Terça-feira, 5 de Fevereiro de 2019

Circulatura ou lá o que é

Maria João Avillez tem nome no jornalismo: entrevista há décadas meio mundo da política e escreveu abundantemente sobre os pais da pátria democrática. Invariavelmente, porém, perde um tempo infinito com a pequena história, porque não imagina outra. Podemos estar certos de que, se tivesse entrevistado Churchill, não quereria saber o que pensava ele do Império Britânico, do qual foi um tempo diligente soldado, e sua ruína, mas antes quantos charutos fumava por dia; e se Salazar, não sobre a herança futura de uma sociedade sem anticorpos para o esquerdismo, mas sim se era verdade a história do galinheiro em S. Bento a vender ovos para a vizinhança e se namorou ou não namorou realmente com Christine Garnier.

 

É uma fórmula de sucesso. Toda a gente quer conhecer a intimidade e as humanas fraquezas dos poderosos; e a poucos interessa o papel que cada notável desempenha no processo histórico, as consequências para a comunidade das escolhas que fez, e os paralelos com situações pretéritas.

 

Pois bem: há dias saiu no Observador uma entrevista com Lobo Xavier, o conhecido senador do comentariado, a propósito da transferência de canal do vetusto programa Quadratura do Círculo. E raras vezes uma tão completa e natural sintonia, entre entrevistado e entrevistador, se fez patente.

 

É impossível não gostar de Lobo Xavier, desde logo porque o próprio gosta de toda a gente, além de ser inalteravelmente cortês. Na entrevista, manifesta simpatia pelos colegas do programa, por Portas, Pires de Lima, Cristas, a nova geração do CDS, Francisco Mendes da Silva, Adolfo Mesquita Nunes, Passos Coelho, traça rasgados elogios a Marcelo, Deus lhe perdoe… e não tem uma palavra simpática para Jerónimo, ou Catarina, ou as manas Mortágua, decerto porque Maria João não se lembrou de o levar para aí.

 

Gostar de toda a gente não é muito diferente de não gostar de ninguém. E mesmo que se atribua esta generosidade ao catolicismo que serve de norte espiritual a Xavier, a que junta um feitio amável, resta que não é possível, se se tiver um módico de lucidez sobre o estado do país e os caminhos que trilha, deixar de verberar acerbamente a tropa fandanga que nos pastoreia e desde logo o par de colegas no programa: Pacheco Pereira, uma esponja de más leituras progressistas que vai debitando como se fossem pérolas de sabedoria; e Jorge Coelho, o manhoso e simpático aguadeiro de serviço do PS, que desmente a alegação do entrevistado da independência dos três em relação aos respectivos partidos. A urbanidade do trato e os laços de amizade resistiriam a um exercício de rigor? Duvida-se.

 

Portugal, hoje, mostra sinais de esgotamento: O Estado está mais obeso do que nunca, o controlo do défice (fruto da dura lição que a troica deu, e que o PS, benza-o Deus, interiorizou) foi conseguido, além de evidente martelanço, à custa do aumento de impostos,  a somar ao brutal de Vítor Gaspar, e de uma retoma de mais que duvidosa sustentabilidade. O país apenas cresce por arrasto, e menos do que os outros. Isto está preso por arames, dizia há tempos Daniel Bessa, com brutal sinceridade.

 

E todavia no único momento da entrevista em que Lobo Xavier disse alguma coisa de substantivo sobre a situação política exprimiu-se assim: “Acho até que se a direita, as direitas, não se comprometem com a redução da desigualdade não têm futuro”.

 

É extraordinário. Há mais de quatro décadas que todos os partidos prometem a redução das desigualdades, apenas diferindo no modo de a alcançar, pelo que se estranha que os denodados esforços empreendidos não tenham ainda sido suficientes. E em nome deste meritório objectivo se destruíram os grandes grupos económicos que existiam antes dos Cravos, cuja reconstituição apenas se fez, e parcialmente, com endividamento e com o nascimento de empórios de mercearia; e se aumentaram os impostos sobre o rendimento de forma demencial. Em consequência do que, associado à expansão imprudente do Estado assistencialista e patrão, se alienaram ao exterior sectores monopolistas da economia e se criaram condições para a banca ser quase toda estrangeira, enquanto gente profunda diz, melancolicamente, que em Portugal há falta de capital. Pois há, mas sobra igualdade.

 

Estaria a falar da igualdade dos cidadãos perante a lei, aquela que a Direita consistente defende, hoje comprometida mais do que nunca com os preços absurdos no acesso à Justiça? Ou dos poderes inquisitoriais da Autoridade Tributária, que reduzem a pó os direitos de cidadania àqueles cidadãos que têm a desdita de ser apanhados pela máquina impiedosa e acéfala do Estado predador? Não, estava a falar de igualdade no sentido que a esquerda dá à palavra, isto é, a pilhagem dos ricos para ficarmos todos remediados na teoria, e pobres na prática.

 

A Direita que levanta bandeiras de esquerda, sob pretexto de que vai à missa e tem bom coração, essa é que não tem futuro. Porque o eleitor hesitante prefere, e bem, os originais às cópias hipócritas.

 

Não sei quem inventou, para dar o pendão retroactivo para o 25 de Abril, o mote dos três dês. Não vou falar aqui da democracia (que acho, ao contrário de muito reformador social que anda por aí, um relativo sucesso), nem da descolonização, que é de todo o modo um processo encerrado. Mas de desenvolvimento estamos conversados: ainda há dias um estudo concluía que em breve estaremos em quinto lugar, em termos de rendimento por habitante,  a contar do fim, dentro da EU, tendo perdido seis lugares em apenas quase duas décadas. Apesar da chuva de 79.000 milhões da EU e de a dívida no mesmo período ter explodido.

 

É disto que se tem tratado, sequer como pano de fundo, na defunta Quadratura e se vai tratar na futura Circulatura (raio de nome), a partir de 7 de Fevereiro? Claro que não. Aquilo é malta porreira, trata de coisas porreiras, e dos sucessos do António, e dos deslizes do António, o ex-colega que utilizou o programa para sanear o concorrente Seguro, primeiro, e perder as eleições ganhando o governo depois, e dos asneiróis semanais do Poder, que criticam com tolerância porque a política é isto: um jogo de grupos de pessoas, do qual, com gosto, fazem parte.

 

A política não é isto, e por isso a Quadratura há muito tempo deixou de ser um programa de debate. Pode ser que dure mais um ano ou outros catorze anos. Mas está moribunda, como o regime.

publicado por José Meireles Graça às 21:53
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Sábado, 14 de Janeiro de 2017

The Three Stooges

Há tempos havia decidido não voltar a ver a Quadratura do Círculo, por ter evoluído para um programa de debate entre Jorge Coelho, que apoia o PS, Pacheco Pereira, que apoia o PCP e o Bloco, e Lobo Xavier, que apoia Costa, todos irmanados numa solidária aversão a Passos Coelho e admiração pelo patente génio do trafulha que agora nos pastoreia.

 

Os programas de debate político, salvo os frente-a-frente entre deputados, que repetem os mesmos argumentos já utilizados no Parlamento, transformaram-se em rodas de amigos de onde está ausente qualquer forma realmente diferente de ver a coisa pública. E por exemplo Santana Lopes, outrora o enfant terrible do PSD (PPD/PSD, como diz, não vá alguém julgar que não é contemporâneo das gloriosas lutas do falecido Sá Carneiro), confraterniza semanalmente com António Vitorino, ambos remoendo com deleite o estatuto e os proveitos que as respectivas carreiras políticas lhes garantiram, Santana insinuando às vezes que talvez pudéssemos estar um pouco melhor, e Vitorino garantindo sorridentemente que não senhor, estamos em mãos boníssimas.

 

De debates, os espectadores preferem os sobre os méritos e deméritos de Jorge Jesus ou outra refulgente personalidade do mundo do futebol, e fazem muito bem: sempre vão mobilando o imenso vácuo que lhes habita as cabeças, e o que é facto é que com Costa tá-se melhor, o PCP vela pelos dereitos dos trabalhadores, o Bloco pelos dos transsexuais, e a Europa há-de tomar conta de todos, que nós somos pequeninos e eles não querem cá chatices.

 

Isto é estranho. Que num país que tem a quarta ou quinta dívida pública do mundo, cujo serviço em juros, medido em percentagem do PIB, é, no acabrunhado rol de potenciais caloteiros, o primeiro ou segundo; que sobrevive com crédito e taxas de juros relativamente moderadas apenas porque vive ligado à máquina do BCE, o qual estatutariamente apenas nos apoia porque tem a desculpa de evitar a desinflação, risco que está a dar sinais de ter desaparecido; que cresce raquiticamente; e que segundo os comunistas da Bayer e os genéricos, ambos apoiantes do governo do dia, jamais pagará o que deve, pelo que deve desde já dizer aos credores que vão bugiar, a fim de estes nos continuarem a emprestar, mas sem arrogâncias: seria de esperar que as melhores cabeças não apenas denunciassem o absurdo risco em que o país está mas também se digladiassem, de faca nos dentes, sobre o caminho a seguir.

 

Mas não. O caso do dia é a decisão da Concertação Social que pariu um aborto, que se pode descrever assim:

 

O salário mínimo sobe mais de 5% (27 Euros sobre 530, a que acrescem os 23,00% da TSU - já há um desconto de 0,75% - e aumento do custo de seguro de acidentes); as associações patronais encararam com horror a percentagem, cientes de que nem a situação de inúmeras empresas, nem a do país, nem a taxa de desemprego, nem a de inflação, recomendariam um tal salto; e para dourar a pílula o comissário de serviço da Situação, o celebrado ministro Vieira da Silva, ofereceu um aumento do desconto sobre a TSU, de 0,75 para 1,25%, passando portanto o encargo da entidade patronal a ser de 22,50%, incidindo sobre os salários mínimos pagos, e não os 23,75% que incidem sobre todos os outros. É fantástica a gigantesca baralhada que todas estas cabeças são capazes de produzir, no afã de poderem fingir que estão a concertar.

 

Contas feitas, o que os "patrões" pagam a menos do que pagariam sem a "benesse" são cerca de 3 Euros em 27 (isto é, pagando 22,5% em vez dos anteriores 23%). O que isto quer dizer é que as contas futuras da Segurança Social serão agravadas nesta medida e, portanto, ou o contribuinte futuro suporta a diferença ou, mais provavelmente, os futuros reformados a suportarão, dada a demonstrada insustentabilidade da trajectória das pensões sociais. Com a anuência dos "patrões" portanto, a Concertação colaborou numa pequena vigarice.

 

O que os patrões deveriam ter feito era não chegar a acordo algum, com ou sem descontos de mercearia, e recomendar aos seus associados que se puderem aumentar aos seus trabalhadores sem pôr em risco as empresas o façam, e se não puderem não. Mas isso era se fossem patrões, e não poltrões.

 

Pois bem: Dá-se o caso de os comunistas, desta vez, não estarem dispostos a um arranjo que não é tão penalizador para o patronato como desejariam, além do que começam a ter fortes suspeitas de que, para o PS ganhar eleições, podem eles perder clientela; e o PSD resolveu, e bem, não dar cobertura a mais um episódio governamental da novela "gaste agora, dê-nos o seu voto, e pague depois, quando abrir os olhos". Ora, os três senhores do primeiro parágrafo acham que isto é baixa política por entenderem que, sob pretexto de que o PSD tem o rabo trilhado na matéria, destrilhá-lo seria incoerência. E portanto entendem que, faltando o apoio dos dois pés botos da geringonça, deve a chamada direita suprir a falta.

 

Isto acham eles. Eu acho que tenho livros atrasados para ler, e filmes para ver: parece que estão disponíveis para aluguer episódios dos Three Stooges.

publicado por José Meireles Graça às 01:36
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Quinta-feira, 17 de Novembro de 2016

A Quadratura do Circo

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Com o tremendismo típico de um charlatão de feira, de um vendedor de aspiradores Rainbow, ou de um pastor de almas, que anunciam aos seus ouvintes catástrofes iminentes que só podem ser evitadas in-extremis, respectivamente, pelos elixires milagrosos que tem para vender, pelo filtro HEPA que afoga os ácaros, e pelas rezas que fazem retroceder o demo, o tele-evangelista José Pacheco Pereira fez à seita de adoradores que lhe bebe piamente a Palavra uma revelação extraordinária e assutadora: que o partido a que ele sempre dedicou o melhor que tinha para dar "está hoje, com direções distritais todas na maçonaria". Todas!

Os adoradores, está de ver, já esperavam a revelação que, como todas as outras revelações deste profeta, confirmam sempre as suas suspeitas mais lúcidas. É disso que gostam nele, de lhes dizer com eloquência aquilo que eles já sabem, que o PSD é, desde que deixou de o considerar para cargos directivos ou internacionais, um antro de malandros, com excepção de um pequeno núcleo de resistentes, os últimos dos social-democratas do partido, de que fazem parte ele próprio, a Manuela Ferreira Leite e o Rui Rio. E quanto mais ele lhes confirma isso, mais acreditam nele, e naquilo em que já acreditavam antes de ele lhes dizer. Quando tudo se confirma, tudo está bem.

Confirmaram eles, mas não consegui confirmar eu. Pois se um desses presidentes de distrital é amigo de há quase 40 anos, compadre e comensal regular desde que veio para Lisboa para o parlamento, e só usa avental na cozinha, tal como eu quando me aventuro nessas artes, mas nunca o vi de avental fora da cozinha, e sei que não usa, como podem ser os presidentes das distritais todos maçons? Não podem.

Eles próprios também não conseguem confirmar que são todos maçons. Alguns deram-se mesmo ao trabalho de chamar os jornais para o desmentir, apelo a que pelo menos o Correio da Manhã, mas o Correio da Manhã não é da seita, toda a gente sabe, respondeu publicando o desmentido.

Ora até o Jorge Jesus é, pelo menos desde que começou a estudar os filósofos chineses, capaz de dominar a lógica aristotélica e de perceber que quando se diz que são todos e há pelo menos um que não é, se mentiu. O Pacheco Pereira mentiu.

O que vai ser dos adoradores, agora que o seu profeta foi apanhado a mentir?

Nada de especial. Como dizia o senhor Osgood Fielding III na lendária frase final do Some Like it Hot, "Nobody is perfect...".

 

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 02:05
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Sábado, 5 de Novembro de 2016

In Memoriam

Anteontem aprestei-me, como há muitos anos, para ver a Quadratura do Círculo, coisa que venho fazendo ultimamente com crescente desgosto.

A perenidade, e o sucesso, do programa, junto daquela minoria de pessoas que se interessam por questões políticas, sociais e económicas, resultavam de uma receita simples mas eficaz: juntar três tipos com algum cachet, um próximo do PSD, outro do PS e outro do CDS, e pô-los a falar sobre os casos da semana. A exclusão de gente à esquerda do PS garantia que haveria um terreno comum de valores com cuja discussão não se perderia nem tempo nem espectadores (os comunistas e afiliados não convertem senão convertidos, e o seu debate com democratas é sempre envenenado pela contradição insanável entre o que dizem defender, na sua língua tradicionalmente de pau, e o que realmente defendem); a limitação a três participantes diminuiria a possibilidade de balbúrdia dando ao mesmo tempo algum tempo a cada um para expor o seu ponto; e a rejeição do simples debate a dois aumentava o interesse do programa porque o leque de escolhas entre posições de direita e esquerda nunca fica adequadamente representado apenas por duas posições.

A fórmula original, a do programa radiofónico que lhe deu origem, havia sido imaginada por Vasco Pulido Valente, que aliás nele participou durante algum tempo, sem que todavia o tenha crismado de Flashback, e a paternidade da ideia foi-lhe subtraída nos benefícios e na história - pecados velhos de uma cidade, e um meio, pequeno e pulha. As coisas vieram a cristalizar, para o que aqui me interessa, a partir de Janeiro de 2004, quando José Pacheco Pereira, José Magalhães, António Lobo Xavier (que havia substituído Nogueira de Brito), com Carlos Andrade na moderação, iniciaram a emissão na SIC Notícias com o nome de "Quadratura do Círculo" - é desse tempo que data a minha fidelidade.

Quem tivesse simpatias partidárias do tipo clubista inclinava-se a achar que o seu campeão tendia a amassar os outros dois; quem as tivesse de forma mais reflectida deixava ocasionalmente que um ou outro dos adversários lhe parecesse mais convincente; e a quem fosse impenitentemente viciado em pensar pela própria cabeça podia acontecer, de quando em quando, concluir que os três cavalheiros mijavam, em simultâneo, fora do penico, com perdão da imagem.

José Magalhães, um aldrabão de discurso torrencial, foi substituído por Jorge Coelho, em 2005, e o que se perdeu em exercícios de retórica ganhou-se em manha - o PS não saiu prejudicado, e terá sido mesmo beneficiado junto das bases, da terceira idade e dos empregados do comércio; em 2008 Jorge Coelho foi tratar da vidinha e em seu lugar veio António Costa, que trocou com o mesmo Coelho em 2014. Neste ano, com efeito, Costa conseguiu remover do secretariado-geral do PS o bom do Seguro, que lhe tinha estado a guardar o lugar nos anos em que Costa se dedicou a fazer esquecer a sua condição de comparsa de Sócrates, a montar o cenário da sua gestão supostamente competente da Câmara Municipal de Lisboa, e a fazer oposição ao governo PàF. Realmente, ser ao mesmo tempo Secretário-Geral do PS e comentador da Quadratura seria um pouco demais, já tendo sido difícil de engolir, para muitos espectadores, a acumulação com as funções de Presidente da Câmara.

O sucesso não decorreu apenas, é claro, da fórmula, mas também da personalidade dos participantes. Dos três que lá estão agora uns espectadores respeitam Pacheco, porque leu evidentemente mais livros do que o leitor médio; outros Coelho, que não leu mas tem mais ronha no dedo mindinho que os outros no corpo todo; e os restantes Xavier porque se diz de direita, parece entender de fiscalidade e banca, de burro não tem nada e se comporta de forma inexcedivelmente cordata e educada. Os três têm à-vontade, experiência e jogo de rins para compor o programa.

As pessoas são estas, e serviriam, mas a fórmula do programa está prejudicada, e já o está desde que Passos Coelho ascendeu ao topo do PSD.

Isto carece de explicação, que intento: Pacheco Pereira é um intelectual atípico, no sentido em que não simpatiza ou antipatiza com os actores da actualidade política porque estes estão mais perto ou mais longe da opinião que tenha sobre o que é melhor para a comunidade, como fazem os intelectuais vulgares. Não, Pacheco funciona ao contrário: simpatiza com Beltrano e Sicrano por razões que não entendo, e o próprio talvez também não, e deduz teorias políticas esdrúxulas que justificam a simpatia. Isso explica que tivesse sido um defensor feroz de Cavaco quando este era novo e foi governante, mas seu inimigo quando presidente, tendo Cavaco sido igualmente medíocre, e igualmente constante nas suas posições políticas, nessas duas encarnações; que tivesse apoiado a invasão do Iraque mas hoje esteja próximo dos Democratas e abomine Republicanos; que fosse um inimigo empenhado de Sócrates, de quem Costa foi número dois, e hoje um feroz defensor de Costa, que não difere de Sócrates em nada de essencial; e que simpatize com, por exemplo, Manuela Ferreira Leite, uma nulidade política, e com Rio, um indeciso notório muito diferente daquela senhora, mas odeie visceralmente Passos Coelho, a quem não assiste nem a mediocridade de uma nem a falta de determinação do outro.

Pacheco é assim: se os anos da troica tivessem sido conduzidos por Ferreira Leite não teriam sido substancialmente diferentes as políticas, mas Pacheco tê-las-ia recoberto com o manto da autoridade que a sua biblioteca na Marmeleira lhe confere. Como porém foi por Passos, Pacheco deslizou para a esquerda, a ponto de, antes de se tomar de amores por Costa, o Bloco, que deveria estar afastado do convívio das pessoas de representação, estar fugazmente representado na Quadratura via Pacheco.

Ora isto desequilibrou o programa - ele não foi pensado para uma preponderância de esquerda. E portanto desde 2011 que Xavier teve a missão de segurar sozinho a bandeira da direita (na versão europeísta e edulcorada que o próprio representa), o que fez com galhardia.

Costa, porém, foi lentamente criando uma relação de cumplicidade com os outros dois, com um por ter em comum a aversão a Passos, com outro por, provavelmente, ter conseguido dar a entender que seria a pessoa certa para resolver de forma satisfatória o problema da banca (é um processo de intenções que faço, devido ao meu vício antigo de, sempre que ouço políticos a falar, ter tendência a perguntar, como Fontes Pereira de Melo: mas o que é que ele quer?)

E é assim que a Quadratura, a velha Quadratura, chegou ao fim: um programa de debate entre três tendências do PS - a radical, de Pacheco, e duas de interesses (uma centrista, de Coelho, e a outra democrata-cristã, de Xavier), todas igualmente costistas.

Perdeu a novidade da juventude, já não tem a lucidez da idade madura, e não adquiriu a sabedoria da idade. Acontece. RIP.

publicado por José Meireles Graça às 19:39
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Sexta-feira, 15 de Abril de 2016

Lições de hipocrisia

 

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Ontem foram muito claros: os senhores comentadores da Quadratura do Círculo não se ocupam de tudo, nem escolhem os assuntos ao calhas. Há assuntos comentáveis; e há, por outro lado, motivos de tumulto inconsequente, não vale a pena gastar com eles tempo e prestígio. Uns e outros distinguem-se de acordo com uma escala de importância medida pela probabilidade de acabarem (ou não) por derrubar ministros. Um bom critério.

 

Sucede que na semana passada caíu um ministro, e caíu com estrépito. À excepção de Lobo Xavier, que mencionou a coisa pela superfície (e meio de lado, como quem passa por um embrulho num corredor estreito), ninguém abriu a boca. Deixemos as “bofetadas”, que importam mas pouco. E deixemos também de parte a rudeza da prosa que o Ministro da Cultura, sem medo do ridículo, classificou de “queirosiana”. Nenhum dos comentadores teve o juízo de explicar ao povo que o pensamento (ou a ciência, e em rigor “a cultura”) não evolui sem irreverência e até, muitas vezes, sem uma certa dose de brutalidade. Faltou-lhes em matéria o que lhes sobrou em cobardia.

 

O senhor Ministro mostrou que a crítica lhe era insuportável, que a encarava como um insulto pessoal, e lhe fazia saltar uma mola de incapacidade e desorientação. Decidiu exibir-se em público neste estado de alma, fazendo o que as elites portuguesas (sobretudo do PS) fazem melhor sempre que são contrariadas pela opinião dos outros: atribuem a crítica a motivos exteriores. O problema nunca está no comportamento deles, nem nos seus erros, abusos, ou prepotências, mas sim nas circunstâncias dos autores, que estão “bêbados”, ou “dementes”, sofrem “degradação cerebral”, ou “foram pagos” para dizer o que dizem. A crítica, nas cabeças inseguras dos ministros socialistas, cuja dignidade vem exclusivamente do cargo e se liberta deles ao mais pequeno pretexto, nunca é legítima nem salutar. Este queria uma cultura mansa e reverente. E há quem diga que “não houve um problema político”.

 

Acima deste estardalhaço está a maneira como o Primeiro-Ministro despediu o indigente, começando por desautorizá-lo na televisão, dizendo dele que não sabia comportar-se “nem à mesa do café” (toda a gente percebeu que “à mesa do café” foi uma elegância de António Costa para não dizer “na taberna”). No dia seguinte, surpreendido com a demissão, agradeceu-lhe os serviços e louvou-lhe os talentos, “lamentando” que o ministro “não tivesse tido a oportunidade” de cumprir o mandato até ao fim. Tal como disse, quando inviabilizou as negociações com o PSD e o CDS, que Passos Coelho “não foi capaz” de se entender com o PS. São os processos de Costa, de quem a hipocrisia tem muito a aprender.

 

Restam os ministros que andam agora a agitar o conformismo do povo. A Defesa dá pretextos magníficos, desrespeitando os oficiais do Exército; e a Educação, tutelada por um rústico fanático, promete festa com fogo-de-artifício. Para mencionar os que se alinham na primeira fila. Em matéria de sarilhos Costa já tem abundância: quando se levanta tem sarilhos à espera dele, de manhã com a extrema-esquerda no Parlamento, à tarde com a “Europa”, todas as horas de todos os dias desde que armou esta espécie de governo. Quando o próximo ministro se expandir Costa terá para ele o mesmo tratamento, com o mesmo molho de lisonja e desconsideração, e o infeliz vai voltar para casa com as orelhas baixas e a latir a indignidade de ter sido um instrumento descartável na “união das esquerdas”.

 

publicado por Margarida Bentes Penedo às 22:55
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Quinta-feira, 9 de Outubro de 2014

Até onde estão dispostos a descer?

 

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Não seria de esperar outra coisa. Conhecendo-o como conheço não é de estranhar. É a única posição digna. O que se pretendia? Que fosse para a sexta fila da Assembleia da República?

 

Tal como Álvaro Beleza, também eu compreendo a aversão de Seguro pela sexta fila da Assembleia da República. Uma indignidade. Quase tão degradante como se António Costa, agora que é líder do PS, acabado de eleger por uma base tão alargada, descesse à condição de comentador e regressasse à Quadratura do Círculo, a trocar perspectivas políticas em igualdade de circunstâncias com dois assalariados.

 

publicado por Margarida Bentes Penedo às 13:47
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Sexta-feira, 22 de Novembro de 2013

Podia ser que percebesse

Vi a Quadratura em diferido, dado que ontem à hora da emissão valores mais altos se alevantaram.

 

O tema principal foi o Tribunal Constitucional, com o desempenho habitual dos protagonistas: Pacheco espumando ódio aos responsáveis políticos actuais, culpados de o ignorarem, e, no caso do Primeiro-Ministro, também por às vezes ter sorrisinhos enquanto vai fazendo maldades, Costa rebrilhando de satisfação porque todos os dias se sente mais próximo de um destino glorioso, e dizendo aquelas coisas redondas que sabe dizer; Lobo Xavier suando as estopinhas para ir salientando algumas evidências sem ofender nenhum dos parceiros.

 

Já perto do fim, Pacheco rapa de um argumento de tomo: imaginem que um governo chavista (sabem, aquele de Chávez) resolvia confiscar 70% dos bens de todos os ricos por causa da situação difícil do país; diriam que isso ofendia o direito de propriedade, constitucionalmente protegido, sim ou não? Por que razão então acham mal que o Tribunal se oponha ao confisco dos rendimentos de uma maioria (a que menos tem) da população?

 

Pacheco ficou sem resposta, porque o tempo não chega para tudo, e chegou a vez de Costa falar, que veio a despropósito com uma historieta sobre a hierarquia das leis.

 

Sucede que a propriedade é rendimento disponível (pós-impostos) passado e investido, em vez de consumido; e o rendimento é actual e futuro. Donde, confiscar a propriedade não é a mesma coisa que impostar o rendimento, do trabalho ou de outras fontes. Depois, o que o Governo tem feito é cortar nas despesas do Estado, a eito e criticavelmente decerto, mas pouco; e aumentando os impostos - muito. Mas isto não é o cavalo de batalha de Pacheco, as suas investidas são outras:

 

Gosta muito de Cavaco, que todavia entende não fazer o que deve; quer a demissão do Governo, que tem apoio parlamentar maioritário, para, em nome da estabilidade, termos um novo, que não o terá; dá a sua caução à reunião da Aula Magna, mas não é comunista, nem revolucionário, nem soarista, nem da CGTP, nem abrilista; quer que o país pague o que deve, e que se mantenha na UE e no Euro, mas sem recessão; que se reforme o Estado, mas sem despedimentos nem cortes de salários; e, sobretudo,

 

Quer eleições, mas não quer saber do PS, que acha um desastre, para nada. Parece que, em havendo eleições, surgirá um novo Primeiro-ministro do PSD, da facção pachequiana, possivelmente Manuela Ferreira Leite, não obstante as ganhar o PS, o qual, entretanto, depois de consultado Pacheco, se livrará da não-pessoa que actualmente o capitaneia.

 

Tudo isto é muitíssimo subtil. Quem me dera ser filósofo, morar na Marmeleira, e ser especialista na história do PCP - podia ser que percebesse.

publicado por José Meireles Graça às 21:52
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Sexta-feira, 6 de Setembro de 2013

As trombetas silenciosas

 

Ontem, na Quadratura, falou-se do Acórdão do TC, com o qual, previsivelmente, Costa e Pacheco concordam e do qual Lobo Xavier discorda mas mas - se percebi bem.

 

Costa, uma hábil serpente cheia de aparente bonomia, saiu-se com um argumento novo (para mim): o estatuto dos funcionários públicos não é nem pode ser igual ao dos trabalhadores da privada em matéria de despedimento porque correríamos o risco de, a cada mudança de governo, assistirmos a um colossal despedimento de funcionários para serem substituídos pelos afilhados da nova Situação. Isto é, iríamos testemunhar uma partidarização do aparelho de Estado sem precedentes.

 

O argumento é bom. Já agora, em lugares de chefia, e ao contrário do que acontece noutras paragens, a mudança de governo - e, às vezes, de apenas um ou outro membro do mesmo governo - dá lugar a uma dança de cadeiras. Isto, que impressiona negativamente as pessoas, a mim deixa-me frio porque não ignoro que a permanência em lugares de mando de funcionários inamovíveis é entre nós um risco maior, e um vício pior, do que o ocasional job for the boy - tivéssemos nós o sistema inglês e a série "Yes Minister" parecer-nos-ia um ingénuo conto de fadas.

 

Ponto é que os jobs e os boys sejam poucos e comedidos, o que aliás só é possível com um Estado mais pequeno. Mas generalizar o sistema para a máquina no seu conjunto é, de facto, uma perspectiva aterradora. Seja, então: despedir transversalmente, com base em escolhas necessariamente arbitrárias dos responsáveis dos serviços, não pode ser.

 

Mas o que é que pode ser? É aqui que os Costas, os Pachecos, as Ferreiras Leites  e tutti quanti se espalham, porque o que todos dizem é que "temos que redefinir as funções do Estado". Ora, redefinir as funções do Estado é o que andamos a fazer há 40 anos e ainda não chegámos a um consenso.

 

Por isso, Costa, minha enguia escorregadia, diz lá, em intenção da próxima visita da troica: quais são os serviços que queres extinguir? Ai, não fazes parte do Governo, não estás por dentro? Bom, e na tua câmara caloteira e falida extinguiste o quê, ao certo?

 

A Pacheco e a Manuela não pergunto nada, porque suspeito que fariam coisas parecidas às canhestras que têm sido feitas, se fizessem parte do aparelho decisório. É um processo de intenções da minha parte? É. Face ao que dizem, não têm no alforge soluções alternativas? Não. Porque, se tivessem, trombeteavam-nas pelos telhados.

 

publicado por José Meireles Graça às 22:01
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Sexta-feira, 13 de Abril de 2012

Os comentadores

 

Sou freguesa da Quadratura do Círculo. Uma em cada quatro ou cinco, não falho. Calhou hoje.

 

Segundo António Costa, o país nunca gastou mais do que devia: a dívida "surgiu" por causa da contracção na economia. Para António Costa, o Tratado europeu da "regra de ouro" tem um lado bom, que é "pôr a Europa a funcionar" e é também o facto de conter muitas cláusulas indefinidas que podemos alterar e adaptar, cada país de acordo com a sua conveniência. E tem um lado mau, que é condicionar com a "regra de ouro" as decisões políticas de cada parlamento nacional.

 

Ou seja: no seu entender, o Tratado é bom porque é europeu, mas é mau porque é europeu.

 

Ainda não foi esta semana que Pacheco Pereira recebeu um convite para uma caçada, ou para um almoço numa propriedade de luxo. Pelo que Pacheco Pereira continua chateado, e insiste em notar que esta classe dirigente se distingue da anterior porque é mais elitista.

 

Nuno Melo veio substituir Lobo Xavier, que se encontrava em serviço externo. Nuno Melo não leva desaforos para casa: à insolência de Pacheco Pereira perante a alteração de posição do CDS sobre a "Europa", foi demolidor: "O CDS é um partido que evolui". E depois disse umas coisas que não me lembro bem, mas que queriam dizer (mais coisa menos coisa) que o CDS não é como certos e determinados partidos que ficam como que enqueijados nas suas posições.

 

A seguir deu-se o ponto alto do programa. António Costa disse que o PS era um partido europeista desde a primeira hora, "muito antes de qualquer partido da direita se ter sequer lembrado" de aderir à ideia. E perdoou a Pacheco Pereira por este "ao menos, ser frontalmente anti-federalista". Mais uma vez, Nuno Melo não se deixou intimidar. Sem esperar pela sua vez, disparou: "Eu também sou".

 

Carlos Andrade fascina as audiências por contágio: Carlos Andrade sente que assiste e participa em directo no centro de todas as questões, e deixa-se trair pelo seu par de olhinhos sempre fascinados. Carlos Andrade prova, todas as quintas-feiras, que é muito ténue e relativa a linha que separa a Sic Notícias da revista Nova Gente.

 

publicado por Margarida Bentes Penedo às 13:00
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