Terça-feira, 6 de Setembro de 2016

Memórias de um burro

2017-06-28 Stiglitz.jpg

Qual das seguintes profecias é da autoria do Nobel da Economia Joseph Stiglitz?

As duas.

Se quiserem saber a opinião real de um Nobel da Economia sobre economia, não lha perguntem, vejam onde é que ele guarda o seu dinheiro. Se ele transferir os seus investimentos pessoais para Portugal e sugerir a saída de Portugal do euro, é porque acredita mesmo naquilo que diz. Se sugerir a saída de Portugal do euro mas mantiver os seus investimentos em praças financeiras sólidas e em moeda forte, é apenas mais um aldrabão a sugerir a cobaias palermas, e se em Portugal não há falta delas? o mergulho no abismo.

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 16:50
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Quinta-feira, 27 de Novembro de 2014

Operação "Mani Pulite" em Portugal

Em 1992, a Itália acordou para um terremoto político, semelhante àquele que nestes dias começou a suceder em Portugal, iniciado por Antonio Di Pietro, e outros magistrados da Procuradoria de Milão. A justificação inicial da ação judicial teve a ver com os financiamentos partidários envolvendo o Partido Socialista Italiano (hoje decomposto noutras forças políticas) mas rapidamente, vários sectores da política, outros partidos, e da economia se viram envolvidos.

A resistência por parte do meio político foi enorme. Falou-se, como em Portugal, no fim do regime. Houve suicídios de políticos, pressões enormes sobre a justiça, lutas mediáticas intestinas e escândalo social sem precedentes.

Foram condenadas, ou chegaram a acordo, 1300 pessoas.

Bettino Craxi, ex-primeiro ministro italiano de 1983 a 1987, (amigo de Mário Soares) foi condenado e escolheu a fuga.

Berlusconi, surgiu no espaço deixado vazio, tendo sido entretanto condenado noutros processos.

Antonio Di Pietro, largou a magistratura e dedicou-se à política. Hoje, é um "pária político" em quem ninguém vota.

A Itália não ficou melhor pela grande operação de limpeza. E dizem alguns italianos, que isso aconteceu, porque o regime soube resistir tão bem que manteve intacta a sua componente corrupta. Terá sido uma purga de alguns, que rapidamente foram substituídos por outros, ainda mais ávidos e perfeitos na esquematização da gestão do interesse partidário e pessoal, usando o Estado.

Sucederá o mesmo, em Portugal?

 

Metade dos arguidos do caso Vistos Gold em preventiva

Ricardo Salgado detido

Sócrates detido

Unidade antifraude do fisco está no BES

 

 

 

publicado por João Pereira da Silva às 16:59
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Domingo, 5 de Janeiro de 2014

Diz o roto ao nú

Beppe Grillo usa o exemplo português na sua campanha de amedrontamento dos italianos:

 

"L’apripista lo fa un Paese dei PIIGS che la Troika tiene sott'occhio: il Portogallo. Il governo lusitano effettuerà un prelievo forzoso dalle pensioni - private e pubbliche - per colmare il deficit di bilancio causato dalla bocciatura della Corte Costituzionale dei tagli delle pensioni dei funzionari pubblici, decisione giunta poco tempo fa. La scelta di una misura alternativa da 388 milioni di euro era necessaria per raggiungere l’obbiettivo del 4% nel rapporto deficit-Pil del 2013, condizione necessaria per lo sblocco della tranche da 2,7 miliardi di euro prevista dal piano di aiuti della "Troika" (Ue, Bce ed Fmi). L’opposizione e i sindacati hanno protestato contro una "misura immorale" che colpisce il potere d’acquisto delle famiglie. Per il momento, si gira intorno all’Italia, ma c’è già chi ha scritto che - oltre alle tasse introdotte dagli ultimi tre governi - lo spettro del prelievo forzoso (magari sui conti correnti, come già accaduto nel 1992) aleggia sull’Italia."

 

Fácil falar de Portugal esquecendo-se de como são feitas as coisas em Itália:

 

"Guerra in Abissinia del 1935 (1,90 lire)

La crisi di Suez del 1956 (14 lire)

Il disastro del Vajont del 1963 (10 lire)

Alluvione di Firenze del 1966 (10 lire)

Terremoto del Belice del 1968 (10 lire)

Terremoto del Friuli del 1976 (99 lire)

Terremoto in Irpinia del 1980 (75 lire)

Missione in Libano del 1983 (205 lire)

Missione in Bosnia del 1996 (22 lire)

Rinnovo del contratto degli autoferrotranvieri del 2004 (0,020 euro, ossia 39 lire)

Decreto Legge 34/11 per il finanziamento della manutenzione e la conservazione dei beni culturali, di enti ed istituzioni culturali (0,0073 Euro)

0,040 Euro per far fronte all'emergenza immigrati dovuta alla crisi libica del 2011, ai sensi della Legge 225/92

0,0089 per far fronte all'alluvione in Liguria ed in Toscana del novembre 2011

0,112 Euro sul diesel e 0,082 Euro per la benzina in seguito al Decreto Legge 6 dicembre 2011 n. 201 «Disposizioni urgenti per la crescita, l'equità e il consolidamento dei conti pubblici» del governo Monti.

MA non finisce qui: perché come spesso accade in Italia – abbiamo una tassa sulla tassa. Su questi 25 centesimi di euro infatti, sommati alla vera e propria imposta di fabbricazione (definita per decreti ministeriali), viene aggiunta pure l’Iva del 20%."

 

Acima, elenco das "accise" sobre os combustíveis. Montantes pagos por todos quantos compram os combustíveis mais caros da Europa e que servem para financiar eventos únicos, desastres naturais ou crises económicas. A primeira, como podem ver é relativa à Guerra da Abissínia de 1935. Sobre todas as "accise" é calculado e pago o IVA a 22% e não a 20 como diz Grillo.

 

 

 

 

publicado por João Pereira da Silva às 07:36
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Terça-feira, 15 de Outubro de 2013

Portugueses em Angola

Que pensarão os cidadãos portugueses emigrados em Angola que fugiram ao caos instalado em Portugal, sobre as recentes notícias relativas ao estado das relações diplomáticas? Como se sentirão, esses que lutam por si e pelas suas famílias, enviando para Portugal, com certeza, o que sobra do seu esforço numa terra muito dura, onde trabalhar é muito, muito difícil?

 

Eu sei o que pensaria se estivesse a dar no duro para enviar receitas para a mãe-pátria: aqueles gajos em Portugal são uns cretinos.

 

Obrigado Machete. 

publicado por João Pereira da Silva às 17:23
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Segunda-feira, 7 de Outubro de 2013

Onde está?

A racionalidade?

 

Há anos que leio razões bem explícitas sobre a situação portuguesa. Tudo muito bem compreendido e explicado e... nada. A "realidade" da política, dos jogos, da turba que pressiona, comenta e vota é tudo menos racional. Este post (um pouco longo, desculpem) sintetiza bem o momento e bate no fundo da questão, mas o problema, o problema de sempre, é que Portugal não avança pela razão. Avança pelo pontapé que a "realidade verdadeira" dá nos fundilhos dos desesperados. Valha-nos o sistema euro para disciplinar, porque de razão, de autonomia de pensamento, estamos/somos muito carentes. Desde Camilo que é claro, Eça também desesperou, Pessoa passou-se, Almada desprezou, e já antes, muitos portugueses desistiram e emigraram porque não foram capazes de suportar a mole da política e o povo que a sustenta. 

 

O pontapé faz avançar meio passo. Podia ser diferente. Devia. 

publicado por João Pereira da Silva às 19:20
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Sábado, 28 de Setembro de 2013

Nove dias de cinema

 

 

Pendurados na bilheteira de Jean Reno, com base numa história de Peyo, e por razões certamente alheias ao preço da mão-de-obra, vieram para Lisboa fazer um filme francês. Era preciso conceber um pedaço de uma cidade imaginária, situada na década de 60, e para isso foi constituida uma equipa de portugueses seleccionada de acordo com os critérios mais exigentes. O cérebro foi importado de uma estrela francesa da "direcção de arte", com pergaminhos muito apregoados naquele escritório: dizia-se que era autor dos cenários de "Paris, Texas", e de "mais uma data de merdas do Wim Wenders e bué cenas em Hollywood". Procurei. Os registos mais conhecidos do cinema, estou convencida que por inveja, não mencionam o seu inestimável contributo a "Paris, Texas". E a fita "Chocolat", que consta efectivamente do seu currículo, não é a de Lasse Hallström mas sim uma irrelevância que, suponho, terá sido muito apreciada nos Camarões.

 

Para traduzir as ideias do artista francês, e estabelecer a ligação com o resto da equipa, foi contratado um perito português licenciado em "arquitectura de cena" (por uma universidade de Barcelona, que isto fique bem claro). Não sabia falar francês, estava convencido que sabia falar inglês, e na realidade engrolava uma espécie de língua muito parecida com o português. Por motivos que permanecem misteriosos escolhia sistematicamente o francês para comunicar com o artista, o que resultava em "diálogos" sempre festivos: quando "conversavam", as mensagens eram lançadas no éter como fogo de artifício, seguindo trajectórias imprevistas que explodiam em pontos aleatórios do open-space, e caindo em abundantes instruções de luz colorida sobre todos os membros da equipa.

 

O perito de cenas nunca era apanhado desprevenido e concordava em todas as subtilezas, particularmente quando o artista olhava para os desenhos com pânico e dizia do "trabalho" que estava "incroyable". Chamava-lhe Thierry quando se dirigia a ele, prontificando-se a proceder a todas as alterações necessárias para que os seus desejos fossem satisfeitos. Chamava-lhe "aquele cabrão" ou "a puta da francesa", quando se referia a ele na sua ausência. De resto, as ausências não eram um exclusivo do artista, mas sim uma circunstância que se aplicava com frequência à maioria dos colaboradores daquele grupo luminoso. Sempre com justificações tão esmagadoras como "dar um salto ao plateau", ou "ir buscar a menina ao infantário".

 

Subordinada a este perito, cabia-me receber uns desenhos rudimentares das fachadas que "criava", uma a uma, "orientado" pelo artista, na absoluta escuridão quanto ao que seria (e o que se pretendia que fosse) o efeito do conjunto. Esperava-se de mim que as interpretasse e, sobretudo, que as dimensionasse e transformasse em edifícios visualmente credíveis e materialmente praticáveis: entre outros objectivos, era suposto que os actores pudessem entrar e saír deles. Corrigidos alguns erros sem grande importância (ninguém está livre de os cometer, não é assim?), que raramente iam além de pisos com pé-direito de 1,20 m (quem os não faz?), ou vigas que atravessavam as portas das boutiques a 1,60 m de altura (caramba, não vamos ser caprichosos pois não?), os desenhos deveriam ser entregues aos carpinteiros para que os construíssem em MDF (uma espécie de aglomerado de madeira). Vários "edifícios" destes foram construídos e rejeitados, sujeitos a novos orçamentos e aprovados pelos próprios, para desespero da Produção cujas contas todas as semanas sofriam um novo estoiro.

 

Na verdade, estoirar as contas era a missão em que todos se aplicavam com mais zelo. A começar na atitude de optimismo e humildade com que aceitavam as críticas ao seu trabalho: "O paneleiro não gostou? Epá, tranquilo. Eu cá trabalho à hora". Com espírito de admirável responsabilidade, aproveitavam para trabalhar todas as horas em que não tinham mais nada que fazer. E se, por efeito de uma qualquer circunstância de excepção que não acontecia mais do que três vezes por semana, essas horas não fossem suficientes, eles mesmos se encarregavam de contratar novos elementos para a equipa. Estas contratações multiplicavam-se nas folhas da contabilidade, e todos os sábados apareciam nomes surpreendentes na coluna dos honorários. Quando a fúria da directora de produção a estimulava a descer as escadas e oferecer ao povo uma porção do seu pensamento, cerimónia acompanhada de adjectivos criteriosamente adequados e uma banda sonora de pastas batidas em cima da mesa, o povo reagia com a fleuma própria dos melhores cavalheiros. "Então, o que é que aconteceu?", perguntava um recém chegado do café, que só tinha assistido aos últimos acordes. "Nada, pá, esquece". E a manhã continuava imperturbada - portuguesa e absorta na sua pacatez habitual.

 

Aos almoços, o menu de conversas tinha três possibilidades: borracheiras, coca, e jogos electrónicos. Excepto um dia em que o perito de cenas verteu sobre o grupo uma teoria cósmica de elevada complexidade, segundo a qual "tudo no universo, desde o maior sistema à mais ínfima partícula, movimenta-se à velocidade da luz", especificando que "um gajo é feito de partículas, tanto um português como um chinês, e por isso hoje estás aqui e de repente - zás". A seguir concedeu à plateia uns segundos para absorver aquela extraordinária revelação, e o remate chegou depois de uns golos de vinho verde do jarro: "De maneira que isto é como a tolerância - as coisas são como são".

 

Satisfeitos de entremeada e de mundividências, o cortejo de meditabundos pensadores regressava ao escritório (nunca depois de duas horas e meia de intervalo) para seguir questionando os grandes paradoxos da humanidade: "E quando um gajo, no dia seguinte, ainda está cheio daquela merda?", e observava o careca: "Ui, até chamo pela minha mãezinha!", e o das calças descaídas: "O franciú ontem à noite até chiou!", e vai o das pulseiras: "Isso foi a levar no cu!" (gargalhadas). Durava até que o artista regressava do almoço dele (que nunca excedia as três horas e meia), e por vezes prolongava-se mesmo na sua presença (se bem que com alguma melancolia porque o senhor, não falando português, mostrava relutância em participar). Nunca cheguei a perceber porque é que, na sequência de um desabafo em surdina no qual identifiquei repetidamente a palavra "incroyable", o artista apresentou a sua demissão. Mas sei que o período de demissão, que deixou a equipa em estado de grande perplexidade e provocou muitas reuniões, não durou muito tempo: antes das 5 da tarde já estava outra vez na liderança daquela selecção de génios. Vozes maldosas sugeriram que o salário do artista tinha duplicado, o que não estou em condições de confirmar. Mas ouvi dizer que também ele estava contratado "à semana".

 

Certa vez foi superiormente decidido conceber um edifício "neo-clássico" para fazer o papel de Mairie. Decorridos os habituais rabiscos, tiradas as medidas ao espaço disponível, e ponderadas (digamos assim) as desejáveis proporções, o perito de cenas entregou-me o desenho da fachada para eu proceder à necessária interpretação. Posso garantir que nunca tinha visto nada mais espantoso. Tratava-se de um objecto com dois pisos, ambos com pé-direito generoso como convém a um edifício público. O piso superior era consideravelmente mais alto que o piso térreo, num rasgo de liberdade e ousadia que contrariava todas as regras da hierarquização de fachadas da arquitectura clássica. Simétrico, definia-se por uma superfície plana à qual tinha sido encostado um pórtico de quatro colunas. Ao nível da rua, três arcos de volta perfeita davam acesso a um plano recuado com três portas rectangulares. A marcar a divisão entre os pisos, e atravessando as colunas, estava prevista uma viga de dimensões triunfantes. O conjunto rematava num frontão que dava umas curvas e assentava noutra viga, mais estreita que a primeira. E, num gesto de insuperável segurança estética, o frontão não chegava a apoiar-se nas duas colunas das extremidades: estas colunas não sustentavam mais do que a ligeiríssima instrução do autor. Atarracado, pesadão, de pernas curtas e cabeça pequena, tronco espesso e barriga apertada por uma cinta de forças, o edifício "neo-clássico" da Mairie parecia um halterofilista búlgaro.

 

As semanas sucediam-se e os adiamentos compensavam os "imponderáveis" do processo "criativo". As instalações alugadas para filmar esperavam cenários que não apareciam. No dia em que "a Produção" se enervou com os preços que esta fita estava a atingir, a directora voltou a descer as escadas, mas desta vez falou francês. Nessa tarde o artista despediu a equipa inteira - excepto o perito de cenas.

 

publicado por Margarida Bentes Penedo às 21:13
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Sábado, 13 de Abril de 2013

Do sofrimento humano e da sua necessidade


A Letónia, que em 2008 iniciou um processo de ajustamento, vulgo austeridade, duríssimo, em 2013, já recuperou a economia aos níveis de 2008 e o futuro sorri. Diferença face ao nosso ajustamento, diga-se austeridade? Eles decidiram não tomar o caminho fácil de contemporizar com as falências da banca e proteger os sectores cancerígenos. Em suma, decidiram "bite the bullet" com força e aguentar um período mais curto de dor aguda e sanearam efectivamente a economia.

Em Portugal, optou-se pela via do aumento dos impostos, pela protecção de bancos falidos, pela negociação de condições de trabalho e salários com a função pública mantendo-lhe os privilégios e regime de excepção, não se reformou a administração pública e a administração local, não se privatizou o prometido, enfim, escolheu-se, ou os partidos foram incapazes de fazer diferente, uma austeridade ou ajustamento versão lusa, mansa e suave que se arrisca ser "para inglês ver" se o segundo resgate aterrar em Lisboa e for preciso um período ainda mais longo de ajustamento. 

Passados dois anos, com a deterioração profunda da situação económica, com o défice de estado ainda não controlado, com a dívida pública em níveis recordes, temos ainda pouco para mostrar de ajustamento feito. O balanço destes últimos dois anos? Ainda é cedo e não sou economista suficiente para o fazer bem, mas parece-me que ao escolhermos a versão soft cometemos o erro que pode ser fatal, de não ajustarmos o suficiente para nos conseguirmos manter no euro sem sermos mais uma região coitadinha, pobrezinha e dependente da solidariedade europeia. 

Em breve a realidade se encarregará de invalidar qualquer balanço se aterrarem de novo os senhores troikanos no Terreiro do Paço com mais medidas draconianas segundo o novo template cipriota (muito mais duro).

Leiam este artigo de Carlos Guimarães Pinto para entender melhor o que é uma má recessão. Realço o que ele diz a certa altura sobre o "sofrimento humano" que tudo isto implica. Em Portugal arriscamos ter feito sofrer muita gente, inutilmente.

publicado por João Pereira da Silva às 15:04
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Sexta-feira, 26 de Outubro de 2012

Para mais tarde recordar.



"Duas jovens designers portuguesas, Rita Trindade e Sara Gracioso, decidiram criar um arquivo digital da vida dos portugueses no século XX.The Portrait ID.
O arquivo está organizado por décadas e as fotografias mais recentes – sobretudo, as dos fabulosamente bimbos anos 70 – são as que nos parecem mais risíveis ou anacrónicas. Porque mais próximas de nós. As outras, as mais antigas, já não nos pertencem, 
não somos nós. O arquivo recebe imagens dos leitores, mas não tem a pretensão à la Borgesde se tornar uma enciclopédia infindável da portugalidade. Nem é preciso. Há lá imagens que resumem um universo inteiro. A people's history, um género em voga. (...)
Nestas fotografias, ao invés, nada há de inautêntico, excepto a pose de felicidade. E, mais do que isso, quem retratava e quem era retratado não queria passar por ingénuo. O tempo é que conferiu este atributo de ingenuidade. As pessoas e as situações parecem (e são)  datadas porque a vida é breve e a felicidade fugaz. E é justamente por isso que a queremos fotografar;  para a resgatarmos da finitude certa. Para mais tarde recordar...., como dizia o anúncio. É também grande o desejo de deixarmos uma marca qualquer neste mundo. Alguma coisa queremos deixar por cá. As polaroids esmaecidas são a versão contemporânea das pinturas de Lascaux. Estes que ali vemos mostraram isto, deixaram estes sinais, os seus, pessoalíssimos. Tudo muito simples, nada de complicações ou teorizações. Esta gente nasceu, cresceu, provavelmente fez sexo regular e pagou impostos nas datas previstas. Almoçou a horas, teve febres altas, digestões difíceis, levou profissão e ofício, netos dos filhos. Depois, foi à sua morte. The Portrait ID, um comovente acervo da nossa vulgaridade." 


Retirado do (sempre muito bom) Malomil.

publicado por Ana Rita Bessa às 10:45
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Sábado, 14 de Abril de 2012

Clássicos do Gremlin: "Cobrar o imposto e fazer o empréstimo"

 

«- Então, Cohen, diga-nos você, conte-nos cá... O empréstimo faz-se ou não se faz?

 

E acirrou a curiosidade, dizendo para os lados que aquela questão do empréstimo era grave. Uma operação tremeda, um verdadeiro episódio histórico!...

 

O Cohen colocou uma pitada de sal à beira do prato, e respondeu, com autoridade, que o empréstimo tinha de se realizar absolutamente. Os empréstimos em Portugal constituiam hoje uma das fontes de receita, tão regular, tão indispensável, tão sabida como o imposto. A única ocupação mesmo dos ministérios era esta - cobrar o imposto e fazer o empréstimo. E assim se havia de continuar...

 

Carlos não entendia de finanças: mas parecia-lhe que, desse modo, o País ia alegremente e lindamente para a bancarrota.

 

- Num galopezinho muito seguro e muito a direito - disse o Cohen, sorrindo. - Ah, sobre isso ninguém tem ilusões, meu caro senhor. Nem os próprios ministros da Fazenda!... A bancarrota é inevitável: é como quem faz uma soma...

 

Ega mostrou-se impressionado. Olha que brincadeira, hem? E todos escutavam o Cohen. Ega, depois de lhe encher o cálice de novo, fincara os cotovelos na mesa para lhe beber melhor as palavras.

 

- A bancarrota é tão certa, as coisas estão tão dispostas para ela - continuava o Cohen - que seria mesmo fácil a qualquer, em dois ou três anos, fazer falir o País...

 

Ega gritou sofregamente pela receita. Simplesmente isto: manter uma agitação revolucionária constante; nas vésperas de se lançarem os empréstimos haver duzentos maganões decididos que caíssem à pancada na municipal e quebrassem os candeeiros com vivas à república; telegrafar isto em letras bem gordas para os jornais de Paris, de Londres e do Rio de Janeiro; assustar os mercados, assustar o brasileiro, e a bancarrota estalava. Somente, como ele disse, isto não convinha a ninguém.

 

Então Ega protestou com veemência. Como não convinha a ninguém? Ora essa! Era justamente o que convinha a todos!... À bancarrota seguia-se uma revolução, evidentemente. Um país que vive da inscrição, em não lha pagando, agarra no cacete; e procedendo por princípio, ou procedendo apenas por vingança - o primeiro cuidado que tem é varrer a monarquia que lhe representa o calote, e com ela o crasso pessoal do constitucionalismo. E passada a crise, Portugal, livre da velha dívida, da velha gente, dessa colecção grotesca de bestas...

 

A voz de Ega sibilava... Mas vendo assim tratados de grotescos, de bestas, os homens de ordem que fazem prosperar os bancos, Cohen pousou a mão no braço do seu amigo e chamou-o ao bom senso. Evidentemente, ele era o primeiro a dizê-lo, em toda essa gente que figurava desde 46 havia medíocres e patetas - mas também homens de grande valor!

 

- Há talento, há saber - dizia ele com um tom de experiência. - Você deve reconhecê-lo, Ega... Você é muito exagerado! Não senhor, há talento, há saber.

 

E, lembrando-se que algumas dessas bestas eram amigos do Cohen, Ega reconheceu-lhes talento e saber. O Alencar, porém, cofiava sobriamente o bigode. Ultimamente pendia para ideias radicais, para a democracia humanitária de 1848: por instinto, vendo o romantismo desacreditado nas letras, refugiava-se no romantismo político, como num asilo paralelo: queria uma república governada por génios, a fraternização dos povos, os Estados Unidos da Europa... Além disso, tinha longas queixas desses politiquetes, agora gente do Poder, outrora seus camaradas de redacção, de café e de batota...

 

- Isso - disse ele - lá a respeito de talento e de saber, histórias... Eu conheço-os bem, meu Cohen...

 

O Cohen acudiu:

 

- Não senhor, Alencar, não senhor! Você também é dos tais... Até lhe fica mal dizer isso... É exageração. Não senhor, há talento, há saber.

 

E o Alencar, perante esta intimação do Cohen, o respeitado director do Banco Nacional, o marido da divina Raquel, o dono dessa hospitaleira casa da Rua do Ferragial onde se jantava tão bem, recalcou o despeito - admitiu que não deixava de haver talento e saber.

 

Então, tendo assim, pela influência do seu banco, dos belos olhos da sua mulher e da excelência do seu cozinheiro, chamado estes espíritos rebeldes ao respeito dos parlamentares e à veneração da ordem, Cohen condescendeu em dizer, no tom mais suave da sua voz, que o País necessitava reformas...

 

Ega, porém, incorrigível nesse dia, soltou outra enormidade:

 

- Portugal não necessita reformas, Cohen, Portugal o que precisa é a invasão espanhola.

 

Alencar, patriota à antiga, indignou-se. O Cohen, com aquele sorriso indulgente de homem superior que lhe mostrava os bonitos dentes, viu ali apenas "um dos paradoxos do nosso Ega". Mas o Ega falava com seriedade, cheio de razões. Evidentemente, dizia ele, invasão não significa perda absoluta de independência. Um receio tão estúpido é digno só de uma sociedade tão estúpida como a do Primeiro de Dezembro. Não havia exemplo de seis milhões de habitantes serem engolidos, de um só trago, por um país que tem apenas quinze milhões de homens. Depois ninguém consentiria em deixar cair nas mãos de Espanha, nação militar e marítima, esta bela linha de costa de Portugal. Sem contar as alianças que teríamos, a troco das colónias - das colónias que só nos servem, como a prata de família aos morgados arruinados, para ir empenhando em casos de crise... Não havia perigo; o que nos aconteceria, dada uma invasão, num momento da guerra europeia, seria levarmos uma sova tremenda, pagarmos uma grossa indemnização, perdermos uma ou duas províncias, ver talvez a Galiza estendida até ao Douro...

 

- Poulet aux champignons - murmurou o criado, apresentando-lhe a travessa.

 

E enquanto ele se servia, perguntavam-lhe dos lados onde via ele a salvação do País, nessa catástrofe que tornaria povoação espanhola Celorico de Basto, a nobre Celorico, berço de heróis, berço dos Egas...

 

- Nisto: no ressuscitar do espírito público e do génio português! Sovados, humilhados, arrasados, escalavrados, tínhamos que fazer um esforço desesperado para viver. E em que bela situação nos achávamos! Sem monarquia, sem essa caterva de políticos, sem esse tortulho da inscrição, porque tudo desaparecia, estávamos novos em folha, limpos, escarolados, como se nunca tivessemos servido. E recomeçava-se uma história nova, um outro Portugal, um Portugal sério e inteligente, forte e decente, estudando, pensando, fazendo civilização como outrora... Meninos, nada regenera uma nação como uma medonha tareia... Oh Deus de Ourique, manda-nos o castelhano! E você, Cohen, passe-me o st. emilion

 

(Eça de Queiroz, in "Os Maias")

 

publicado por Margarida Bentes Penedo às 19:45
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