comentar mais um episódio mediático da novela da Caixa Geral dos Depósitos, a ex-ministra das finanças Maria Luís Albuquerque do governo que resgatou Portugal, o estado social e os portugueses da falência e da miséria, afirmou que...

  • "Costa repetiu uma mentira certamente na convicção de que uma mentira repetida muitas vezes passa a ser verdade. Repetiu que o anterior governo ocultou a verdadeira situação do sistema financeiro, incluindo da CGD, para assegurar a saída limpa. Ao fazer uma acusação festa gravidade, mesmo se falsa, não põe em causa apenas anterior governo, mas também administração anterior da CGD (...) e coloca em causa reguladores e supervisores incluindo a DGCom e auditores a quem diz agora que confia"

...e rematou com o sound byte...

  • "António Costa procura desviar atenções da incompetência da sua gestão no processo da Caixa repetindo acusações falsas de forma irresponsável".

Mas a história destes dias não se pode resumir neste sound byte, ainda que seja verdadeiro.

A barragem de revelações sobre supostas ocultações da situação real da CGD durante a legislatura anterior, umas vezes explicadas com o objectivo de "maquilhar uma situação que permitisse anunciar uma saída limpa", mesmo que a saída limpa tenha precedido de um ano a "ocultação" agora revelada, outras com o objectivo eleitoralista de "esconder problemas na CGD antes das eleições", ainda que a "ocultação" agora revelada tenha sido desocultada antes das eleições, outras ainda com a explicação mais sofisticada estatisticamente de a ocultação se limitar a "seguir padrão" [do governo anterior], revelações que suscitam reacções de reflexo condicionado mesmo nas pessoas, que são quase todas, que não percebem os mecanismos de regulação nem se os factos revelados constituem mesmo uma violação dos mesmos, tem obviamente como objectivo circunstancial criar uma barreira de ruído que faça desviar as atenções do público da trapalhada incomensurável que constituiu desde o início a gestão do dossier da CGD pelo governo actual, e que vai continuar a constituir porque, como é notório, o governo ainda não sabe como vai desorçamentar o dinheiro da injecção de capital que anunciou há um ano que era urgente e essencial para a sobrevivência do banco mas que ainda não fez.

Mas, além deste objectivo circunstancial, a campanha tem um objectivo estrutural mais importante.

Exactamente como fez durante a crise mediática dos swaps, que não foi desencadeada quando o governo socialista anterior ordenou a celebração de contratos de swap ruinosos a uma série de empresas públicas, não com o objectivo de cobrir os seus riscos de negócio, a real utilidade dos swaps, mas com o de desorçamentar despesa pública e simular uma execução orçamental que não correspondia à real, que se veio posteriormente a verificar ser várias vezes mais deficitária que a simulada, mas quando o governo que se lhe seguiu teve que gerir à posteriori os danos avultados dessa decisão, a máquina de propaganda socialista está agora em acção com o objectivo claro de centrar a discussão dos problemas da CGD nas questões processuais dos governos que os herdaram, para esconder o que, e quem, os originou, o envolvimento da CGD em negócios ruinosos para cumprir determinações da estratégia de política económica da tutela, na esmagadora maioria deles do mesmo governo socialista anterior.

A crise mediática dos swaps comprovou coisas notáveis e inesperadas, e de grande valor para o exercício do populismo demagógico. A opinião pública, desde que seja bem orientada, desinteressa-se facilmente do roubo em si, no caso da CGD os negócios ruinosos, e do ladrão, no caso da GCD o governo que os encomendou e a gestão que os concretizou, o lado criminal da questão. Desinteressa-se ainda mais da relação entre a circunstência de as empresas (de transportes no caso dos swaps, e a CGD no caso da CGD) serem públicas e por essa condição estarem à disposição da tutela para as forçar a entrar em negócios ruinosos, o lado político da questão. Mas deixa-se enrolar facilmente nos aspectos processuais da contabilização do roubo, no caso da CGD o registo das imparidades, e da tentativa de lhe dar solução, que lhe são servidos em cachão e de modo ininteligível pela comunicação social e o comentariado, que também tendem a não os perceber, pelo que a ininteligibilidade lhes deve ser perdoada, mas sempre com uma sugestão de interpretação que, não percebendo bem o problema, não têm como recusar: a culpa do roubo nunca é do ladrão, é sempre do polícia. O lado contabilístico da questão.

E é assim. Quanto mais atenção se dedicar a discutir quanto tempo esteve o relatório na secretaria de estado antes de ser despachado, e quanto tempo deveria ter demorado a ser despachado, ou sequer de devia ter sido despachado, e qual a importância do relatório para o problema da CGD, menos se dedica a reconhecer que o problema da CGD se resume a um punhado de maus negócios que lhe foram impostos por governos, a esmagadora maioria por governos socialistas, a esmagadora maioria pelo do José Sócrates, de que uma boa parte dos membros que entretanto não foram presos regressaram ao governo actual, e que os de maior dimensão e que cobrem a maior parte do buraco até são do domínio público.

É preciso confessar que o governo e a maioria anteriores têm a sua quota de reponsabilidade neste surto de demagogia por, numa postura institucionalista, se terem dedicado a trabalhar para tentar resolver os problemas que os socialistas lhes tinham deixado, e estes estavam longe de ser os mais graves, em vez de, como este governo e esta maioria fizeram mal entraram em funções, terem colocado um bando de facínoras a denunciar à opinião pública os casos antes de serem denunciados, como ainda estão agora, por terem tentado resolvê-los. Verdade se diga que pode não ser fácil arranjar facínoras do calibre de um João Galamba ou de uma Ana Gomes para o fazer. Mas podiam ter-se esforçado, e estes problemas teriam sido explicados e os seus autores devidamente identificados.

O populismo demagógico que governa e sustenta o governo aprendeu rapidamente a lição. Oxalá a oposição também a aprenda.

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publicado por Manuel Vilarinho Pires às 19:11
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Segunda-feira, 14 de Novembro de 2016

Mais valia estar calado

Retrato_oficial_do_Presidente_Jorge_Sampaio_(2005)

Seria cómico se não fosse trágico ver a lamentar a ascensão dos populismos (de direita) o presidente da república que mais fez pela ascensão do populismo de direita em Portugal, ao ter aceitado nomear um primeiro-ministro não eleito para evitar a chegada ao poder de um primeiro-ministro socialista fraco, e depois de o PS o ter substituído por um candidato mais forte e mais populista, ter dissolvido o parlamento com uma maioria absoluta sólida e estável para vagar o lugar para fazer chegar a primeiro-ministro o segundo primeiro-ministro mais populista da história da democracia portuguesa, sendo que o primeiro, o actual, estagiou no escritório de advogados dele, provavelmente por mérito, ou então por ser amigo de família. Onde, diga-se de passagem, deve ter aprendido as noções sul-americanas de direito que usa na governação, em que publica leis abstractas para resolver casos concretos e legaliza ilegalidades através de leis retroactivas.

De este ter arrastado, aliás, com o encorajamento da vida para além do deficit, Portugal para a falência da economia e do Estado, a circunstância mais fértil para medrarem os populismos de direita com as suas soluções tão assertivas quanto inaptas, que só não tomaram o poder porque não estavam organizados para isso, em Portugal só os populismos de esquerda estão organizados, se bem que não ao ponto de serem capazes de receber o poder, e porque apareceu alguém com lucidez e determinação suficientes para ser capaz de fazer o que devia ser feito no campo da democracia para tirar o país da falência.

E quando, apesar de as forças democráticas que salvaram o país da falência terem ganho as eleições, o poder está de novo entregue ao populismo (de esquerda) que, na mesma linha das soluções tão assertivas quanto inaptas do populismo de direita, afirmou ter para a crise económica e financeira uma solução que demorou pouco a provar que não era solução, e na iminência de essa farsa cair e de abrir de novo o caminho para as soluções do populismo de direita que, por milagre, continua a não estar ainda organizado para fazer esse caminho.

Se temos alguma coisa a agradecer ao presidente Jorge Sampaio, para além de discursos impenetráveis e intermináveis e de artigos de opinião impenetráveis e intermináveis, é ter-nos ajudado a mergulhar nesta crise que não chegou a passar, tudo indica que se está de novo a aprofundar, e pode nunca vir a passar.

Algum dia vamos ter que pedir contas da tragédia socrática a quem nos conduziu a ela. E não foi só o José Sócrates.

PS: Podem ficar tranquilos relativamente à minha sanidade mental, não li o artigo todo.

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 15:46
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Domingo, 25 de Setembro de 2016

As mil famílias mais ricas de Portugal PAGAM impostos

 

Há mitos tão incrustados nas convicções de muitas pessoas que é praticamente impossível erradicá-los, por mais que se desmontem com base em análises objectivas dos factos reais.

Um deles é que a desigualdade em Portugal aumentou entre 2011 e 2014, durante a execução do plano de resgate da troika. Outros, que no restaurante da Assembleia da República se come caviar beluga acompanhado de champanhe francês ao preço da carcaça com manteiga, ou que a fortuna da família do José Sócrates investida em portos seguros ascendia a 385 milhões de euros, e não escudos. Outro ainda, que os mais ricos, ao fugir aos impostos sempre que podem, conseguem não pagar impostos.

Sendo seguro que os mais ricos têm acesso mais facilitado que os mais pobres a formas de mobilidade do dinheiro que permitem abrigá-lo da voracidade do fisco, como por exemplo, receber a título de rendimentos de propriedade intelectual 7.500 euros por mês de honorários por participar num programa televisivo semanal de comentário político, de modo a, não só poder acumulá-los com o salário completo de presidente da câmara com dedicação exclusiva de cerca de 4.500, como poder isentar do IRS metade de uma parte desses rendimentos. E ainda lhes sobrar lata para recitarem tiradas das que se aprendem aos 14 anos para interiorizar a superioridade moral do comunismo, como "de cada um segundo a sua capacidade a cada um segundo a sua necessidade". Fugirem dos impostos? Birds do it, bees do it, even educated fleas do it, e os ricos também o fazem. Mas daí a não pagarem impostos é salto de uma grande audácia.

Mas,

  • "As mil famílias mais ricas de Portugal não pagam impostos",

diz a Catarina, diz a Mariana, as porta-vozes do nacional socialismo, dizem os pastores de opiniões da "Quadratura do Círculo", diz o Galamba, diz o Pedro Nuno Santos, os jovens turcos que o Costa larga às canelas dos neoliberais e do banqueiro alemão, diz o Costa, diz toda a gente que se inspira ou se conforma com o que eles dizem para decidir aquilo que pensa e que diz.

E como é que eles sabem disso?

Porque o disse o antigo director-geral dos impostos José Azevedo Pereira, nomeado para o cargo pelo governo do primeiro-ministro José Sócrates em 2007, e substituído depois de sete anos a gerir discretamente a máquina dos impostos pelo governo do primeiro-ministro Pedro Passos Coelho em 2014, numa entrevista à SIC Notícias em 2015 cheia de insinuações à falta de interesse pela perseguição à evasão fiscal dos seus sucessores e do governo que o libertou das funções.

A partir das afirmações dele na entrevista, uma colunista do Jornal de Negócios fez umas contas de aritmética básica com o discreto título "As 1000 famílias que mandam nisto tudo (e não pagam impostos)", sintetizando que as tais mil famílias pagam apenas 0,5% do total de IRS colectado em vez dos 25% que ele disse que são um benchmark internacional, sem revelar a fonte de informação do benchmark, nem explicar os motivos pelos quais seria de esperar que fosse aplicável a Portugal, e a afirmação ascendeu à condição de axioma, que não necessita de prova para ser provado, e é livremente citada por todos os que pretendem fazer uso dela para as finalidades que só eles saberão, seja para justificar o incremento da tributação de património, a liberalização do acesso do fisco às contas bancárias dos contribuintes, ou mesmo, qual par de cálices de bagaço emborcados de um trago, para ajudar a perder a vergonha de ir buscar a quem acumula dinheiro. É preciso vigiar essa malta! É pois um axioma.

Mas será verdade?

OE 2015 - IRS por escalão.jpg

O quadrozito apresentado acima, retirado do resumo de divulgação do Orçamento de Estado de 2015 publicado pela Direcção Geral do Orçamento, e referente à colecta do IRS em 2012, mostra que as 2.343 famílias mais ricas, as que tiveram rendimentos anuais superiores a 250 mil euros, pagaram 8,4% do total do IRS liquidado, ou 713 milhões de euros. Se, como disse na entrevista o director-geral dos impostos em funções nesse ano, as mil famílias mais ricas apenas pagaram 0,5% do IRS, ou 42,3 milhões de euros, numa média de 42,3 mil euros por família, sobraram para as 1.343 abaixo os restantes 671 milhões de euros cobrados neste grupo de contribuintes, representando uma média de, para arredondar, 500 mil euros por família.

Ora sendo as taxas liberatórias, que descriminam favoravelmente rendimentos como os de capital comparativamente com os de trabalho, de 28%, e 35% quando esses rendimentos estão associados a paraísos fiscais, nenhuma destas 2.343 famílias que declaram mais de 250 mil euros pode pagar menos de 70 mil euros de IRS (mas se o rendimento sujeito à taxa liberatória for de um milhão de euros, o IRS já será de 280 mil), deduzidos dos abatimentos e das despesas de saúde e educação, vá lá, que, por mais que os contribuintes se esforcem, nunca  permitem chegar a 42,3 mil euros. A nenhum deles, quanto mais à média dos mil que declaram mais. E atendendo que as restantes 1.343 famílias são as que ganham menos de entre as 2.343 que ganham mais do que 250 mil euros, ou seja, são as que ganham 250.000, 250.001, 250.010, e por aí fora, até ao limite máximo que as colocaria entre as mil mais ricas, parece que deve haver famílias deste grupo que pagam de IRS o dobro do que ganham. Ou isso, ou as mil famílias que ganham mais do que estas afinal pagam mais do que os míseros 0,5% que o director-geral disse que pagavam, e estes restantes 1.343 pagam em média muito menos que os 500 mil euros?

O director-geral ter-se-á entusiasmado por, depois de sete anos em que exerceu as funções de modo tão discreto, o que é uma virtude, e não um vício, num director-geral da administração pública, sublinhe-se, lhe terem posto uma câmara de televisão e um microfone à frente, e ter-se-á deixado levar por esse entusiasmo para fazer revelações bombásticas? ou terá querido entalar o sucessor e o governo que o substituiu insinuando, com a ajuda de números espectaculares e redondos que ficam no ouvido, que se desinteressaram do combate à evasão fiscal, quem sabe se para beneficiarem os seus melhores amigos ricos? Não se sabe.

O que se sabe é que

  • as mil famílias mais ricas de Portugal pagam mesmo impostos.

E em que é que esta constatação pode influir no debate público sobre estes temas? Em nada. O axioma, ou lugar comum, vai continuar a ser usado indisputado, até porque quem o procurar disputar em público se arrisca a levar com o ónus de duvidar dele por estar do lado dos ricos e da sua ganância de fugirem às obrigações fiscais, e ninguém com mais exposição pública e mediática que meros participantes em blogues simpáticos e analíticos como este vai arriscar o pescoço revelando publicamente as suas dúvidas e apresentando as contas que sustentam as dúvidas e mostram que a asserção é um disparate demagogo e populista.

Podem-se, pois, exibir os ricos no pelourinho e perder a vergonha de se lhes ir ao bolso, porque não pagam impostos. Ao fim e ao cabo, o caminho para o socialismo está inscrito em pedra na nossa Constituição. De cada um segundo a sua capacidade a cada um segundo a sua necessidade.

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 13:46
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