A investigadora Raquel Varela, uma das mais ilustres pastoras de almas no Tempo Novo depois de ter feito parte da vanguarda ideológica dos indignados e dos okupas que se rebelaram nos anos da troika contra o neoliberalismo e o capitalismo desregulado, decidiu agregar numa única tese quase todo o conhecimento que existe, explicando de uma só penada o desemprego estrutural e o assistencialismo familiar e Estatal, o lumpen-proletariado, Trump, a Cornucópia e a juventude, dando-lhe o sugestivo título de Trump em Torremolinos.
Não dominando a ciência da Tudologia, não ouso desafiar a ligação encontrada pela investigadora entre todas estas coisas, e deixo a análise dos fundamentos teóricos e dos aspectos metodológicos que conduziram à formulação das conclusões da publicação aos que a dominam. Só tomo nota que a autora não deixa de fazer menção ao lumpen-proletariado, uma brilhante construção do socialismo para arrumar de vez com a dúvida que alguma contra-revolução ainda tinha sobre a adesão entusiástica do povo à revolução socialista e que alguns retrógrados ainda hoje persistem em ter, explicando que os que não aderem são lumpen-proletariado e, portanto, casos perdidos que não contam para a média daquilo que é o verdadeiro povo, e que hoje se aproxima mais dos pós-doutorados em ciências sociais do que dos operários e camponeses, soldados e marinheiros, e muito menos dos que não são sindicalizados, ou sindicalizados mas em sindicatos amarelos da UGT. O lumpen-proletariado é a água que se pode sacudir do capote revestido de Scotchgard para a revolução socialista seguir em frente com o povo a segui-la.
Mas percebo alguma coisa da ciência dos títulos, e o título Trump em Torremolinos é notável a todos os títulos.
Em três palavrinhas apenas remete Donald Trump para o domínio dos selvagenzinhos que exportamos regularmente nas férias da Páscoa para vandalizar hotéis do sul de Espanha. Tocada a campainha, as glândulas salivares entram em acção e os cães de Pavlov aliviam-se da ansiedade com a certeza de um petisco na iminência de chegar. E os leitores da investigadora Raquel Varela também. Assunto arrumado.
Mas um título tão brilhante, por eficaz a atingir os resultados pretendidos, merece ser investigado. O trabalho de campo da minha investigação cientifica recorreu ao método de contar o número de ocorrências da palavra "Trump" na tese através da ferramenta informática "Personalizar e controlar o Google Chrome -> Localizar... ", e revelou que a palavra aparece 3 vezes:
A análise revela que a tese tem um nível de polivalência notável. Podiam-se substituir as 3 ocorrências da palavra "Trump" por "Putin", ou "Assad", sem alterar em nada o seu sentido. Se se retirasse a palavra "ONU" da frase, qualquer lançador de bombas seria elegível para chegar ao título da tese. Deixando-se limitar pelo preciosismo, "Trump" não seria ele próprio elegível, uma vez que lançou bombas mas os corpos não foram enterrados pela ONU.
Mas isso não interessa.O verdadeiro conteúdo da tese está no título, e o título não precisa do texto para se fazer entender. Pelo menos pelo lumpen-intelectual que consome títulos da investigadora Raquel Varela à procura de campainhas que lhe diminuam a ansiedade da dúvida e a substituam pelo conforto da certeza que o Donald Trump é dos maus, e que eles, e ela, são dos bons.
E a credibilidade do artigo, quem mediu? Foi a “prestigiada revista académica”? Foram as 20 páginas? Foi o mês que demorou a escrever? Foram os 10 anos que demorou a “investigar”? E o que é que esses números, e sobretudo essas unidades, dizem do interesse “científico”? Zero.
Mas o resto diz quase tudo. O mais intrigante é que a senhora vem para o facebook explicar como se constrói hoje em dia o “prestígio” de quem calha, exibindo, sem se aperceber, o seu próprio exemplo. Só não nos contou como é que estes “cientistas” combinam citar-se uns aos outros, para ficarmos com a descrição completa e toda a gente perceber, sem faltar nenhum detalhe, porque é que a nossa “academia” está infestada de Raquéis Varela.
Fui ler o maldito Relatório (em diagonal e a cem à hora, que são 62 páginas densas e cheias de gráficos e eu é mais leituras amenas) e juro que não vi lá 870 milionários portugueses que, no conjunto, têm 75 mil milhões de euros.
Claro que esta riqueza, a existir, não é líquida, corresponde a activos dos quais a maior parte emigraria para outras paragens ou veria o seu valor despencar pela escada abaixo se fosse confiscada.
Depois, o confisco dos muito ricos não acabava com os ricos - o 871º passava a 1º, o 872º a 2º e assim por diante, até não haver ninguém que detivesse meios de produção que lhe permitisse apropriar-se das mais-valias geradas pelos trabalhadores, pé-ré-pé-pé.
Sem crédito externo, porque o confisco não é bem visto por quem vive de emprestar, os bancos tinham que ser nacionalizados, as empresas paralisavam por falta de matérias-primas, passaria a haver racionamento, controle de divisas, prisão dos transgressores económicos e manifestantes contra-revolucionários, fuga de capitais e pessoas, planeamento central da economia, e tudo o mais que caracterizou o regime defunto cuja Revolução seminal se assinalou ontem. E tudo isso aconteceria necessariamente - um regime comunista só pode nascer e manter-se na violência, cortando permanentemente as cabeças à hidra da Reacção.
Eles, os comunistas, são por vezes cultos, lidos, parlamentares brilhantes, dão aulas nas universidades, aparecem todos os dias a dizer coisas na televisão, alguns são historiadores e economistas, que Deus lhes perdoe.
Mas não aprenderam nada, não esqueceram nada, e ao mais que podem aspirar é cavalgar o descontentamento. E em vez dos amanhãs que cantam têm para oferecer o passado grávido de crimes, enterrado no lixo da História.
Que este programa cative algures entre dez e quinze de cada cem portugueses é uma medida segura da nossa miséria, atraso - e ignorância.
Ando há que tempos para dizer bem de Raquel Varela, que foi enxovalhada por causa de um programa de televisão ridículo no qual disse umas coisas que não deveria ter dito a um mocinho que, sem acanhamento, se viu obrigado a responder-lhe o que competia.
Triste episódio; que na realidade toda a mulher bonita tem o direito de dizer tolices sem contradita, eu acho.
Do meu lado do espectro partidário caíram-lhe, salvo seja, em cima. E fizeram mal: deveriam ter-se remetido a um discreto silêncio.
A própria tem mais do que uma corda no seu arco. E hoje dá uma triunfante lição a quantos esquerdistas e direitistas equivocados andam por aí. É verdade que, na parte do texto que é dela, diz umas coisas sobre classes, que não percebi bem. Nem preciso: a voz dos poetas é a voz de Deus. E o ajudante que foi buscar não a redimiu a meus olhos, porque não precisava; mas, desta vez, ousamos esperar, eu e as outras pessoas de senso, que ninguém ouse botar defeito.
Raquel Baptista Varela é marida de um cidadão que também é mentalmente excepcional. À luz da legislação portuguesa, está visto que podem co-adoptar pareceres. Poderão adoptar crianças? Deixo esta pergunta no ar.
Estará o país preparado? Até certo ponto. Mesmo no Arrastão, instituto onde se observam e defendem excepções de todo o tipo, há dois cidadãos que, escurecidos de preconceito, não vêm a coisa com bons olhos. Naquela linguagem "cavernícola" (obrigada, Galamba), de quem convive mal com o "direito à diferença" e pactua, pela "passividade bovina", com certos "retrocessos civilizacionais", dizem da doce Raquel que ela é "alienada", que "usa a ideologia" como um "pronto a vestir", e que lhe falta "bom senso". Palavras fortes, que não levo a mal: são decisões difíceis, que inflamam os ânimos e necessitam de muita ponderação.
Enquanto pensamos fica um excerto, uma síntese do pensamento do filósofo, que se chama António Paço:
"Os grandes agradecimentos que a apresentadora Fátima Campos Ferreira fez à Raquel no final do programa só se explicam, aliás, por ser óbvio que a Raquel lhe «salvara» o programa."
Vai à atenção de André Azevedo Alves, este meu subsídio para o dorido trabalho de investigação que está a partilhar com o estimável público, biografando a "académica" Raquel, a nível d' O Insurgente.
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Leitura complementar: Doce Raquel e o horário "nobre"
Este excerto do Prós e contras de ontem é muito significativo. Pelas razões que a Margarida já aqui expôs mas também por outras muito fundas que bebem no âmago dos posicionamentos ideológicos e nas visões conflituantes de sociedade que nos trouxeram aqui e nos prendem a um presente pouco capaz de construir um futuro mais sorridente.
A esquerda radical de Raquel Varela é incapaz de entender, e pior, detesta e vê como um perigo, a capacidade muito humana de empreendedorismo que está na base do nosso sucesso como espécie. Empreendedor de sucesso era o caçador recolector capaz de melhor organizar o bando na caça, de escolher e dominar as ferramentas necessárias, de obter mais e melhor alimento para o grupo. A humanidade sem organizadores, sem pioneiros que liderassem onde estaria? Ao nível dos outros primatas? Provavelmente. Na agricultura, para além da subsistência, na explosão da indústria, sempre foram determinantes as figuras de alguns organizadores possuidores de visão excepcional que a todos trouxeram riqueza e desenvolvimento.
Raquel Varela abomina o tipo de homem que o rapaz Martim representa. Recorda-lhe o inverso da condição de ovelha contente e dependente do rebanho que ela almeja para todos nós. E o mais grave? Lendo o que se escreve no blog onde ela participa, o 5Dias, acham-se no direito de impor a mentalidade de rebanho a todos nós pela revolução.
Gente perigosa que nos pretende encaminhar para uma rua sem saída, aquela em que comunistas e seu produto evoluído, os socialistas, insistem em apresentar-nos como o amanhã sorridente e pleno de abundância sem esforço.
Fica registado o comentário de ontem para nos recordar o sonho que pretendem que abracemos como mundo maravilhoso: aquele em que o homem se diminui por vontade, escolha própria e se reduz a mais um animal passivo.
Vejo as "redes sociais" muito agitadas com um tal Martim, jovem bastante mais potável que o risível Miguel Gonçalves, na sequência de uma troca de impressões no Prós & Prós de ontem. Não acompanho os aplausos, muito menos os "agradecimentos" por ter, aparentemente, posto uma senhora "no seu lugar".
Martim tem "um negócio de moda", "a preços acessíveis", que lhe corre bem. Mesmo porque "foi bem aceite a nível das pessoas" que se davam com ele. Fátima "calcula" que seja "confortável", "desportiva", "muito jovem", "muito aliciante", "muito atractiva", e a "preços bem mais baratos" (sic) do que se fosse "roupa de marca". Raquel interrompe-o para lhe perguntar se as roupas são fabricadas na China, "com os trabalhadores a ganharem 2 dólares por dia" e "a comer uma tijela de arroz". Martim diz que não, que são feitas numa fábrica portuguesa. Raquel pergunta se ele sabe "nessa empresa portuguesa, quanto é que ganham os trabalhadores", porque "maioritariamente nas empresas têxteis os trabalhadores ganham o ordenado mínimo", o que "não é suficiente para viver". Martim responde-lhe que, "pelo menos", esses trabalhadores "não estão no desemprego". A plateia vem abaixo com as palmas.
Que a suposta "doutora" Raquel Varela seja (digamos) mentalmente excepcional, é um facto da vida, indesmentível, inevitável, e que não me diz respeito. Que a nossa "academia" lhe dê "graus", é exemplar. Diz mais da nossa "academia", e do que em 30 anos fomos colectivamente permitindo que se fizesse dela, do que diz da "académica" Raquel. Que a televisão pública dê palco às varelices, é uma consequência directa do ponto anterior.
Nada disto faz de Martim um fenómeno. Qualquer mamífero com instrução suficiente para atravessar a própria rua percebe o mundo melhor do que a doce Raquel.
Se Martim responde a Raquel, mostra que é educado. Se Martim responde a Raquel contrariando-a (assim, em directo e em horário "nobre"), fico na dúvida. Bem sei que Martim só tem 16 anos. E que não foi ele que a convidou. Se os "jornalistas" soubessem o que é caridade, nunca mais entrevistavam Raquel.
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