Num mundo em que até é proibido, e mesmo criminalizado, a um partido aceitar a disponibilização gratuita de um auditório municipal para organizar uma sessão pública, por violar a proibição de os partidos receberem financiamento de pessoas colectivas e uma câmara municial ser uma pessoa colectiva, a expansão do Metro é o melhor dos instrumentos para a propaganda política, autárquica pelo alcance local, mas também nacional por ser um tema de aferição da ambição e do progresso dos decisores de grande visibilidade. Até porque promessas leva-as o vento e só muito depois das eleições autárquicas ou nacionais que pretendem influenciar se chega a ver se foram cumpridas ou, o que é certo e sabido, mas muitas vezes esquecido no momento de as ouvir, e de votar em consequência com a generosidade da oferta, não foram.
Quem tem a faca e o queijo na mão é, naturalmente, o accionista da empresa do Metro, o governo, cujos planos são em teoria promessas credíveis, por ter o controlo do mealheiro de onde as paga, ao contrário dos da oposição, que não passam de aspirações irrealistas e demagógicas. E, quando se aproximam eleições autárquicas de Lisboa, e as deste ano estão aí a bater à porta, é chegado o momento de os tirar dos estiradores e os espetar nos telejornais em horário nobre. A história explica que não é para lhes dar muita importância, porque a correlação entre os planos de expansão apresentados pelos governos ou exigidos pelas oposições e os planos de expansão concretizados é muito reduzida, mas é tema que entra facilmente no imaginário popular e dá-se-lhe sempre alguma importância.
Desta vez o governo veio em auxílio do futuro candidato socialista à Câmara Municipal de Lisboa, Fernando Medina, é quase garantido quem está numa câmara recandidatar-se, mas normal deixar para a última hora o anúncio da candidatura de modo a usar até o mais tarde possível todos os meios de propaganda que o governo da câmara lhe proporciona, desde obras, a cartazes ou meros boletins municipais, passando por sessões públicas nos auditórios municipais, estas dentro da lei porque não são iniciativas de partidos mas da própria câmara, anunciando, numa manhã de primavera, a construção de quatro novas estações dentro da cidade de Lisboa, e na tarde do mesmo dia, a construção de apenas duas e a promessa de mais outras duas, o que vai dar ao mesmo e tem o mesmo efeito eleitoral, porque é tudo para se fazer muito depois de receber os votinhos nas eleições, mas sai muito mais barato.
De caminho, confirmou o que já tinha sido sugerido na última cerimónia de inauguração de uma estação, a da Reboleira, que a prioridade agora passaria a ser construir mais estações dentro de Lisboa, fechar a rede, e adiar para as calendas gregas a expansão das linhas fora de Lisboa, entre as quais o prolongamento da linha que serve a Amadora desde a estação da Reboleira até ao Hospital Fernando Fonseca, o Amadora-Sintra, passando pelo centro da Amadora. Aliás, com uma estação planeada à distância ideal da minha casa, ou seja, suficientemente longe para eu não levar com a poeira das obras quando estiver em construção mas suficientemente perto para poder sair de casa e ir a pé até à estação quando estiver em funcionamento. Que tinha sido prometida, por quem? pelo anterior governo socialista, o do Sócrates de boa memória, justamente por um dos muitos governantes que transitaram directamente desse governo para o actual, a então secretária de estado dos transportes Ana Paula Vitorino, e quando? no período que antecipou as eleições autárquicas de 2009. Eu já tinha avisado.
Nessa época era conveniente apoiar a reeleição do então Presidente da Câmara da Amadora Joaquim Raposo com um anúncio de uma expansão do Metro para servir a Amadora, agora é mais importante apoiar a eleição (ia dizer reeleição mas ele nunca foi eleito) do Presidente da Câmara de Lisboa e delfim do primeiro ministro, e quem parte e reparte e para o delfim não guarda a melhor parte ou é burro ou não tem arte, e os manhosos dos socialistas que nos governam têm a arte toda. Está nos livros, e assim foi feito.
Às duas mais duas estações oferecidas agora pelo governo ao candidato Fernando Medina para brilhar na campanha eleitoral, respondeu a candidata Assunção Cristas dizendo que, com rasgo e ambição, o governo devia ter prometido vinte em vez de duas. Candidata à Câmara Municipal de Lisboa, note-se, pelo que o rasgo e a ambição chegaram-lhe para pedir vinte novas estações mas não lhe chegaram para reclamar as três da ligação da Reboleira ao Hospital Fernando Fonseca.
O nacional situacionismo socialista caiu-lhe em cima, claro, por estar a fazer promessas demagógicas e disparatadas, onde é que já se viu alguém pedir vinte estações de Metro, onde é que se vai buscar dinheiro para as construir? Acalmado do povo o gran sussurro, recordou-se que estas vinte que ela pediu não são mais do que uma selecção das trinta que o governo socialista anterior tinha prometido quando já se lhe estava a acabar o dinheiro mas ainda havia campanhas eleitorais para fazer. Quem dá mais acabam sempre por ser os socialistas.
Eu vou poupar aos leitores os detalhes da história, ou não sairiamos daqui, tamanha a variedade de planos de expansão que são proclamados ou reclamados ou protestados. Será suficiente assinalar que são apresentados quando estão a chegar eleições autárquicas de modo a favorecer o candidato do partido do governo à Câmara Municipal de Lisboa ou de algum dos concelhos limítrofes abrangíveis pelo Metro, que o partido da situação fica satisfeito com a promessa, mesmo que fique muito aquém do que reclamava antes, e os partidos da oposição insatisfeitos, mesmo que a promessa ultrapasse o que tencionariam fazer se estivessem na situação, mas que isto tudo é um bocado indiferente, porque no mundo real o Metro se vai expandindo ao seu próprio ritmo, que é o do dinheiro que se vai arranjando para o expendir, e que não coincide em nada com o ritmo voluntarista das campanhas eleitorais.
De modo que podemos concluir que as promessas de expansão do Metro são iguais ao litro.
PS: Ó Doutora Assunção Cristas, se me está a ouvir, queria-lhe dizer que a acho uma simpatia de pessoa, mas que os amadorenses, pese embora o handicap de não poderem votar em si por não terem direito de voto nas eleições autárquicas de Lisboa, e talvez até merecessem poder votar pelos impostos e taxas que largam neste concelho, desde a derrama das empresas de Lisboa onde trabalham e para cujos resultados contribuem, ao IVA deixado por eles nos restaurantes ou lojas de Lisboa que frequentam, a todas as taxas e taxinhas que incidem sobre as empresas de quem são clientes, mas não têm direito de votar, também são pessoas, com sentimentos e necessidades e aspirações, alguns até são também uma simpatia de pessoas, de modo que deixe-os lá ambicionar um dia também vir a ter Metro até ao hospital como a senhora e muitos lisboetas já têm, e alguns até estações de Metro à distância ideal as suas casas. E alguns deles até votam no CDS, se bem que na Amadora. Como disse uma vez o saudoso José Torres, o Bom Gigante que também morava na Amadora, deixe-nos sonhar!
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