Se houvesse dúvidas, e é sempre positivo que haja dúvidas, porque são as dúvidas dos lúcidos, e não as certezas dos idiotas, que fazem avançar o mundo, não há razão para continuar a haver.
Os partidos de esquerda não lutam por os serviços públicos do Estado Social serem prestados preferecial, ou maioritária, ou mesmo exclusivamente, pelo Estado ou por empresas públicas para assegurar a sua disponibilização aos utentes. Sem beliscar a existência do Estado Social, e pelo contrário, reforçando a sua sustentabilidade, os serviços públicos podem ser assegurados por quem os conseguir prestar com a qualidade requerida pelo menor custo, e na esmagadora maioria dos casos o sector privado é capaz de o conseguir.
Lutam por esse monopólio para assegurar que, quando governam, os serviços lhes são prestados a eles em detrimento dos utentes.
E, quando os utentes lhes permitem fazê-lo, merecem os serviços públicos degradados que a esquerda lhes disponibiliza. Se o comboio do Partido Socialista passar, o António Costa merece governar o povo conformista que o tolera, e o povo conformista merece ser governado por ele.
Isto são os restos mortais de um telemóvel que a minha mulher adorou e cuja história dava um filme.
É, ou era, uma vez que já faleceu há muitos anos, um Nokia 8210, um telemóvel tão pequenino, e na época a moda nos telemóveis era a miniaturização, como compacto e robusto, podia cair ao chão e saltarem-lhe as tampas e a bateria, que logo que se voltassem a juntar funcionava perfeitamente, e corria o software Nokia, que na época, para quem se interessava pela comparação das qualidades dos telemóveis, era o melhor.
O filme começou numa tarde em que deixou o telemóvel dentro do carro estacionado ao lado das Amoreiras e, quando regressou ao carro, tinha sido furtado pelo método da quebra isolada de vidros.
Telefonou-me para o escritório a noticiar a tragédia e eu tratei de imediato de iniciar uma investigação ao caso. O site da Vodafone, ela era cliente da Vodafone, disponibilizava muito rapidamente o registo das chamadas efectuadas, e fui consultar se o telefone tinha efectuado alguma chamada com o cartão dela depois de lhe ter sido roubado. Tinha duas para o mesmo número. Configurei o meu telefone para fazer uma chamada anónima e liguei para esse número. Atendeu-me uma voz feminina, mas não demasiado, que ao meu silêncio retorquiu dizendo "Caralho, ligam para uma gaja e não dizem nada!", após o que me dei por satisfeito com a informação recolhida e desliguei. Tinha percebido logo que não era gente de bem. Pelo que aconselhei a minha mulher a apresentar queixa na PSP incluindo a informação sobre as chamadas feitas pelo alegado gatuno, que ela fez prontamente.
Lá teve que se lhe comprar outro Nokia, já não me lembro qual, mas ela não teria aceitado outro de outra marca qualquer, e a vida continuou a correr.
Até que uns bons meses depois, talvez mais de um ano, recebemos a carta que esperávamos da PSP, a tradicional comunicação de que "por falta de prova o caso foi arquivado, bla bla bla, bla bla bla, bla bla bla...". Mas, surpreendentemente, a carta não dizia isso, mas que o telemóvel tinha sido recuperado e que podia ser levantado na Divisão de Investigação Criminal da esquadra da PSP não me lembro qual.
Por razões que já não me recordo fui com ela levantar o telemóvel recuperado, e questionei o agente que o devolveu, daqueles que não trabalham fardados mas andam de roupa normal a arriscar a segurança e mesmo a vida pela segurança dos cidadãos como eu, sobre o método que seguiam para conseguir encontrar telemóveis roubados, explicação que ele me deu:
Nada de inexequível nem excessivamente complicado nem time consuming relativamente ao valor que a diligência permitia recuperar.
O filme não teve, no entanto, o final feliz que podem estar a imaginar. Apesar de adorar o telemóvel mais do que o sucessor ela não o conseguiu utilizar vindo soubesse-se lá de onde e usado por quem? sem pelo menos lhe mudar as capas, já não conseguimos encontrar à venda capas originais da Nokia mas apenas capas de marca branca e ajustamento sofrível numa loja do chinês, que são as que se vêem na fotografia, e aquela chama não foi imortal e apagou-se. Não o voltou a usar.
Ao longo do tempo mais telemóveis nos foram roubados, essencialmente aos filhos na fase da juventude em que já têm idade para exigir telemóvel mas ainda não têm corpo para dominar um assaltante ou um grupo deles, e cheguei a acompanhá-los à tal Divisão de Investigação Criminal e até à Polícia Judiciária para ver se conseguiam reconhecer os assaltantes naquelas cadernetas de cromos de assaltantes referenciados que a PJ tem, mas nunca mais nenhum foi recuperado. O postalzinho da PSP ou do Ministério Público passou a ser sempre o da ordem, "por falta de prova o caso foi arquivado, bla bla bla, bla bla bla, bla bla bla...".
E no entanto até teria sido simples recuperá-los, bastanto para tal a tramitação que me foi explicada e descrevi acima. Eu percebo que os orgãos de investigação criminal têm coisas mais importantes para resolver no tempo que têm disponível do que roubos de telemóveis a adolescentes, e nunca ambicionei que prescindissem de investigar um crime de violência doméstica ou de corrupção para recuperar um telemóvel aos meus filhos. Mas é um bocado frustante ter a noção que a recuperação teria sido possível e até simples, até porque a opção sistemática por não investigar um determinado tipo de crime constitui uma Via Verde para os criminosos, que assim o podem cometer com garantia de impunidade, enquanto ao contrário a percepção que determinado tipo de crime é regularmente resolvido constitui um poderoso desincentivo à sua prática. Do modo como as coisas ocorrem, era igual o código penal isentar explicitamente da definição de roubo o roubo de telemóveis.
E é tão mais frustante quanto eu mesmo, que nunca disparei uma arma de fogo nem frequentei cursos de andar à porrada nem fazer condução defensiva, em suma, seria uma desgraça como polícia, seria capaz de resolver estes crimes, solicitando às operadoras a informação sobre os cartões de chamadas usados no meu telemóvel, à SIBS sobre os cartões bancários usados para os recarregar, e ao banco emissor a identidade do titular.
Podia, mas elas não me responderiam. Porque só respondem aos orgãos de investigação criminal e a pedidos devidamente autorizados pelas autoridades judiciais. O monopólio do Estado na investigação criminal associado à opção legítima num contexto de escassez de meios dos orgãos de investigação de não investigarem determinado tipo de crimes menores resulta na impunidade garantida dos criminosos que os cometem.
E a investigação criminal poderia ser exercida por outros que não os orgãos de investigação criminal, por privados?
Os sindicatos diriam que não, que seria um atentado aos direitos dos cidadãos entregá-los nas mãos de privados incompetentes para assegurarem com qualidade o serviço público prestado pelos orgãos públicos de investigação criminal. No que teriam toda a razão, com a insignificante excepção dos casos em que os orgãos públicos optam por não prestar esse serviço e, quando não o prestam, mais ninguém o pode prestar.
Aquela esquerda que nos protege mesmo quando não lhe pedimos das terríveis ameaças aos nossos direitos civis constituídas pelas democracias liberais, a que compara a Espanha que deteve independentistas por desobediência a um tribunal à Turquia que dizima populações no Curdistão, também a que detesta a bófia para ir direito ao assunto, ou a videovigilância para dar um exemplo, diria que não por atentar contra o direito à privacidade e a mais alguns direitos dos gatunos.
Os dirigentes dos orgãos de investigação criminal e das magistraturas diriam que não, porque são eles que detêm o monopólio e prescindem de concorrência nos seus quintais.
E os ladrões, se lhes perguntassem, também diriam que não, mal por mal mais vale deixar sossegado.
Eu não me ralava nada mas, reconhecendo que estou em minoria absoluta, tenho que ter paciência. Não se fala mais nisso e fica o assunto resolvido!
Parafraseando a Rainha Isabel, "Give me three good reasons why CGD should be a government owned bank".
Eu consigo, de memória, enumerar uma série de razões para manter a Caixa Geral dos Depósitos como um banco público. Mas serão boas razões? Vamoláver.
A razão seria inegavelmente boa, em democracia, se fosse verdadeira. Se todos querem, deve ser assim. Só que não é verdadeira. Há pelo menos um português que fica feliz da vida se a CGD continuar a ser um banco forte, admitindo que actualmente é forte, o que pode estar longe de estar provado, lhe é mais ou menos indiferente que seja portuguesa ou não, mas admitamos que no contexto da selecção a bater-se pelo Euro 2016 o brio nacionalista até o sensibiliza para a preferir portuguesa, mais por afecto do que por razão, e prefere declaradamente que não continue a ser uma instituição pública. Eu. E, como eu, tenho a impressão que há mais. Em resumo, não são todos.
Esta razão também parece boa, puxa pelo brio dos portugueses, pela auto-estima que tanta falta lhes dizem que lhes faz. Mas, infelizmente, é falsa. Há evidência empírica que sustenta que há países que são mesmo "países" que não têm bancos públicos, como por exemplo os Estados Unidos da América. Para não falar na evidência que todos os países "de opereta" os têm, pelo que não é a existência de um banco público que nos garante termos um "país", nem é garantido que hoje em dia o tenhamos, apesar do banco público.
Está bem visto. Os contribuintes são chamados a financiar, em menor (BES) ou maior (BPN, Banif) grau, o resgate de bancos cuja falência poderia implicar o risco de desencadear uma hecatombe na economia nacional, e, do mal o menos, antes gastem o dinheiro do resgate em bancos públicos que, quando o negócio lhes corre bem, pagam dividendos ao Estado. Só que, azar dos azares, o balanço entre os dividendos pagos pela CGD ao Estado e o dinheiro que a CGD recebeu ou receberá a breve prazo através de injecções de capital ou pela alienação de activos desde o início do século XXI é deficitário em mais de um milhão de euros por dia. E já lá vão muitos dias.
A banca é uma indústria altamente concentrada com um número muito reduzido de instituições de grande dimensão e poder negocial, que servem milhões de pequenos clientes sem nenhum poder negocial, condição que, qualquer almanaque de micro-economia esclarece, propicia a formação de cartéis no seio dos quais as instituições prescindem de concorrer entre si à custa da exploração dos consumidores (lá está a minha faceta de esquerda) mas também do crescimento económico (e aqui, a minha faceta neoliberal), por exemplo, concertando preços. Claro que a CGD é muito útil para quebrar eventuais concertações entre os bancos para, por exemplo, cobrarem comissões aos pequenos depositantes. Azar dos azares, uma prospecção de mercado recente para abrir uma conta para um pequeno condomínio revelou-me que a CGD, não apenas não é o banco que impõe aos pequenos depositantes tarifas mais baixas, como é exactamente o que lhes impõe tarifas mais altas. Lá se vai a minha ambição de banqueiro de esquerda...
Esta razão parece apelativa, quem não quer ter um parceiro para ajudar o governo no desenvolvimento da economia? Eu não quero. Esta é, infelizmente, é a melhor razão para privatizar a CGD, não apenas para a defesa dos contribuintes, mas para a defesa da instituição, que foi sangrada ao longo da história por sucessivos governos que a obrigaram a apoiar negócios estratégicos e emblemáticos, mas ruinosos, sendo que, curiosamente, todos os negócios ruinosos que vêm à memória de quem puxa por ela parecem ter sido da iniciativa de governos socialistas, os que têm, por motivos ideológicos, mais apetência por intervir na economia, e intervieram e continuam a intervir.
Chegado aqui, com cinco razões para manter a CGD na esfera pública enumeradas, mas sem ter ainda descoberto uma única que fosse boa, deixo o meu apelo aos leitores para que me ajudem a encontrar: dêem-me três boas razões para manter a CGD como um banco público? Duas, ou mesmo uma, já seria uma boa ajuda...
"Vejo que tirou o curso na Nova. I rest my case".
Basta uma referência à Nova num cadastro para matar discussões à partida. Andou na Nova, é neoliberal, não precisa de dizer mais nada! A Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa é "a" escola neoliberal portuguesa, onde foram ministradas a gerações de sociopatas disciplinas subversivas inimigas da construção do socialismo como, por exemplo, Microeconomia, Finanças ou Contabilidade Analítica, todas baseadas na ditadura da Matemática sobre a utopia, ou conceitos como a famigerada liberdade de escolha que, a existir, poderia permitir aos filhos dos pobres a frequência dos colégios onde estudam por pequenas fortunas os filhos dos ricos. Um horror!
O símbolo arquitectónico desta escola infame, o Palácio Henrique de Mendonça, ou Casa Ventura Terra, acabou de ser vendido à fundação Aga Khan, que nele vai instalar a sua sede mundial. Por um preço simpático, 12 milhões de euros, o preço de três ou quatro bons apartamentos na Avenida da Liberdade, por um palacete Arte Nova com história e classificado no meio de um parque de cerca de três hectares sobre o Parque Eduardo VII. Com história e histórias, desde a do cinema português à de todos os que, como eu, por lá passaram.
Curiosamente, vendido pelos socialistas que, da boca para fora, alinham com a pandilha esquerdista que os apoia no governo contra as privatizações, quanto mais de património classificado, e os Mirós que o digam, mas, do bolso para dentro, tiveram o maior ímpeto privatizador da história de democracia portuguesa. É a vida. Bem hajam.
Curiosamente também, a Resolução do Conselho de Ministros que autorizou a Nova a vender o palacete por ajuste directo foi assinada, não pelo primeiro-ministro, mas por uma das "investigadoras" do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, essa simpática agremiação dedicada à investigação científica ao serviço do socialismo liderada pelo famoso rapper Boaventura Sousa Santos. É a vida.
Mas o importante é que esse símbolo do neoliberalismo desaparece de vez da escola pública portuguesa. Com algum esforço revolucionário, espera-se que também desapareçam os que por lá passaram. Sei lá, podiam-se internar no Campo Pequeno... O Otelo ainda tem a chave?
Sobre Silva Peneda, a concertação, e o organismo daninho, corporativo e indiscutido a que preside disse em tempos o que cumpria.
O homem é profissional do diálogo, como são feliz e necessariamente todos os diplomatas, mas também os empatas, os indecisos e os videirinhos da vida pública.
Sobre a requisição civil diz (aliás não diz, "alerta" - não é este, ai de nós, o único Silva que, em vez de dizer ao que vem, faz alertas que inculcam ao cidadão a ideia de que está ungido de alguma superioridade intelectual ou moral para os fazer, sem todavia se dar ao excessivo trabalho de indicar soluções alternativas) que ela é provavelmente ilegal, considerando "lamentável que se chegue à fase que chegaram o Executivo e os sindicatos que representam os trabalhadores da TAP, porque demonstra que o diálogo não funcionou".
Não funcionou e ainda bem. Porque, se tivesse funcionado, o feliz desenlace haveria de ser, como é sempre, cedências aos sindicatos, o que no caso equivale a dizer que a privatização seria feita com garantias de que nenhum trabalhador sairia no futuro prejudicado.
Porque é disso que se trata: para enterrar na TAP os milhões de que ela necessita e assumir o seu passivo gigantesco qualquer investidor (se houver) aligeirará os custos, tentando pô-la ao nível da concorrência, no mínimo.
Não se tem falado disso: quanto ganha um piloto ou o pessoal de bordo e de terra, e que regalias têm, por comparação com outras companhias; quantas pessoas são mobilizadas para pôr um avião no ar, que taxa de utilização têm os aviões, que rotas são ou não rendíveis, e mais um zilião de indicadores que fazem com que umas companhias sejam viáveis e outras não.
Do que se fala é de interesse nacional. "A privatização é inacreditável, é um crime", dizem anónimos, na rua, a António-Pedro Vasconcelos, conhecido comentador de futebol que lançou um manifesto, não contra a derrota do Benfica em Braga, como se compreenderia, mas a favor da manutenção da TAP na esfera pública, não vá o novo proprietário prejudicar o hub de Lisboa, seja lá essa merda o que for.
A notícia acaba com alguns nomes de subscritores e, com a excepção de Tony Carreira, um cantor romântico autor de êxitos inolvidáveis como "Por Amor Vou Deixar-te Viver" ou "E Agora Tu Vais Deixar Minha Vida", que não se sabia que tinha ideias sobre fosse o que fosse, é o lote habitual, velho, bafiento e cediço de gente que é contra privatização da TAP porque é contra a privatização do que quer que seja.
A privatização pode correr mal? Pode. E muitos passageiros de Lisboa podem ser prejudicados, por acabarem voos directos de e para lá? É possível. E muitos emigrantes podem deixar de ter voos directos para Portugal? Talvez.
Mas a imensa maioria que não anda de avião, ou não vive em Lisboa, ou ganha lá fora o que não pode ganhar cá dentro, não será chamada no futuro, como foi no passado, a cobrir prejuízos.
E isso para mim chega.
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