Sabem quantas pessoas participaram na Meia Maratona de Lisboa de 2013, onde foi tirada esta fotografia que mostra uma parte dos participantes? A corrida teve 37 mil inscritos. A fotografia mostra uma parte deles, ou seja, menos de 37 mil. O tabuleiro da ponte tem cerca de 40 mil metros quadrados, um pouco mais que a área do Terreiro do Paço.
A banalização da formação à esquerda de grupos de linchamento mediático de jornalistas ou comentadores com apelo à censura, ao despedimento, ou ao recurso a métodos ainda mais definitivos para os calar, de que o último se formou no sábado para tratar de uma jornalista por ter sido intoleravelmente tendenciosa ao ter citado, numa notícia sobre uma manifestação da Fenprof, e por esta ordem, as estimativas de manifestantes da Fenprof, organismo isento e objectivo a dimensionar manifestações, e da PSP, braço armado dos partidos neoliberais que nos desgovernaram, e a evidência de que o controle, à força, se necessário, à forca, em casos extremos, da comunicação social, faz parte do ADN da esquerda, quase faz esquecer os motivos específicos que, caso a caso, originam estes movimentos. E às vezes vale a pena percebê-los.
Este foi originado pela dúvida, introduzida pela jornalista ao citar também a estimativa da PSP de 15 mil manifestantes, de que teriam estado na manifestação os 80 mil manifestantes contados pela Fenprof. E este é um tema sobre o qual vale a pena reflectir.
Um bom amigo, antigo comunista e militante do PSP que teve o azar de ter sido encarcerado, no mesmo dia que a mulher, o que não constituiu alívio nenhum, em Caxias antes do 25 de Abril, e a sorte de o 25 de Abril ter acontecido apenas uma semana depois de ele ter sido encarcerado, diz que a maior surpresa, no sentido político, da vida dele, que já leva mais de 70 anos, foi o resultado das eleições de 25 de Abril de 1975 para a Assembleia Constituinte, em que o partido dele, que dominava a política, a comunicação social e a rua, com especial ênfase para a rua, e que ele estava convencido que ganharia as eleições, teve uns míseros 12,5% dos votos. Com a capacidade de aprendizagem que Deus lhe deu, acabou por abandonar o PCP depois de mais 15 anos de militância, e, logo nessa época, percebeu que a batalha da rua está muito longe de ser determinante na guerra da política.
Mas nem toda a gente tem esta percepção do relativismo da capacidade de mobilização de manifestações de rua, nomeadamente a esquerda, que sempre ultrapassou a direita nessa capacidade, com a provável excepção da manifestação da Fonte Luminosa de 1975, mas que há-que reconhecer que também foi organizada pela esquerda. Como nem toda a gente tem a percepção de que a manipulação da comunicação social pelos jornalistas ou comentadores, que distorcem as notícias para lhes encaixar as conclusões que pretendem ilustrar com elas, tem muito menos sucesso do que eles pensam, ou a coligação PàF teria tido uma derrota esmagadora nas eleições de 2015, que parecia evidente até surgirem sondagens que diziam o contrário, tamanha era a narrativa de maldades e insucessos que lhes eram esmagadoramente atribuídos por ela. Aliás, acredita-se tanto mais nestas hipóteses, quanto mais se acreditar que o povo é manipulável nas suas opções políticas pelo que vê e pelo que os jornais lhe mostram.
Resumindo, a esquerda tende a acreditar na força da rua e na força da manipulação da comunicação social.
O problema é que, à força de acreditar na capacidade de manipular os eleitores através da força demonstrada na rua e da colaboração da comunicação social, a esquerda meteu-se numa alhada de que linchamentos mediáticos, censura e demissões de jornalistas não a conseguirão retirar.
Sabem quantos manifestantes estiveram na manifestação da CGTP no Terreiro do Paço de Fevereiro de 2012? O secretário-geral da CGTP disse que lá estiveram 300 mil pessoas, "a maior manifestação jamais vista em Lisboa nos últimos 30 anos" nas palavras dele em português de sindicalista que consegue conciliar o ilimitado "jamais" com o limitador "nos últimos 30 anos". Adiante. Oito vezes mais que participantes na meia-maratona de 2013. O Terreiro do Paço tem 35 mil metros quadrados.
Em Setembro de 2012 a primeira manifestação inorgânica organizada pelo movimento "Que se Lixe a Troika" reuniu, mais uma vez de acordo com a organização, apesar de a manifestação ser inorgânica, 500 mil pessoas nos 180 mil metros quadrados que vão da Praça José Fontana à Praça de Espanha. Mais 100 mil nos 20 mil metros quadrados da Avelina dos Aliados. Treze mini-maratonas em Lisboa e 3 no Porto. Nesta encenação dos grandes números, a esquerda radical inorgânica ultrapassava, e por muito, a esquerda ortodoxa da CGTP e do PCP, e estabelecia um novo nível de referência para grandes manifestações em Portugal.
Nada que durasse muito. Em Março de 2013, o mesmo movimento conseguiu, de acordo com as suas próprias medições, ultrapassar 1,5 milhões de manifestantes, 40 meia-maratonas, dos quais 800 mil, 22 meias-maratonas, em Lisboa, no tradicional trajecto Marquês de Pombal, Avenida da Liberdade, Terreiro do Paço. Nesta caso, o movimento inorgânico já se posicionava noutro campeonato que não aquele onde podem ambicionar concorrer o PCP e a CGTP, já combatia corpo a corpo com o milhão e meio de votos do PS nas eleições legislativas de 2011.
Este sucessivo bater de recordes foi um dos maiores sucessos mediáticos da história de democracia portuguesa. Infelizmente, chegados a eleições, nas legislativas de 2015, o partido onde se juntaram alguns dos organizadores mais emblemáticos deste movimento, o PTP/MAS, não conseguiu mais do que 20 mil votos. Ainda assim, meia meia-maratona, o que não é nada mau atendendo ao tamanho da multidão que encheu a ponte.
Mas, além de o sucesso na organização de manifestações, ampliado pelos incríveis recordes sucessivamente reportados, não ter podido ser canalizado para um resultado eleitoral sequer mínimo, criou um problema, que era expectável, à esquerda das manifestações. Estabeleceu-lhe níveis de referência tão elevados quanto, por serem baseados em números falsos, inatingíveis.
Pelo que qualquer grande manifestação que hoje em dia junte 15 ou 20 mil pessoas, uma multidão enorme, como se pode atestar pela fotografia de cima onde representaria cerca de metade dos participantes, nos rankings que passaram à história sem grande sentido crítico de quem os tomou por bons e noticiou, não representa mais do que um miserável um por cento do nível de referência da manifestação de Março de 2013 que passou a constar dos arquivos.
Não é problema nenhum, porque não é a dimensão das manifestações nem a boa imprensa que arrastam o eleitorado. Mas, para a esquerda das manifestações, que acredita que grandes manifestações arrastam grandes votações, e que boas notícias de jornal orientam a opinião das populações, isto é um grande problema. E não se resolve censurando, saneando ou sovando um jornalista de vez em quando. Ter-se-ia resolvido se, em devido tempo, a esquerda tivesse denunciado os números fabulosos que iam sendo anunciados pelos organizadores das manifestações. Agora não tem solução. Manifestação com menos de 300 mil não entra nos rankings.
Amanhem-se!
Causou alguma comoção nas hostes mesozoicas um discurso de um tal André Albuquerque, actor desempregado. Um blogue do cretácico chegou mesmo a dizer que o texto "passou a ser um documento de luta. Daqueles que ficarão para sempre"; e a minha figadal inimiga Joana Lopes também o transcreveu com gosto no seu blogue da Antiguidade Clássica.
Curioso, fui ver. E a minha primeira reacção foi pensar que é muito mau o moço estar desempregado, porque pode-lhe dar para escrever, empolgado pelo sucesso da incursão nas artes oratórias, pelo que seria talvez recomendável dar-lhe uns subsídios, a ver se sossega. É que de Valter Hugo Mães, agora na versão dramatúrgica indignada, já estamos servidos; e há sempre o risco de tropeçar inadvertidamente num texto quando se têm hábitos de leitura a esmo. Tal perigo, porém, é menos assinalável nos teatros, porquanto há sempre a possibilidade de, inteirados do nome dos autores da peça, passarmos prudentemente ao largo.
Que diz então o genial André? Diz, por quatro vezes, que Portugal não é a Grécia e que está desempregado. É o que se chama uma anáfora, figura de estilo que, se usada a martelo, como no caso, se pode designar como enjoo. Desempregados, Andrezinho, meu chapa, há, além de ti, aí uns 599999, fora os que deram à sola. E uma larga maioria não produzia, quando estava empregada, artigos que ninguém queria, textos que ninguém lia, peças sem espectadores, serviços indesejados ou palavreado sortido. E se pesaram e pesam no orçamento é em nome do trabalho que desempenharam e perderam, não é em nome do direito a que a comunidade lhes sustente a alegada superioridade cultural.
E é de superioridade cultural que falas quando contrapões a Nini - seja lá quem for -, o La Féria, e o cacilheiro da Ajuda, não se sabe bem a quê, mas presume-se que aos outros Andrés e aos espectáculos culturais do bocejo, ainda que ignorante. A menos que aches mal que os poderes públicos subsidiem o gosto popular - é isso? Se é, André, aos meus braços, que ainda havemos de nos entender - basta que, como eu, queiras que o teu rico dinheirinho de contribuinte sirva para pagar a conservação do monumento, da biblioteca e do museu, e para financiar a escola, mas para o agente cultural - nicles: queres escrever compra um lápis, queres pintar compra tela e tintas, queres representar vê se arranjas um mecenas que te pague o teatro ou vai para as telenovelas - ups, parece que já lá estás, parabéns.
Quanto ao resto, olha, a aulazinha de Direito Constitucional esquece. Que o texto da Constituição, na parte dos direitos de uns sobre as obrigações de outros - morreu. E só dá ainda a impressão de estar vivo porque do óbito não foi ainda claramente informada uma parte da população nem os guardiães da revolução. Morreu porque acabou o arame. E esses que com sanha enumeras, e que ainda o têm, no geral aliás menos do que se imagina, só podem ser pilhados uma vez.
Por isso, a figura de Spartacus que, com grande rasgo de imaginação e uma pontinha de imodéstia, escolheste para muso inspirador, resulta um tanto, vá lá, deslocada: o escravo revoltoso foi morto pelas tropas de Crasso, e tu apenas tens de sobreviver até ao próximo discurso (se até lá não arranjares emprego). Além disso, Spartacus liderou 100 mil homens. Que mal te pergunte, André, tu lideras quem?
Que me desculpem os meus amigos d'O Insurgente, mas não me apetece deixar passar.
A propósito de um grupo de reformados que hoje, durante a manifestação, vestiam camisolas a dizer "Nós não somos responsáveis", Rui Carmo comenta:
"Obrigado. Foi também pela inimputabilidade e pelo constante que se lixem as gerações futuras que chegámos aqui."
Este post é vil. Até pelo fundo de verdade que contém (como é costume acontecer com as mentiras mais eficazes).
Eu gostava que o Rui Carmo me informasse onde estavam "os jovens" mais "responsáveis". Aqueles que protestaram contra as mordomias que foram oferecidas aos empregados da função pública. E contra a Expo 98, e o Euro 2004, e as passagens de ano praticamente administrativas. E as internets "gratuitas", e os Magalhães, e as "festas das cidades". E a Fundações constituidas para os besuntarem, a eles e aos pais deles, com as "culturas", e as exposições, os concertos rock, e os "ateliers" das mais variadas "artes" a fim de lhes comprarem os votos ou (na pior das hipóteses) a indiferença. E os "investimentos" e as políticas "expansionistas" de Cavaco, de Guterres, de Barroso, de Sócrates e de toda a espécie de criadores de "um homem novo". Que permitiu, aos pais e aos avós desses "responsáveis" jovens, pagarem-lhes as contas dos iPhones, dos campismos, dos jogos de vídeo, das patuscadas, dos "doutoramentos", e das várias "emancipações" que eles escolheram viver - numa ignorância tão escura que não lhes permitiu sequer darem-se conta da sua dimensão.
Os velhos não costumam estar apetrechados com saúde, vagar, e vitalidade para se organizar em manifestações. São por isso um alvo fácil para cobardes, que lhes inflingem dano sem se arrepiarem.
Os velhos também não costumam passar cartão às boçalidades irrelevantes que se escrevem na blogosfera.
Mas estou cá eu. Que sinto gozo em oferecer umas perspectivas a certo tipo de putos, charilas e malcriados, com vontade de apresentar serviço.
Guardo as tolerâncias para os meus adversários; afinal, eles é que têm de viver dentro daquelas convicções que considero enlouquecidas. E gasto o rigor nas pessoas "da minha área". Porque ser lúcido inclui a ponderação necessária para, quando se analisa um problema, tentar vê-lo de todos os ângulos. A começar pelo ângulo dos envolvidos. Caso contrário, sofre-se de uma maluqueira de módulo igual e outro sinal qualquer.
- Porque é que venho ao protesto? Porque estou contra a política deste governo.
- O que é que é preciso fazer?
- Tudo. Mandá-los embora e fazer tudo diferente.
Depois vai à vida dela. Mas arrepende-se, volta atrás e especifica:
- Eu sou professora universitária, estamos a formar jovens para eles se irem embora. Isto é um custo para as famílias, para o Estado, que vamos dar de mão beijada a outros países. Os nossos jovens formados e bem formados. É uma pena.
Olhe, senhora professora: dizer que é preciso "mudar tudo" equivale a dizer que não é preciso "mudar nada". Não sei que disciplinas "ensina" aos seus alunos. Mas se lhe dessem uma resposta igual a essa, palpita-me que perceberia o que lhe estou a dizer.
E digo-lhe mais: tenho pena que as pessoas emigrem por obrigação. Mas não sinto falta dos jovens "bem formados" por si. Só por acaso, e por interesse autónomo, não terão do mundo uma visão tão alheada como a sua.
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