(*)
O nome não é muito inspirador - Café Correia - mas merece a visita: tem lulas, peixes, mariscos e pratos de carne para quem, mesmo de férias e perto do mar, não dispensa o massacre dos seres sencientes e indefesos com os quais partilhamos a parte sólida do planeta.
Da parte marinha (da terrestre ignoro, para já) o cozinheiro sabe superiormente o que faz, que declina em guisados, massas e múltiplos arrozes - que quase sempre são, infelizmente, para um mínimo de duas pessoas.
Fica para lá do Sol-posto, em Vila do Bispo, caminho de Sagres, quase a chegar ao fim da terra e do turismo.
Na travessia de Lagos, o viajante pode, à guisa de aperitivo, ir comendo com os olhos as arrojadas esculturas que enriquecem as rotundas, das quais existem quase tantas como cruzamentos; e, nos 25 km que ainda faltam, o princípio da rotunda como elemento disciplinador do trânsito e símbolo das conquistas do Poder Local atinge o seu esplendor, dado que, em se tendo uma boa preparação atlética, quase se poderia cobrir a distância saltando de umas para outras.
No fim da refeição, o cozinheiro vem inquirir pelas mesas da opinião dos comensais. E, face aos cumprimentos, murmura: "Lá calhou!".
É como as esculturas e as rotundas e o Poder Local: foi o que nos calhou.
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* Explicação oficial:
"Monumento Diálogo, Liberdade e Democracia
Da autoria de Vera Gonçalves, foi inaugurado em 1999, no âmbito das comemorações do 25 de Abril. O conjunto dos elementos Terra, Homem, Diálogo, e Luz, representados por um círculo de cadeiras luminosas, sobre uma calote esférica feita de pequenas pedras azuis, constituem um monumento ao diálogo, aos 25 anos de vida democrática em Portugal, e aos 25 anos do 25 de Abril. Situado na Avenida da República."
A Comidinha foi ontem. Tomorrow (hoje) another day, another boy - como diziam as adolescentes inglesas, no tempo da Velha Senhora, aos Tugas engatatões, de férias na Meca do Algarve.
E hoje foi um tasco, bancos corridos, papel a servir de toalha, talheres a segurar enquanto trocam os pratos, ai que típico, a decoração onde sobressaem as pinturezas do dono, que não têm nem a desculpa de serem naïf; a ementa também sempre a mesma, puída pelo uso: um vinho reles, de garrafão - diz que o povo gosta; uma canja de conquilhas, com areia; polvo assado, saboroso mas duro, nada de galeguices; depois o pernil, diz quem provou que estava bom; uma sopa de feijão feita com o osso do presunto, com o correspondente arrière-goût de ranço. À sobremesa uns biscoitos bem feitos e uns bolinhos de figo, fortes e decentes, com acompanhamento de um horrível bagaço, a fingir de medronho, e um vinho abafado que o devia ter sido de vez, à nascença.
35€ por cabeça é o preço da receita. Parece que a farmácia tem muitos clientes. Este diz - até nunca, Vila Lisa ou lá o que é.
Só se lá vai de GPS.
O percurso que a máquina escolhe é labiríntico e saudosista: passa-se por uma Avenida da Filarmónica 1º de Maio, entra-se numa zona de inspiração arquitectónica cabo-verdiana, os moços encostados às esquinas parecem ter roubado os telemóveis.
É então que se chega à Praça do Poder Local. Estranhamente, não há vestígios de bandeiras vermelhas, talvez só nos dias de festa. Há, porém, um jardim com palmeiras muito altas, que fazem um rumorejar lá em cima - Lagos é muito perto de África.
O dono é, ao primeiro embate, antipático. Conhecendo-o melhor, percebe-se que sabe o que é comer bem, e confiando-lhe a escolha do vinho não só acerta como não mete a unha.
A lista é imensa e pode dar ataques de ansiedade tanto a cidadãos prevenidos que têm a mania que são gastrónomos como a vulgares glutões, por via das hesitações.
Nas mesas, demasiado juntas num espaço exíguo, alguns estrangeiros e famílias de, parece-me, turistas habitués.
É como eu: em estando por aqui, não dispenso a visita. E se aqueles senhores de barbas cuidadas e aspecto meio intelectual forem comunistas - que Deus os abençoe.
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